Longa pernambucano mistura drama familiar e denúncia ecológica.
Ao lançar “Amarelo Manga”, de 2002, seu primeiro longa-metragem, o diretor pernambucano Cláudio Assis começou a colecionar prêmios e admiradores. O filme, que logo se tornou cult, indicava alguns temas da predileção do cineasta e formas de os abordar. SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS).
“Piedade”, de 2019, quinto longa de ficção de Assis, chega aos cinemas, enfim. É uma evolução desse processo e, portanto, o melhor filme do diretor.
Na fictícia cidade que dá nome ao filme, Dona Carminha –papel de Fernanda Montenegro– e Omar –papel de Irandhir Santos–, um de seus filhos, tocam o bar Paraíso do Mar, que fica na praia da Saudade. Muito frequentado por turistas no passado, o lugar vive um declínio por causa das águas cada vez mais poluídas pelo avanço da empresa petrolífera Petrogreen e infestada por tubarões.
Inevitável se lembrar do terror dirigido por Steven Spielberg, em 1975, quando se fala em tubarões no cinema. Há, sim, um diálogo entre os filmes, mas é uma relação distante. No drama de Assis, o peixe que afugenta os banhistas surge como face fantasmagórica de múltiplas crises -ambiental, econômica, política, moral.
Do outro lado da cidade, longe do mar, vivem Sandro –papel de Cauã Reymond– e seu filho, Marlon –papel de Gabriel Leone–, que comandam um cinema pornô. Graças às artimanhas de Aurélio –Nachtergaele–, executivo da Petrogreen que pretende ocupar o terreno onde funciona o Paraíso do Mar, esses dois núcleos se aproximam.
Assis consegue a proeza de conciliar gritos e silêncios. No caso, a indignação dos personagens diante da voracidade da empresa, inclusive jovens ativistas, e as sutilezas de relações familiares mal resolvidas ao longo de décadas.
Interdição talvez seja a palavra-chave de “Piedade”. O mar, fétido e perigoso, está interditado, assim como a rede de afetos. O filme se constrói justamente nas tentativas de rompimento dessas barreiras físicas e emocionais.
A maturidade de Assis se expressa também no modo como filma o sexo, mérito a ser compartilhado com Marcelo Durst, diretor de fotografia. Um exemplo é o encontro dos personagens de Nachtergaele e Reymond, em que os corpos expressam êxtase, alívio e carência.
O descaso das políticas federais de incentivo ao cinema, como se viu no incêndio no galpão da Cinemateca, tende a ser um empecilho para a sequência do trabalho de diretores como Assis. A julgar pela beleza e pela força de “Piedade”, seria uma tristeza não poder acompanhar seus próximos passos.
PIEDADE
Estreia em 5 de agosto
Onde: Nos cinemas
Classificação: 18 anos
Elenco: Cauã Reymond, Fernanda Montenegro e Matheus Nachtergaele
Direção: Cláudio Assis
Foto: Divulgação
Fonte: www.acidadeon.com