Tem coisa mais inútil que artista?


Tem coisa mais inútil que artista?
Digo inútil no sentido capitalista do termo. Artista não produz bens e serviços vendáveis e de utilidade prática estabelecida, como parafusos ou encanadores que desentopem o meu ralo. A arte é um inutensílio.
Por isso fazer arte é em essência anti-capitalista. É a retomada dos meios de produção — artísticos ao menos.
Artistas são o pesadelo de neoliberais e ultraliberais de visão fundamentalista-mercantil. Oferta e demanda deixam de ser apenas um sistema de troca de mercadorias para se tornarem sistemas simbólicos estruturantes de valores pessoais. Qualquer gesto humano passa a ser engolido pelas materializações das leis de mercado. O vocabulário de um discurso saído de um livro de economia toma a dianteira da ética: lucro, retorno, investimento, agora são palavras para definir a vida.
Com esses valores em pauta, qual seria o lucro imediato de um artista? Nenhum. Isso também vale para cientistas. Afinal, quais são os dividendos de uma pesquisa da qual ainda não se sabe os resultados? Nenhum — até que ela resulte em um produto vendável.
Entretanto, descolados da contaminação simbólica neoliberal-produtivista podemos encontrar na arte sentidos individuais, construir pontes sociais, fornecer saídas para potenciais latentes, meios de investigação de si mesmo, ampliar a inteligencia, bem como, questionar estruturas recalcitrantes.
A arte não precisa fazer sentido, ela precisa fazer sentidos reverberantes com o mundo, materializar sentimentos e inquietações sociais. É para dar meios para conectar com o diferente, fazer ver o invisível; para ser experiência própria, com o corpo, a criatividade, o humor; para emprestar tijolos para a construção da psique, compondo ideias com poesias, sons, imagens; para dar sentido concreto aos sentidos abstratos da justiça e da ética.
Então pouco importa se vende ou não vende. Se tem público ou não. Essas são questões para quem está preocupado com números, não com arte.
Ainda assim, para aqueles que se preocupam com isso, saibam que no Brasil ferramentas de fomento à produção artística produzem renda e riqueza. A Lei Rouanet já injetou 50 bilhões na economia desde sua criação e para cada R$ 1 investido nesse dispositivo, o retorno para a sociedade é de R$ 1,59. Além disso, o setor cultural emprega 7,4 milhões de pessoas no país, equivalendo a 7% do total dos trabalhadores da economia brasileira.
Repare, que estamos falando de um setor subutilizado, que está longe de ser considerado desenvolvido — vide a indústria cinematográfica brasileira.
Que me perdoem os parafusos e os encanadores, mas a arte é lucrativa e ainda cuida da alma, faz lembrar que a vida é mais do que lucro e que fazer arte é mais importante do que o mercado de arte.
Tem coisa mais útil que a arte?