Querendo Emagrecer? Você Precisa Ler Isso!


Foto: Joelma Estrada Swarowski

Vamos inaugurar hoje essa coluna, escrita por uma mulher gorda, de meia idade, mãe tardia, esposa imperfeita, profissional multifunção, ativista, política que advoga escreve, palestra e comunica com o objetivo de humanizar o direito usando o cotidiano, a arte e a cultura, para no fim de tudo, encontrar humanidade no ser humano. Espero que a gente possa se divertir e refletir muito por aqui! Bem vindo, bem vinda e boa leitura!

Quer ver qualquer coisa viralizar loucamente na sua rede social, escreva: #emagrecimento, #emagreça, #novoemagrecedor e por aí vai.

Existe um episódio do meu seriado médico favorito, Grey´s Anatomy e um filme chamado  Quatro Amigas e um Casamento que todo mundo precisa assistir. Um drama e uma comédia. Ambos tratam de questões que me afetaram e que ainda me afetam. Não que homens, crianças e toda a diversidade do mundo não reserve sua parcela de preconceito com pessoas gordas, mas vou falar especificamente de mulheres e de todas as idades.

Para que me faça entender (e juro que o spoiler nem dói) em uma das obras de ficção, uma menina chegava a um atendimento médico com sintomas inexplicáveis e ao observar o comportamento da adolescente e da mãe, os médicos descobrem que se submeteu a uma cirurgia de redução de estômago clandestina a fim de atingir as expectativas da mãe, que aliás, era representada por uma mulher lindíssima e completamente enquadrada nos padrões estéticos estabelecidos. No fim, após passar bem pertinho da morte, a menina ainda percebe que jamais seria possível ter o corpo que a mãe queria que ela tivesse. E em nenhum aspecto da sua vida ela jamais seria suficiente. Não teve final feliz. Nenhuma aceitação possível.

Já no filme, são quatro amigas, três mulheres lindas dentro dos padrões estéticos estabelecidos, representadas pela Kirsten Dunst, Lizzy Caplan e Isla Fisher e a quarta, gorda e nenhum pouco preocupada com isso, representada pela também linda, Rebel Wilson. A trama começa com a notícia para as outras de que a gorda será a primeira das amigas a se casar e para a perplexidade e tristeza das demais, com um sujeito rico, lindo e completamente apaixonado por aquela mulher. Quando digo um homem lindo, não falo do peso, porque se um um homem é bonito,  nem se percebe que ele é gordo.

O mundo das amigas desaba e elas criam uma confusão quando bêbadas e drogadas, cometem um ato de crueldade disfarçado de brincadeira, se enfiando no vestido de noiva e o rasgando de modo que seria impossível usá-lo na manhã do casamento. O que mais me chocou foi quando a “melhor amiga” ao procurar um vestido substituto afirma que preferiria lamber a calçada a ver a “cara de porco” se casando com o vestido de seus sonhos. E lambe. Apesar de toda a gordofobia existente no filme ele é bem divertido e corresponde muito à realidade do incômodo que causa em geral, uma mulher gorda ser amada, feliz e estar bem resolvida com seu corpo. Aqui teve um final bem feliz.

Reza a lenda que eu nasci gorda e conforme fui crescendo este padrão se confirmou e passou para muito gorda. Aos nove anos eu usava as roupas da minha irmã, sete anos mais velha. Eu era a mais gorda da minha turma da escola e olhe, eu troquei de escola mais de dez vezes. Entre as minhas amigas, minhas primas e entre todas as meninas que conviviam comigo e sim, era motivo frequente de chacota. Isso que costumam chamar de bullying atualmente.

Na minha infância eu escutava todo tipo de troça. Uma professora me chamou de mamute e não escapava nem das piadas desagradáveis dos meus irmãos. Era frequentemente representada por cofrinho em formato de um porco, brinde do finado Banestado com um chumaço de palha de aço simulando um cabelinho. Uma gorda de cabelo crespo… Adianto que irmãos sempre serão perdoados, eu também os atormentava. Tenho que ser justa, só eles podiam me atormentar, viesse um doido de fora tentar que enfrentava a horda revolta.

A adolescência foi mais complicada. Eu sempre fui meio exibida. Eu era resistente. Mesmo com todo o deboche e o desprezo pelo excesso de peso, eu gostava de esportes, de dançar, de cantar, de declamar poesias e nem que fosse para receber vaias ou ouvir xingamentos, eu estava em qualquer quermesse com um microfone na mão.  No final, acabava recebendo prêmios e elogios pelas minhas apresentações.

Meu pai era constantemente transferido de cidade, então, quando eu estava construindo amizades depois de superado o preconceito pela minha gordura e me enquadrando, vinha uma transferência e era necessário começar tudo de novo. O bom disso é que quando eu não encontrava uma forma de me enquadrar, sabia que seria por pouco tempo e logo teria outra oportunidade.

Uma frase que minha mãe me dizia sempre era “não é o que você quer, é o que te serve”. Essa frase ainda povoa meu pensamento quando entro em uma loja de roupas para comprar alguma peça. Cada vez menos, porque de alguns anos para cá o mercado descobriu que o dinheiro da pessoa gorda vale a mesma coisa que o dinheiro da pessoa padrão.

Foram tantas situações que, eu, realmente não consigo me lembrar de todas, mas uma delas foi terrível. Fui convidada para encenar uma peça de teatro junto com meu melhor amigo daquela cidade. Era uma comédia que parodiava Romeu e Julieta e nós éramos extremos opostos: eu, baixa e gorda, ele altíssimo e bem magro. Fomos muito engraçados e aplaudidos de pé por uma plateia de umas 150 pessoas.

Obviamente meus pais estavam presentes e quando fui abraçá-los a fim de colher os louros do orgulho que eu achava que estariam sentindo, reparei que minha mãe chorava com lágrimas de dor. Quem não conhece sua própria mãe? Aquele definitivamente não era um choro de alegria, menos ainda de orgulho. Um dia, cheguei sorrateira e ela desabafava com a minha madrinha ao telefone. As lágrimas desceram pelo escárnio vil de um grupo de adolescentes na plateia que falava do meu corpo gordo.

Não ligava, como não ligo muito para essas coisas. Sempre fui bem resolvida. O que não significa que não doa, incomode ou me faça sentir vontade de partir para as vias de fato, daí que outra frase da minha mãe, vem com a voz dela na minha mente: “os cães ladram e a caravana passa” e eu me sentia uma enorme caravana, espaçosa como a carruagem de abóbora da Cinderela. Sempre estudei muito e desenvolvi uma fórmula para me articular bem, então, não me intimidava por esse tipo de coisa nem de pessoa.

Confesso que me faltava uma consciência de mim mesma. Sempre que recebia um flerte (gente, tenho quase 50 anos), não acreditava que fosse para mim. Era a amigona, nunca acreditei que fosse alguém capaz de despertar paixões. Isso era para os corpos trinta e oito. Eu só fazia o meu quarenta e oito, que depois virou 64 dançar, cantar, brincar. Eu nem ousava achar que pudesse despertar algum desejo em alguém, já tinha sofrimento suficiente, rejeição suficiente. Preferia evitar riscos desnecessários. Na vida adulta eu fui escondendo cada vez mais a mulher atrás das minhas camadas adiposas.

Por absoluta pressão de uma medicina gordofóbica, desespero e falta de informação, me submeti a uma gastroplastia (cirurgia bariátrica), porque afinal das contas, uma pessoa gorda pode morrer a qualquer momento (e quem não pode?). Emagreci muito, tanto que não conseguia me achar naquele corpo. Sofri transtorno de autoimagem, cogitei tirar minha própria vida e tive que me tratar. Meu emagrecimento era algo que enchia os olhos dos outros, mas estava esvaziando a minha alma, pois com aquele corpo, como eu poderia me reencontrar e ser eu mesma? Eu Dani? Onde eu estava? Olhava no espelho e aquela pessoa não era eu.

Não nego que foi muito bom poder entrar em uma loja e encontrar roupas compatíveis com a minha idade, passar numa consulta médica e ter outro diagnóstico para todo e qualquer problema que não fosse meu peso, passar nas catracas dos ônibus. Eu não tinha nenhum problema de saúde grave antes da cirurgia além de umas dores no joelho e um quadro de hipertensão que se manteve depois da cirurgia porque meu gatilho era o stress por conciliar uma rotina de bancária e estudante de Direito.

A cirurgia destruiu minha vesícula, fiquei com problemas nos rins, anemia crônica e profunda, meus dentes amoleceram, meus cabelos caíram e entrei num quadro depressivo por não sentir identidade com meu corpo, desmaiava o tempo todo, não conseguia mais cozinhar, já que simplesmente não conseguia mais comer.

Mesmo emagrecendo, na faculdade havia uma menina que me chamava de “ex-gorda”. Descobri de um jeito bem triste que antes de emagrecer, algumas das minhas amigas achavam que era queimar o filme me convidar para dançar. Eu só era boa companhia se o passeio envolvesse comida, porque conhecia restaurantes legais. Para ir ao cinema porque sabia escolher bons filmes e para ir a karaokês porque cantava legal e fazia uma engraçadíssima performance de Sidney Magal cantando Sandra Rosa Madalena. Resultado: muita gente deixei de lado e hoje não quero amizade nem por rede social.

Certa feita, eu estava repondo aula aos sábados e o Toni foi me buscar na faculdade. Eu estava no banheiro quando uma colega, muito bonita, de um metro e oitenta e que usou meu material de estudo até o fim da faculdade, expressava sua indignação para outra: “como pode um homem lindo daqueles ficar noivo daquela gorda baixinha?! Não sei o que esses homens têm na cabeça!”.

Voltando à gastroplastia, com seis meses de cirurgia eu despiroquei. Um dia acordei com meu irmão mais velho fazendo um bico e franzindo toda a cara em cima de mim, ensaiava um choro. Eu estava tão abatida, pálida e seca que ele pensou que eu estivesse morta. Parecia mesmo. Mulheres de pele parda quando pálidas ficam esverdeadas…é horrível. Dias depois desmaiei dentro da biblioteca da faculdade, bati a boca no balcão, por causa da anemia minha gengiva não parava de sangrar e naquele momento eu concluí que não estava nenhum pouco saudável.

Não era mais feliz e nem segura como costumava ser com minhas camadas de gordura. Falei para meu médico que eu não queria ficar daquele jeito, que aquela pessoa não era eu. Mesmo contrariado, ele respeitou minha decisão e abriu parte da banda que diminuía a entrada do meu estômago para que eu pudesse voltar a comer e: ENGORDAR. SIM, SENHORAS E SENHORES. VIVER E SER COMO EU SEMPRE GOSTEI DE MIM.

Foram alguns meses de recuperação e foi exatamente nessa época que eu e o Toni nos conhecemos. E mesmo com todas as tardes no hospital, pelancas, olheiras e minha “carequinha” ele se interessou, gostou de mim, me amou e deste então tem me amado todos os dias. Com o tempo, voltei ao meu estado de graça. Aos olhos de muitos, uma obesa mórbida, uma panela de pressão prestes a explodir, um jequitibá pronto para tombar e abrir uma clareira na floresta, mas, eu recebi minha vida de volta.

É importante dizer que vivo um relacionamento por vinte e dois anos. O Toni gosta de mim do jeito que eu sou. Não vou fazer a modesta, ele gosta e eu sei que gosta, porque é assim que o meu maior atrativo fica em evidência: minha autenticidade. Tenho tantas outras qualidades e o meu corpo é o lugar que todo esse conjunto de coisas habita e por serem muitas, ele precisa ser ser grande.

E é na hora que uma mulher que não é atraente sob o ponto de vista das outras ou da sociedade, sai de sua casa, acompanhada de um cara bonito e que a trata muito bem, orgulhoso de ter aquela mulher em seus braços, com uma filha linda e um sorriso de orelha a orelha é que a maldade das pessoas salta aos olhos. Não são raros os olhares jocosos, os comentários maldosos e as intrigas, iguais às do filme do vestido de noiva.

Eu lido bem com isso, sempre lidei. Há tempos tudo isso não me assombrava, até o dia em que descobri que teria uma filha. A gordofobia passa por mim todo dia e vai passar por ela em algum momento, mesmo ela sendo uma menina sem problemas com o peso do seu corpo, a pressão estética atinge a todas nós. Vejo mais e mais mulheres de todas as idades, mas principalmente adolescentes, cada vez mais cedo, fazendo loucuras para alcançar padrões inatingíveis impostos pelo mundo paralelo da mídia e das redes sociais, buscando corpos que não existem.

Penso em tudo o que passei e passo por bancar ser quem eu sou e por me assumir dessa forma, no meu sofrimento pelos apelidos, pelo preconceito velado ou escancarado, pelos olhares maldosos das pessoas quando danço e sacudo as minhas “banhas” e fico apavorada. O mundo em que ela está crescendo e vai viver essa fase maluca que é a adolescência é muito pior do que o mundo no qual eu cresci. Tudo nessa realidade é extremamente exposto, cruel e danoso.

Entro em pânico quando começo a reavaliar tudo isso. Penso naquela mãe cuja filha se submeteu à cirurgia clandestina para alcançar às suas expectativas estratosféricas. Quantas passam suas vidas incutindo padrões tóxicos nas filhas sobre seus corpos e nem percebem? Ainda bem que nesses onze anos, minha menina não repetiu as minhas experiências. Nunca foi abandonada pelo par na quadrilha da escola, nunca chorou dentro do provador porque a roupa que ela gostou não tem do seu tamanho. Minha mãe chorou comigo, todas as vezes, na minha frente ou escondido para que eu não me sentisse pior.

Ainda bem que até esse momento em que reescrevo essa narrativa ao longo dos anos, eu me esforcei para que os meus traumas não se transmitissem para ela. Desde que ela existe, ainda que do tamanho de uma semente de gergelim na minha barriga, decidi que ela conheceria uma mulher que se respeita, admira e que é generosa consigo mesma. Ela cresce vendo uma mulher que mesmo sendo gorda, se veste com capricho, se perfuma, se ajeita e que cuida da sua saúde física e mental. Que mesmo tendo dias ruins como todas as mulheres, decide todo dia que é um ser amável (no sentido de destinatária de amor). Que por ser gorda não se sente menos mulher, nem feia e nem insatisfeita, por que nenhuma dessas três coisas é verdade.

Infelizmente, como eu disse no início, vivemos num mundo em que ser uma pessoa gorda para alguns é quase como ser um monstro repulsivo, tanto que muitas pessoas preferem se mutilar, se embotar de remédios para emagrecer, vomitar tudo o que comem ou se negar a comer para evitar esse mal terrível. E não, não é pela saúde, mas isso é uma conversa para outro dia. Eu fiz a gastroplastia sob o único discurso de que minha saúde e vida dependiam disso. Não era verdade.

Um fato sobre mim é que ser gorda faz parte da minha identidade como pessoa e como mulher. Meu rosto é mais bonito, minha pele mais macia, meus cabelos mais fortes, meus sorriso mais cintilante e meu ânimo muito melhor quando eu sou eu. Pode causar dúvidas, mas sim, sou feliz exatamente assim.  Se as roupas apertarem, nada que uma boa compra não possa resolver, afinal, hoje a diversidade de corpos é cada vez mais aceita e reconhecida, até nas lojas de departamentos mais populares, afinal, temos no Brasil sessenta por cento das pessoas obesas ou em sobrepeso, portanto, somos um belo nicho de mercado.

Tenho a maior gratidão por esse corpo e não pretendo nunca mais torturá-lo. ELE É MARAVILHOSO! Me dá tantos prazeres… Gerou uma VIDA, carrega minha alma, sente o vento, me leva por onde eu preciso ir e garante que eu não passe despercebida nos lugares onde desejo aparecer. Eu o amo, com todas as suas imperfeições. O maior problema é que algumas pessoas não entendem que meu corpo pode ser amado, por mim e pelo outro e que o outro amá-lo não é nenhuma espécie de favor.

Foto: Joelma Estrada Swarowski