Selo criado para “advertência aos pais” acabou por alavancar a venda de álbuns com conteúdo polêmico
Em 1985 o músico, cantor e produtor Prince trabalhava sua canção Darling Nikki, lançada como quinta faixa do álbum Purple Rain, no ano anterior. Não foi das mais tocadas, mas integrante de um álbum que viria a ser clássico, no embalo do filme homônimo, teve execução bastante razoável. Acontece que a música falava de masturbação feminina e o desempenho performático de Prince ao vivo — Puple Rain estava a pleno vapor, em turnê mundial — era bastante provocativo, insinuante e sensual.
É preciso lembrar que o presidente Ronald Reagan, arauto do conservadorismo republicano, acabara de ingressar em seu segundo mandato na Casa Branca. De certa forma, os conservadores e representantes da moral e dos bons costumes estavam ouriçados e com suas mangas de fora.
Em algum recanto daquela América retorcida, enquanto assistia a Purple Rain com a mãe, a filha da presidente da Parents Music Resource Center (Centro de Recursos Musicais para os Pais), a PMRC, revelou a Mary “Tipper” Gore (a mãe) o conteúdo da canção de Prince, descrevendo que descobrira “referências pornográficas e indecentes” na letra. Como se a distinta senhora não soubesse.
Em sequência, o PRMC criou uma lista com 15 canções que deveriam, segundo a instituição, ser censuradas. Darling Nikki com destaque entre elas. Naquela época, recomendava-se apenas um aviso discreto à capa dos LPs, alertando para conteúdo que contivesse palavrão ou algo do tipo considerado indecente, com as letras na contracapa. A PRMC não se deu por contente com o aviso vigente e pediu providências mais drásticas. A indústria, através da RIAA (Recording Industry Association of America) reagiu sugerindo a criação de um selo com o alerta “Parental Guidance: Explicit Lyrics”. Após dois longos meses de sessões nos tribunais de conciliação, chegou-se a um consenso pela decisão de afixar nas gravações de áudio uma etiqueta com os dizeres “Explicit Lyrics: Parental Advisory”. Nascia ali o adesivo que marcaria a indústria musical.
A primeira obra a conter o selo foi um álbum do grupo de rap 2 Live Crew, Banned in the USA, em 1990. Como todo tiro conservador sai pela culatra, o álbum foi um sucesso de vendas. Muito além do esperado, apesar de o próprio grupo admitir que inclusive nomeou o trabalho de forma “adequada” à censura. Valeu a mesma máxima utilizada para a pornografia e o uso de drogas: tudo que é proibido desperta ainda mais o desejo incontido das pessoas. Curiosidade relevante: o 2 Live Crew é de Miami, Flórida. O grupo é um expoente do gênero miami bass, o ritmo que foi copiado no Brasil e nomeado como “funk carioca”.
Assim nasceu o Parental Advisory Label Program (Programa de Identificação de Aconselhamento Parental, em tradução livre). É de conhecimento de todos que a censura nunca funciona, principalmente em nações que adotam a liberdade de expressão como cláusula pétrea de suas constituições. A instituição acabou por não definir muito bem os parâmetros e padrões para a aplicação do selo ou não. Tudo acabou no fim das contas sendo delegado às próprias gravadoras. A RIAA recomenda que material com “linguagem forte ou representação de violência, sexo ou abuso de substâncias químicas, de tal modo que seja necessário um aviso aos pais” seja afixado com a imagem Parental Advisory. Alguns anos depois, foram introduzidas também recomendações a respeito de material discriminatório, relativo a racismo, misoginia e homofobia.
O caso é que passou-se a brigar pelo uso do selo. Quem tinha a marca à frente do álbum tinha muito mais chances de vender mais. Como reportou o apresentador da MTV News Jon Wiederhorn à época: “ouvintes jovens interessados em conteúdo explícito podem encontrá-lo mais facilmente com a indicação”.
Mary “Tipper” Gore, esposa do então senador Al Gore, ganhou notoriedade desde o “caso Darling Nikki”. Uma verdadeira cruzada teve início, com a associação que presidia à frente. E o alvo principal era o rock’n roll. A PMRC dizia que o aumento das taxas de estupro e suicídio eram culpa do rock. “Há uma estreita ligação entre o conteúdo das músicas e o suicídio de jovens”, esbravejavam. Como se as políticas de corte de auxílios desemprego e saúde pública do governo Reagan não fossem também causas de distúrbios sociais. Suicide Solution, de Ozzy Osbourne e Shoot to Thrill, do AC/DC foram usadas como exemplo do “desvio juvenil por estes grupos pervertidos”. Frank Zappa, John Denver e Dee Snider formaram mesa contra a empreitada da PMRC. A PMRC contava com que o músico de folk country Denver lhe fosse favorável. Mas mesmo o cantor declarou à corte ser absolutamente contra qualquer espécie de censura.
A PMRC viu-se frustrada. Os discos de novas bandas que surgiram nos anos 1990, como Green Day e N.W.A. vendiam como água, com seus adesivos Parental Advisory estampados na capa. Uma versão britânica do selo também foi criada, levando às mesmas consequências.
Parental Advisory acabou por se transformar em camisetas e até tatuagens, além de adesivos colados em vidros de carros e geladeiras pelo mundo afora. A sociedade, naturalmente, acabou por dar um carimbo sobre toda forma de censura.
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Imagens: reprodução
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Ouça. Leia Assista:
Reportagem da Newsweek sobre o Parental Advisory
The Weird History of Parental Advisory and The Music Industry (vídeo)
Dicas Tratore: Por que marcar seu lançamento como “explícito”?