Ziraldo 90


Autor completa 90 anos consagrado como o cartunista mais popular do Brasil. Artista esculhambou a ditadura e foi fundamental na redemocratização do país

Ziraldo Alves Pinto recebeu a família no fim de semana que precedeu o da eleição de segundo turno no distópico Brasil de 2022. A razão da reunião de filhos, irmãos, sobrinhos, primos e netos, que aconteceu no Rio de Janeiro, foi a comemoração de seus 90 anos.

Cartunista, publicitário, jornalista e escritor, é natural de Caratinga, nas Minas Gerais, em 1932. Este nome esquisito é fruto de uma mistura dos nomes de seu pai Geraldo e sua mãe Zizinha, sendo o mais velho de sete irmãos. Teve ainda mais dois “Zês” na fila, seu irmão segundo Ziralzi e o terceiro Zélio, também escritor.

Ziraldo foi estudar no Rio ainda novo e retornou a Caratinga no início dos anos 1950. Em Belo Horizonte, concluiu a faculdade de direito da UFMG em 1957. Mas desde 1954 já era chargista da Folha de Manhã, a atual Folha de SP, e em 1957 já era fixo da revista O Cruzeiro. Adentra os loucos anos 1960 publicando seu primeiro gibi — tendo os quadrinhos declaradamente como sua maior influência — a Turma do Pererê. Grande sucesso nas bancas até 1964, quando veio o golpe militar. Ziraldo já voltara a viver no Rio de uma vez, para sempre.

Se recolheu à publicidade, criando especialmente cartazes e ilustrações divertidas para anúncios de revista. Em 1968, junto com Sergio Cabral, Carlos Prósperi e Tarso de Castro, mais os cartunistas Sergio Jaguaribe (o Jaguar) e Claudius Ceccon, Ziraldo integra a primeira equipe do Pasquim, semanário que mudou a linguagem da imprensa brasileira e deu muita dor de cabeça ao regime, que viria a endurecer com o AI-5 no final daquele mesmo ano icônico. Como quase todos do periódico, foi preso, devido ao colega e amigo, o cartunista Jaguar, que resolvera publicar uma charge utilizando como base o famoso quadro de Pedro Américo Independência ou Morte. Quase um símbolo da pátria. Jaguar coloca um balão de quadrinhos sobre a cabeça de Pedro I com os dizeres “eu quero mocotó”. Todo mundo foi em cana.

Mesmo com as agruras do período ditatorial, Ziraldo já era havia muito o cartunista mais popular do país. Conseguiu sobreviver e continuar, de forma sutil, contestando o regime. Seguiu trabalhando com tudo que a tinta nanquim de sua pena podia criar. Fosse sacaneando as fardas verde-oliva, elucubrando os trajes espaciais dos astronautas da Guerra Fria, as celebridades e fatos do futebol, os biquínis (que desenhava sempre minúsculos, imitando a atmosfera de Ipanema) e o empresariado. Nos anos 1970 a editora Abril retoma a publicação da Tuma do Pererê, e mesmo sem o sucesso inicial, devolve Ziraldo às publicações de HQ comerciais. Suas obras, por atuar em várias frentes, acabam formando um quadro do comportamento de um Brasil bastante amplo.

Em 1980, publica seu maior sucesso editorial, O Menino Maluquinho. O livro torna-se referência mundial na literatura infantil. Ao longo dos anos, ganhou diversas adaptações para cinema e televisão.

Com o fim do Pasquim, o cartunista segue firme em suas posições políticas à esquerda, e tem papel fundamental na redemocratização do país a partir de 1985, quando chegou a presidir a Funarte, no governo de José Sarney, o primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura. Seu trabalho na instituição focou especialmente na cultura popular, das bandas de música das cidades pequenas, folguedos populares como festas juninas e boi de mamão, entre outros elementos do folclore brasileiro.

Nos anos 1990 empreendeu em uma espécie de reunião da velha guarda do Pasquim com a revista Bundas — uma tiração com a breguíssima revista Caras, que tinha como slogan a máxima “quem mostrou a bunda em Caras, jamais mostrará a cara em Bundas”.

Sempre atuante, ajudou nas eleições do presidente Lula em 2002 e 2006, e Dilma em 2010 e 2014. Foi um dos artistas que levantou a voz contra o golpe de 2016.

Ziraldo Alves Pinto é pai do músico e compositor Antônio Pinto e da diretora e dramaturga Daniela Thomas. O filme Ziraldo – Era Uma Vez um Menino, dirigido por Daniela com trilha de seu irmão Antônio foi lançado no final de 2021, no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo. A produção chegou ao público em maio passado, no canal Curta!. O documentário, que reúne entrevistas com Ziraldo ao longo de quatro décadas, também será exibido nas homenagens ao artista mineiro em Caratinga e Tiradentes.

O Brasil precisa mais do que nunca homenagear seus verdadeiros heróis. Ziraldo é um deles. Aos 90, ainda mantém seu estúdio no mesmo lugar, na lagoa Rodrigo de Freitas, em um apartamento no qual morava que ampliou para continuar sendo — como sempre foi — um home officer. A festa que reuniu a talentosa família ocorreu em um imóvel próximo dali, onde o artista vive hoje.

Ziraldo, 90 anos de um Brasil com Z.

Ouça. Leia. Assista:

O Menino Maluquinho – livro

A Turma do Pererê – livro

Só Dói Quando Eu Rio – livro

Ziraldo – Era uma Vez um Menino – documentário – trailer

Imagens: reprodução