Intelectual carioca deixou importante legado nos campos da ciência, cultura e educação. Contribuiu para a antropologia e fundou a primeira emissora brasileira
Edgard Roquette-Pinto nasceu no Rio de Janeiro em 1884. Formou-se na Faculdade de Medicina do estado em 1905, mas acabou interessado em arqueologia e história, indo então pesquisar sambaquis no sul do país. Regressou ao Rio e tornou-se professor-assistente de antropologia, no antigo Museu Nacional (hoje parte da UFRJ, bem como a FM – Faculdade de Medicina).
O espírito aventureiro e pesquisador de Roquette-Pinto torna sua história muito mais incrível do que parece. Naquela década de 10 do século 20 ele sai em expedição (1912) rumo ao Mato Grosso, integrando a equipe comandada por Cândido Rondon, um militar que buscava descoberta do Brasil em seu interior mais profundo.
Passou algumas semanas junto à tribo dos nambiquaras, até então sem qualquer contato com a civilização. Escreveu daí seu Rondônia – Antropologia Etnográfica (1916), um clássico no meio acadêmico.
Foi um entusiasta da miscigenação. Na contramão do que defendiam setores da elite intelectual, inclusive alguns de seus pares na ciência. Roquette-Pinto já apontava que o problema do Brasil não era racial, e sim causado especialmente pela falta de educação. O Brasil era um caso social e político, portanto.
Na comemoração do primeiro centenário da Independência, em 1922, aconteceu a famosa Feira Internacional de Ciências no Rio de Janeiro. Evento que recebeu entre outros a visita de empresários norte-americanos que vieram expor (e comercializar) a tecnologia de radiodifusão.
Roquette-Pinto ficou impressionado com a demonstração que os norte-americanos realizaram na feira, transmitindo o discurso do então presidente Epitácio Pessoa, com direito à instalação de uma antena no morro do Corcovado, onde hoje se encontra a estátua do Cristo Redentor. Roquette-Pinto enxergou ali uma ferramenta para a expansão da educação pelo território brasileiro.
A tecnologia que hoje conhecemos como rádio passou a ser uma obsessão do cientista e professor. Ele tanto insistiu que convenceu a Academia Brasileira de Ciências a comprar os equipamentos.
No mesmo ano de 1922, fundou a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Durante o tempo que a emissora esteve no ar pelas mãos de seu criador, veiculou especialmente música de concerto, educação literária, com ênfase para a poesia, e ciência. A rádio foi responsável pelos alicerces do conceito de rádio educativa como veio a se estabelecer no país.
Durante o governo de Getúlio Vargas, o rádio tornou-se mais que um veículo cultural, mas também uma arma política. Surge a Rádio Nacional. O samba torna-se o ritmo mais popular da nação, de norte a sul. Começam as transmissões esportivas e a febre pelo futebol. Roquette-Pinto então doou a Rádio Sociedade ao Ministério da Educação, transformando-a na Rádio MEC, que corre o risco de ser desativada em mais um ato criminoso de genocídio cultural cometido pelo governo Bolsonaro.
Dizem que foi uma maneira que encontrou de burlar a censura já vigente mesmo antes da implantação do Estado Novo (1937), e manter no ar a programação educativa da Sociedade. É que o ministério tinha a intenção de vinculá-la ao Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, que depois viria a ser o famigerado DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), órgão de repressão do governo. Conversas de Roquette com o ministro Gustavo Capanema evitaram o pior, e a emissora seguiu na Educação e Cultura.
Ao mesmo tempo, dirigiu o Museu Nacional entre 1915 e 1936, incentivando fortemente a realização de uma coleção de filmes científicos, fundando no período a Revista Nacional de Educação e o Instituto Nacional do Cinema Educativo.
Roquette-Pinto foi membro ainda do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia Brasileira de Ciências, da Sociedade de Geografia, da Academia Nacional de Medicina, e ocupou a cadeira número 17 da Academia Brasileira de Letras. Seu patrono foi Osório Duque-Estrada, aquele mesmo autor da letra do Hino Nacional.
Em tributo científico, algumas espécies de plantas e animais receberam o nome de Roquette-Pinto, entre elas: Endodermophyton Roquettei (parasita de pele); Alsophila Roquettei (uma planta); Roquettea Singularis (aranha); e Phylloscartes Roquettei (pássaro conhecido como cara-dourada).
A Rádio Roquette-Pinto foi uma segunda emissora fundada pelo seu homônimo, em 1933, como Rádio Escola do Distrito Federal. Esteve no ar durante décadas, com administração do Governo do Rio de Janeiro (desse 1946), até 2003 no AM 630mhz e desde 1974 também na FM 94,1. Passou por diversas mudanças conforme as administrações, mas sobrevive sob o nome apenas de 94 FM, atualmente.
Edgard Roquette-Pinto é absolutamente lembrado pela “criação” do rádio no Brasil. Sem dúvida, em um país com tradição musical tão elevada e rica, não poderia ser diferente. Tentou ainda a criação da primeira tevê educativa, já em 1952. Chegou perto, mas fracassou na aquisição dos equipamentos, devido à já conhecida burocracia federal.
Roquette-Pinto viveu, entretanto, para ver a era de ouro do rádio do começo ao fim, até falecer em 1954, aos 70 anos de idade.
Em 2022 completam-se 100 anos de sua empreitada pelas ondas curtas.
….
Ouça. Leia. Assista:
Edgard Roquette-Pinto – Documentário – TV Escola
História da Comunicação – Rádio e Tevê no Brasil
…
Imagens: reprodução