Pop art. Arte de bilhões


Irreverência e ironia com relação ao consumo, movimento nascido nos anos 1950 do século 20 cristaliza e consagra aquilo que veio a se chamar “arte conceitual”. Inspirado na cultura de massas, rende muito dinheiro aos marchands mundo afora

Nesta segunda-feira, dia 9 de maio de 2022, foi leiloada em Nova York por US$195 milhões – mais de R$1 bilhão – o quadro Marilyn, de Andy Warhol, de  1962. A peça alcançou a marca de mais cara do século 20. Conforme informações do jornal The New York Times, o comprador não teve a identidade revelada.

Considerada um dos principais ícones da arte das últimas décadas, a obra de Andy Warhol integra uma série de retratos chamada Shot Marilyn, no qual reproduz o rosto da atriz Marilyn Monroe. A técnica utilizada na obra foi a serigrafia, que já havia sido empregada em vários trabalhos seus com publicidade. Ao descobrir que o método também era adequado para a arte, Warhol conseguiu, segundo ele mesmo, “a mesma imagem um pouco diferente de cada vez”. Uma foto em preto e branco utilizada na divulgação do filme Torrente de Paixão (1953) foi a base para todas as reproduções (gravuras e pinturas) do artista com o rosto da diva do cinema, morta naquele mesmo ano em que a série fora produzida.

Tudo isso estava acontecendo porque, na década de 1950, surgiu um movimento formado por artistas norte-americanos e britânicos, denominado Pop Art. Este termo foi proferido pela primeira vez em 1954, pelo crítico e artista inglês Lawrence Alloway.

Alloway estabeleceu como instituição da pop art os produtos da civilização ocidental daquela metade de século, em plena recuperação do trauma pós Segunda-Guerra. Essencialmente tais produtos eram aqueles que eram fabricados e utilizados nos lares, ruas e empresas dos Estados Unidos, e em consequência se espalhavam por todo mundo.

Há imensa inspiração da pop art no impulso efetivado pelo dadaísmo de Marcel Duchamp, no início do século 20, ainda antes deste aderir aos surrealistas. A ideia de Duchamp do ready made (algo como simplesmente “pronto”), um conceito radical — que estabelece afinal o termo “arte conceitual” —, no qual objetos produzidos em série podem ser considerados arte.

A ideia era reproduzir. Dar efeito de fabricação em série a quase tudo que fosse criado. Ou de objeto único a algo cuja imagem remeta a um objeto produzido em série. A imagem e semelhança do “deus mercado”, da publicidade daqueles tempos. Os materiais mais utilizados para as reproduções foram: tinta acrílica, látex, lápis, esferográfica e poliéster, reproduzindo artefatos do cotidiano. A diferença se dava na proporção. Os tamanhos dos objetos reproduzidos eram grandes. Essa dimensão conferia às obras o efeito de hiper-realidade.

A pop art começou a tomar forma quando alguns artistas que trabalhavam com publicidade & propaganda começaram a sacar que os símbolos e produtos do mundo publicitário podiam ser utilizados como tema em seus trabalhos e — indo além, no caso de Andy Warhol ao menos — também com os efeitos da publicidade na própria repercussão daquela arte.

Uma ironia crítica em forma de instalação ou pintura. Uma irreverência com relação à voracidade do consumo, através do retrato de seus objetos mais populares. Daí recursos tão diversos: foto, tevê, histórias em quadrinhos, mídia impressa, cinema, publicidade.

Por tudo isso, o movimento tem como símbolo máximo não o quadro de Marilyn, de Warhol, mas o pôster de Richard Hamilton, O que Exatamente Torna os Lares de Hoje Tão Diferentes, Tão Atraentes?, de 1956 uma colagem que estabelece em si diversas pautas da pop art. O quadro apresenta uma cena doméstica, feita com recortes de anúncios de revistas: um casal se exibe em um apartamento os atraentes objetos da vida moderna, como televisão, aspirador, embalagens, enlatados, etc.

Os citados Hamilton e Warhol, bem como Roy Lichtenstein, Eduardo Paolozzi, Claes Oldenburg, James Rosenquist, Tom Wesselmann, Robert Rauschensberg, e muitos outros pelo mundo, constituíam mais ou menos este movimento, entre o Reino Unido e os EUA. Algo que só se entenderia como movimento no início dos anos 1960, no duro mesmo.

A pop art perfilou ao lado da cultura criada para as massas, reproduzida pelos meios de comunicação. Personagens dos quadrinhos, estrelas do cinema, indústria automobilística, embalagens, outdoors, tudo era elemento para ideias desses artistas, que determinaram como pode ser representado tudo aquilo que é fruto da era industrial, ou do que ou quanto desfrutamos e aproveitamos dela.

Tudo isto posto, ainda parece incrível que um quadro constituído de uma réplica, a partir de serigrafia, reproduzido (e feito para tanto) industrialmente, tenha sido a obra de arte mais valiosa criada no século passado.

Um bilhão de reais. E o cara nem quis os 15 minutos de fama. Permaneceu anônimo. Arrematou a obra em 4 minutos.

Deu no NY Times.

Ouça. Leia. Assista:

Marcel Duchamp e suas antiobras de arte – Zonacurva

Diários de Andy Warhol – Netflix

Pop Art – Tilman Osterwold – livro

Imagens: reprodução