The Wrecking Crew. A maior banda de estúdio da história


Filme dirigido por Denny Tedesco em 2008 recolocou na história a equipe de músicos mais importante da música pop

A costa oeste norte-americana já era meca de malucos desde os tempos gloriosos de Hollywood, e no final dos anos 1950 já havia sido invadida pelos beats. Ainda que o cinema se encontrasse em franca decadência, ainda era forte, e uma nova indústria começava a fincar suas bases e bandeiras em Los Angeles: a música.

Já havia o chamado west coast jazz, cenário para o qual migraram Stan Getz, Gerry Mulligan e Chet Baker, derivados diretos do cool jazz, e logo em seguida os brasileiros João Donato e Sergio Mendes, entre muitos outros. E o pop já era vivo e começava a andar com suas próprias pernas. Estúdios e produtores começavam a se estruturar para receber gravações em pencas, em todos os Estados Unidos. Mas a Califórnia tinha sol.

Foi nesse período que surgiu a necessidade de elementos que viriam a ser conhecidos como “músicos de estúdio”, uns tipos esquecidos por natureza, como é fácil notar, por não serem notados, e muitas vezes sequer “anotados”, de fato.

Em Los Angeles surgiu uma equipe absolutamente essencial para a música contemporânea. Apesar de quebrarem tudo, não eram, como sugere o nome, especialistas em demolição. Foram chamados “The Wrecking Crew”.

O baterista Hal Blaine popularizou este grupo em suas memórias de 1990, inspirado na crença de músicos mais velhos de que a adesão daquele bando de instrumentistas talentosos e com erudição acima da média ao rock’n roll iria “destruir” a indústria musical. Daí o nome.

Eles estavam errados, entretanto. Embora The Wrecking Crew não tenha recebido nenhuma reputação direta, foram eles que desempenharam o papel essencial na produção de algumas das canções pop-rock mais importantes de todos os tempos.

Era uma coleção de músicos de estúdio altamente reverenciados e talentosos que apareceram em milhares de gravações populares ao longo das décadas de 1960 e 1970 — êxitos absolutos como Mr. Tambourine Man, canção de Bob Dylan, interpretada pelos Byrds, e a acachapante California Dreamin dos Mamas and The Papas — talvez o maior hino da costa oeste e da época hippie. Para citar apenas dois.

Em termos absolutos, é provável que The Wrecking Crew seja, sem muito debate, a banda mais gravada da história da música. É quase impossível contar quantos músicos compuseram o coletivo musical que definiu aquela época. O crítico Sam Kemp escreveu para a britânica Far Out Magazine: “essa confusão se dá em parte porque os músicos eram contratados numa base muito informal e — tragicamente — muitas vezes não foram creditados pelo seu trabalho”.

O “núcleo duro” do grupo era formado pelo citado baterista Hal Blaine, a baixista e guitarrista Carol Kaye (que era uma das únicas instrumentistas femininas trabalhando na época) e o guitarrista Tommy Tedesco, uma espécie de band leader natural. A Wrecking Crew também teve participação de uma série de nomes que tiveram carreiras exitosas, como Leon Russell e o vocalista Glen Campbell, do sucesso Witchita Lineman — ele se tornou uma figura central na banda durante seu tempo trabalhando com Tommy Tedesco.

The Wrecking Crew nasceu da necessidade dos produtores de Los Angeles terem um grupo de músicos confiáveis, que pudessem contratar para contribuir com uma variedade de canções, trilhas sonoras de filmes, jingles publicitários e músicas para televisão. O coletivo era composto por instrumentistas incrivelmente talentosos tecnicamente, todos eles leitores de partitura ou com capacidade de tirar músicas de ouvido ao primeiro toque.

A equipe funcionava da mesma maneira que uma orquestra, com os membros obrigados a chegar ao estúdio, pegar a partitura e gravar sua parte de uma só vez. Foi um trabalho incrivelmente difícil, como lembrou Bill Pittman, um dos guitarristas do The Wrecking Crew, também para a Far Out: “você sai de casa às sete da manhã e está na Universal das nove ao meio-dia; agora você está na Capitol Records à uma, você só tem tempo para chegar lá, então você tem um jingle às quatro, daí temos um encontro com alguém às oito, então os Beach Boys à meia-noite, e você faz isso cinco dias por semana… caramba, cara, você fica exausto!”.

Embora tenham feito carreira gravando seções instrumentais para nomes como The Monkees e Harry Nilsson, muitos dos membros do grupo eram músicos expoentes do west coast jazz e além. O trompetista Chuck Findlay, por exemplo, tocou com Stanley Turrentine, Freddie Hubbard e Lalo Schifrin, enquanto um dos bateristas do grupo, Frank De Vito, trabalhou com Charlie Parker. Depois houve o saxofonista Gene Cipriano, que — além de tocar em centenas de discos pop — também contribuiu para gravações de Miles Davis e Ella Fitzgerald.

Mas talvez o músico de jazz mais famoso do The Wrecking Crew tenha sido o guitarrista Barney Kessel, cujo toque meticuloso pode ser ouvido em gravações de Julie London e Elvis Presley. Mas a influência de Kessel na música rock vai além de Elvis. Ele foi a primeira pessoa a apresentar o violão de 12 cordas ao rock e pop, instrumento que usou na gravação de Then He Kissed Me do The Crystals. As 12 cordas definiram o som estridente do pop da costa oeste e ainda é talvez um dos sons mais evocativos da década de 1960. Kessel também tocou bandolim em Wouldn’t It Be Nice dos Beach Boys.

Infelizmente, os músicos de estúdio estavam trabalhando numa época em que as grandes gravadoras queriam que os fãs acreditassem que seus artistas tocavam seus próprios instrumentos, caso dos Monkees, uma falcatrua da indústria, que no entanto proveu pérolas do pop, sem favor algum.

A busca para manter essa ilusão significou que o profundo impacto da Wrecking Crew na história da música popular foi quase esquecido. Carol Kaye, talvez a mais cultuada instrumentista da história do coletivo, definiu certa vez: “todos nós conhecíamos o jogo”.

É claro que décadas depois a coisa toda não passou batida. Desde o lançamento do documentário The Wrecking Crew, de 2008, dirigido pelo filho de Tommy Tedesco, Denny, as pessoas estão começando a dar a este surpreendente grupo de músicos o reconhecimento que merecem.

O filme vale a pena. Você certamente já ouviu algumas daquelas canções, e nunca imaginou que fossem parte de uma história tão peculiar, como são todas as histórias ocultas da indústria musical.

É um documentário que detalha as gravações prolíficas de um grupo seminal de músicos de estúdio, trabalhadores responsáveis pelos sons ouvidos na época em que o rock explodia em performances espetaculares, comercializadas ao público.

O Wrecking Crew faz parte de sua vida. E você nem “tchuns”.

Ouça. Leia. Assista:

The Wrecking Crew Hits – Youtube

The Wrecking Crew, dir. por Denny Tedesco – 2008 – sem legendas

The Wrecking Crew: The Inside Story of Rock and Roll’s Best-Kept Secret – livro

Imagens: reprodução