Mudei de país, entrei na correria louca de estudos e trabalho e de cuidar da casa e das cachorras e, quando vi, passaram-se quase seis meses e eu ainda não conhecia nada da minha nova cidade.
Tudo bem, nada, não. Nesses seis meses, eu conheci a pracinha na quadra ao lado da minha casa, os dois parques para cachorros mais próximos, as diferentes opções de caminho de casa pra faculdade e de volta pra casa, a biblioteca pública (que fica nesse caminho, mas me permiti entrar pra conhecer melhor e usar meus $5 gratuitos mensais em impressão), dois shoppings, alguns supermercados e um bairro alternativo bem bacana perto daqui (ou melhor, um sebo, uma livraria e uma cervejaria do bairro). Uau, foi isso.
Quando pude sair da rodinha de rato que me aprisionava e me permiti descansar, a ficha caiu: eu precisava mesmo começar a conhecer mais da minha – já não tão nova assim – cidade.
Foi aí que me lembrei da vez em que me propuz passear pela minha própria cidade natal. Peguei a famosa Linha Turismo e me permiti turistar em Curitiba por um dia inteiro, com direito à câmera fotográfica no pescoço e tudo mais. Nesse dia eu vi uma Curitiba que eu não conhecia e uma que eu já não me lembrava mais. Eu vi muros, símbolos, fiações e cores. Eu vi o novo e o velho entrelaçados. Eu vi lugares e pessoas. Eu pude revisitar memórias da minha infância e criar novas. Eu reacendi a chama da paixão por essa cidade tão maravilhosa e cheia de vida.
Ah, como é bom fazer turismo! Lembro de um amigo da faculdade que começou a me chamar de turista (mais porque nos últimos períodos eu já não frequentava tanto as aulas, um mero detalhe). Ele segue me chamando assim e o apelido se reforça a cada foto postada em um lugar novo. Turista sempre me soou tão bem, sempre me serviu.
E foi aí que me lembrei de um livro que chamou minha atenção em uma das livrarias desses caminhos já conhecidos da nova cidade: 111 places in Calgary you must not miss (111 lugares em Calgary que você não pode perder), de Jennifer Bain, com fotografia de Christina Ryan (2020). Era disso que eu precisava!
Procurei novamente o livro e o achei em promoção – é agora, vamos embarcar nessa! Passei um dia inteiro só folheando o livro, cruzando os pontinhos no mapa com as fotos e informações de cada lugar, me deliciando com as curiosidades e descobertas e com as experiências que estavam por vir. Um padre tatuador? Um museu de esquilos empalhados representando diversas cenas humanas? Um bar que era corpo de bombeiros que dizem ser mal assombrado? Eu precisava ver tudo isso!
Meu primeiro tour foi pelo bairro alternativo que eu já amava, mas não conhecia quase nada. Estava doida para desbravar tudo que se escondia por aquelas ruazinhas. Visitei uns cinco lugares listados no livro (incluindo o bar mal assombrado e o estúdio de tatuagem) e mais uns dez lugares que apareceram pelo caminho. Me permiti entrar em todas as lojinhas que me chamaram a atenção e admirar todas as obras de arte ao ar livre.
Como é bom se permitir, como é bom perambular pelas ruas com aquele olhar despreocupado, porém atento. E, diferente do que a gente costuma pensar, nem precisa de tanto tempo livre assim para ser turista. Uma grande amiga compartilhou comigo uma “tarefa” que sua terapeuta recomendou: uma hora de férias por dia. Como você pode encaixar uma pausa de uma hora no seu dia todos os dias para fazer algo que você só faria em período de férias? Podem ser coisas como visitar museus e parques, mas também organizar gavetas e guarda-roupas. Escolher um lugar do mundo e fazer turismo – online mesmo, tem tanto recurso gratuito disponível na web! Cozinhar, pedir uma comida diferente ou ir jantar em um restaurante que há tempos você tinha vontade de conhecer, mas nunca ia. O importante é turistar!
Lembrei-me ainda da Julia Cameron e seu livro, O Caminho do Artista (1992). Nele, umas das duas ferramentas que a autora afirma serem “essenciais para a recuperação criativa”, é o que ela chama de Encontro com o Artista. Ela explica que o encontro é um tempo que você reserva para alimentar o seu artista interior, a sua consciência criativa. Ela sugere em torno de duas horas por semana, dedicadas a atividades como “uma visita a uma loja de artigos de segunda mão, um passeio na praia, assistir a um filme antigo, uma ida a um aquário ou uma galeria de arte.” A regra principal é que você não pode levar mais ninguém para o seu encontro com o artista. Ele não custa dinheiro, mas exige tempo e presença. É um momento de conexão e inspiração para você e a sua criança criativa.
Não importa o formato, a frequência, ou o nome que se dê. O novo está aí, pronto para ser visto. Mesmo nos lugares mais conhecidos, mesmo em nós mesmos. Se olharmos com cuidado, de pertinho, vamos achar algo que nunca tínhamos visto antes. Vamos descobrir, vamos conhecer, vamos aprender. Vamos alimentar nossa curiosidade, nosso repertório, nossa criatividade.
Vamos?!