Passagem de Pelé pelo Exército foi marcante como tudo que fez o rei do futebol
Uma das figuras que mais tento realizar em minha imaginação já não tão fértil é a do técnico de futebol do quartel no dia que aquela criatura adentrou seus portões, em Santos. Falcão — o treinador “Durão” — deve ter visto a luz.
Em 1956, Pelé chegou ao Santos como jovem e selvagem promessa vinda de Bauru, no interior de São Paulo. Waldemar de Brito, experiente olheiro do futebol paulista foi quem trouxe o garoto a serviço do alvinegro praiano. Afirmou de pronto ao clube: “esse menino vai ser o melhor jogador de futebol do mundo!”.
Passado um mês de sua chegada à Baixada Santista, o craque fez sua primeira partida na equipe profissional. O jogo foi contra o Corinthians de Santo André, e o Santos venceu por 7 a 1. Pelé entrou no segundo tempo e marcou o sexto gol.
Pelé começou a ser reconhecido nacionalmente ainda com 16 anos de idade. Em 1957, o garoto já era titular do Santos e foi artilheiro do Campeonato Paulista — o mais jovem até hoje — marcando 36 gols. E o resto é história. O Rei do Futebol atuou durante quase toda sua carreira no Santos, desde aquele dia em 1956 até 1974.
Ao longo desses 18 anos, ele levou o clube a conquistar dez títulos estaduais e seis campeonatos nacionais (Taça Brasil e Torneio Robertão), além de duas Copas Libertadores e dois Mundiais de Clubes, em 1962 e 1963. De quebra ainda ganhou três Copas do Mundo com a Seleção e se tornou o maior jogador de futebol de todos os tempos. Simples assim.
Mesmo já consagrado como o mais jovem campeão do mundo da História, em 1958 — depois de belíssima tarde de futebol em Estocolmo, feito que permanece até hoje — Pelé não escapou de uma situação inusitada, mas comum a muitos brasileiros, especialmente daqueles tempos.
Em 1959, menos de um ano após ajudar o Brasil a conquistar seu primeiro título mundial, na Suécia, o atacante do Santos e da Seleção Brasileira teve de passar um tempo distante da Vila Belmiro. Aos 18 anos, Pelé fez uma pausa na carreira para servir ao Exército. Eram raras as dispensas do serviço militar obrigatório e não havia excesso de contingente naquela época.
O soldado Nascimento (número 201) engrossou as fileiras do Exército Brasileiro em 20 de janeiro daquele ano, no 6º Grupo de Artilharia de Costa Motorizado (6º GACosM), localizado em Santos, hoje 2º Grupo de Artilharia Antiaérea (2º GAAAe) e atualmente situado em Praia Grande (SP).
Durante sua passagem trajando a farda verde-oliva, conquistou o campeonato Sul-americano de Futebol das Forças Armadas, marcando o gol decisivo no jogo final contra a Seleção Militar da Argentina (Brasil 2 x 1). Enquanto atuou pela equipe do Exército, o Rei marcou 14 gols em dez partidas. O saldo de gols ao longo de sua carreira foi de 1.283.
Em entrevista à revista Verde-Oliva em 2006, Pelé rememorou a caserna: “me orgulho muito, porque serviu de base para minha formação e meu caráter. Acho que todos os jovens deveriam passar pelo Exército”. Contou ainda à revista que aprendeu a costurar, cozinhar, lavar e passar roupas durante o serviço militar. “Eu tirava serviço de sentinela no portão do quartel, e todo mundo que passava queria cumprimentar o Pelé, campeão do mundo, e pedir autógrafos. Eu morria de vergonha e levava bronca do sargento”.
Pelé dividiu seu tempo entre o futebol e o serviço militar. Foi naturalmente o camisa 10 da equipe, e chegou a enfrentar a Seleção Brasileira Olímpica, que se preparava para as Olimpíadas de Roma, em 1960. A partida em que Pelé atuou aconteceu no Estádio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, e a equipe do Exército venceu por 2 a 1, mas Pelé não marcou gol nesse dia.
Pelé chegou a ser poupado de treinamentos físicos para evitar contusões por sobrecarga física enquanto estava servindo. Os treinos com bola no quartel eram dirigidos pelo citado tenente Falcão. E a fama de durão não era falsa: “quando o time treinava mal, éramos detidos no quartel. Naquele dia ninguém tinha folga”, afirmou Pelé no livro Eu sou Pelé (ed. Francisco Alves, 1961). Em dez oportunidades, Pelé entrou em campo menos de 24 horas depois de outro jogo.
O atleta fazia de tudo para conseguir cumprir todos os seus compromissos no período em que serviu. O ano de 1959 foi o mais atribulado na sua vida no futebol. Foi o ano em que mais partidas disputou em toda a carreira. No total, foram 103 jogos.
A temporada de 1959 de Pelé teve início com um amistoso pela Seleção no Peru, em 4 de janeiro, e terminou na Bahia, no dia 30 de dezembro, na fase decisiva da Taça Brasil, um arremedo de Campeonato Brasileiro na época. O Bahia superou o Peixe e ergueu a primeira taça do primeiro torneio de nível nacional do país.
Preparando-se para o Sul-Americano Militar — onde depois foi constatado um erro na contagem dos seus gols — Pelé fez cinco partidas em nove dias. Participou mesmo assim, pelo Santos, da semifinal da Taça Brasil, contra o Grêmio, no dia 17 de novembro. No dia 18, marcou o “gol esquecido” contra o Paraguai, no Rio.
Jogou dia 22 no Canindé, pelo Campeonato Paulista, dia 24 novamente no Rio, pelo Sul-Americano, e, no dia seguinte, em Porto Alegre, decidindo com o Grêmio quem faria a final da Taça Brasil.
Toda essa confusão de datas e acúmulo de compromissos deveu-se ao técnico da seleção militar, Maurício Cardoso, que havia prometido não atrapalhar o Santos com o seu principal jogador jogando também com os militares. Mas todos queriam o Rei, e chegou a acontecer de uma vez, enquanto Pelé jogava contra o Paraguai pelo Sul-americano, o Santos na mesma hora enfrentava a Ponte Preta na Vila Belmiro. O Santos goleou por 12 a 1. Sem Pelé.
A exemplo do “rei do rock” Elvis Presley nos EUA, o rei do futebol também teve passagem militar. Enquanto o astro norte-americano nunca mais retomou a plena forma, Pelé ajudou a fazer os anos 1960, da contracultura, como indissociáveis da sua pessoa. Brilhou como os Beatles e os Rolling Stones.
Ordinário, marche! E o menos ordinário dos seres sobre a Terra apenas foi em frente.
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