Um filme com Rick Wakeman, Michael Caine e estrelando: Maradona


Hero, filme oficial da Copa de 86 ultrapassa os limites do futebol. Com linguagem arrojada e um show de fotografia, obra escrita e dirigida por Tony Maylam apresenta sentimento autoral e seu astro maior em um espetáculo de dramaticidade

A partir de 1954, com German Giants, dirigido por Sammy Drechsel, Gerhard Grindel e Horst Wiganko, todas as copas do mundo passaram a ter um filme oficial do torneio esportivo mais popular do planeta, produzido pela Fifa. A primeira grande inovação surgiu em 1966, quando o filme foi feito em cores. Já em 2010, foram usadas câmeras 3D.

As primeiras produções tratavam pura e simplesmente da questão dos jogos, com cenas pitorescas dos países sede, e dramatizavam de maneira inocente os eventos, dando-lhes algum molho, como cabe ao bom documentário.  Os filmes de 1954 e 1970 (The World at Their Feet, de Alberto Isaac), por exemplo, têm praticamente o mesmo roteiro. A saga de um garotinho que foge da família rumo à copa do mundo, atrás de seus ídolos. As desventuras dos garotos são entremeadas com cenas dos jogos que resultaram na consagração das seleções da Alemanha Ocidental (1954) e Brasil (1970). Divertidos. Mas nada demais.

A primeira grande inovação foi Hero, dirigido pelo inglês Tony Maylam, sobre a Copa de 1986 no México. Ele já havia dirigido o filme oficial dos jogos olímpicos de inverno de 1976, na Áustria. Lançado em 1977, White Rocks contou com trilha sonora do grupo Genesis.

O namoro de Tony Maylam com o rock progressivo continuaria em sua obra máxima. Hero tem trilha sonora de Rick Wakeman, tecladista da mitológica banda Yes. A narração coube a ninguém menos que sir Michael Caine.

Britânico até a medula, o filme acaba ironicamente por apresentar em seu enredo a derrota mais emblemática da Inglaterra em todas as copas. Foi o jogo das quartas de final, marcado ainda pelas rusgas da Guerra das Malvinas, ocorrida havia quatro anos. A Argentina superou os ingleses com um gol de mão e outro absolutamente espetacular. As duas cenas protagonizadas por Diego Maradona. Gary Lineker descontou. 2×1 foi o placar final. Começava ali a consagração de um dos maiores mitos que o futebol já produziu. O azar do English Team acabou por ser a grande fortuna do diretor inglês. Ele não poderia contar com desfecho mais interessante, apesar de tudo.

A película já começa honrando e identificando seu nome, não sem antes apresentar as mazelas geradas por uma Cidade do México sob os escombros de um terremoto ocorrido em setembro do ano anterior. E crianças batendo bola na rua, em meio a destroços, representando a paixão pelo futebol de forma imediata.

Créditos iniciais escalam em primeira mão os heróis que protagonizaram aquele torneio, como elenco de um grande épico do cinema. Entre alguns outros, aparecem nos letreiros e imagens o dinamarquês Michael Laudrup, o uruguaio Enzo Francescoli, o brasileiro Sócrates, o alemão Karl-Heinz Rummenigge, o mexicano Hugo Sanchez e, estrela máxima do circo que chegava para deslumbrar o país asteca: Diego Maradona. Um desfile de heroicos “combatentes” nas batalhas que seguem.

Rick Wakeman conduz a trilha do modo espetacular pelo qual foi consagrado. O astro do prog rock não sai do fundo das cenas em nenhum momento. Sempre há o piano, o órgão, os efeitos e os arranjos do maestro em todas as passagens. A canção-tema é para Maradona: Me Das Cada Dia Mas, interpretada por Valeria Lynch, diva e cantora argentina, amiga de Dieguito.

Tony Maylam leva o espectador para dentro do gramado. O filme não se prende ao desenvolvimento tradicional de chaves e grupos e sequer traça um panorama do que estava acontecendo na geral daquela copa. Foca nos astros. Nos heróis. Em embates específicos e marcantes. É praticamente todo em closes ou planos médios, captados de dentro das quatro linhas nas quais ocorria o maior espetáculo da terra. E aí é que está o prato cheio para o grande astro daquela copa. Diego Maradona traz consigo os gestos e o melodrama que compõe a alma argentina. Maradona é caras e bocas, e dança, risos e lágrimas. O tempo todo. De perto, graças às câmeras orquestradas por Maylam.

O roteiro se concentra em momentos chave, como a estreia da seleção da casa, os jogos da Itália (a campeã da edição anterior), a goleada da Dinamarca sobre o Uruguai e sua posterior derrocada frente à Espanha. Se prende muito especialmente no empate da França com o Brasil, em que Zico — herói — adentra o gramado machucado, lança o lateral Branco, que sofre o pênalti. O próprio Zico cobra, e perde. A eliminação da segunda seleção comandada de Telê Santana em copas, se deu na decisão por pênaltis subsequente. Depois demora-se tal e qual no já citado Inglaterra x Argentina. Na eliminação francesa pelos alemães na semifinal. E mais um bom tanto na final, por óbvio. A consagração de Maradona frente à Alemanha. A redenção platina.

Um filme para ser visto com espírito livre, de quem ama o esporte, mas também a vida e o drama, feito ópera. Tudo como se tomássemos um chá das cinco em ótima conversa, sob o levíssimo acento cockney de Michael Caine. “We can be heroes, just for a one day” (David Bowie).

Ouça. Leia. Assista:

Hero. Filme oficial da copa de 1986. Completo.

Fotos: reprodução