PARASITA, NESTE FILME, QUEM É PARASITA DE QUEM?

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Parasita é um filme que INCOMODA. E por isso mesmo, é mais do que merecedor de todos os prêmios que ganhou, tendo se sagrado o grande vencedor do Oscar 2020, com quatro estatuetas. Em toda a história da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, este é o primeiro filme de língua não inglesa a faturar o prêmio principal da noite, o Oscar de Melhor Filme! Conseguiu ainda a proeza de também ganhar o de Melhor Filme Internacional, além do de Melhor Diretor para Bong Joon-ho e o de Melhor Roteiro Original para Joon-ho e Jin Won Han.

Já faz cerca de três décadas que a produção sul-coreana está muitíssimo bem estabelecida no cenário cinematográfico mundial. Além do terror, com as suas mais assustadoras e mórbidas histórias, entre elas O Chamado (1998) e O Grito (2003), que rapidamente foram (bem ou mal) adaptadas por Hollywood, outros gêneros também já tiveram destaque. A Trilogia da Vingança, dirigida por Park Chan-wook, e formada por Mr. Vingança (2002), o famoso Oldboy (2003) e Lady Vingança (2005), é outro grande acerto, cujo filme do meio também ganhou remake made in USA. Invasão Zumbi (2016) foi outro expoente oriundo de lá a cair nas graças do público mundo afora, e a invasão sul-coreana na cultura pop continua a pleno vapor!

A própria carreira de Bong Joon-ho, diretor de Parasita, é diversificada o suficiente para exemplificar a criatividade e a qualidade da produção de seu país. Desde o suspense investigativo Memórias de Um Assassino (2003), passando pelo filme de monstro O Hospedeiro (2006) e o drama familiar Mother (2009), percebe-se a vastidão de gêneros na sua obra, todos tratados com muita personalidade. Não por acaso, alguns anos depois, o cineasta, assim como muitos de seus compatriotas, foi “exportado” para o Ocidente. Dirigiu, então, a interessante ficção científica pós-apocalíptica O Expresso do Amanhã (2013) com Chris Evans, e a fantasia infanto-juvenil dramática Okja (2017) para a Netflix. A despeito de transitar tão bem entre gêneros, não só de um longa para outro, mas também dentro do mesmo longa, há UM elemento que pode facilmente ser encontrado em todos os filmes do diretor, e é justamente este o ingrediente principal que faz de Parasita a sua obra-prima: a CRÍTICA SOCIAL.

A trama, sobre a qual o melhor é saber o mínimo possível, envolve uma família miserável formada por pai, mãe, filho e filha, que moram em um porão fétido e claustrofóbico. Mas uma oportunidade financeira promissora surge diante deles após o filho ser indicado por um amigo para dar aulas de inglês à filha de uma família abastada, composta também pelo seu irmão mais novo, pai e mãe. Quatro personagens de cada lado das duas classes sociais totalmente antagônicas aqui representadas. Com o acréscimo da governanta que mora na moderna, belíssima e muito bem iluminada casa da família rica, esses nove personagens vão se envolver de uma forma… que você não imagina!

E quando digo “você não imagina”, não é só força de expressão, é LITERAL! O roteiro prega peças no expectador, que acha que sabe o que vai acontecer, mas é surpreendido com momentos em que… nada acontece. A pedra, que surge no meio do longa, é um exemplo disso. Há uma cena, aparentemente gratuita, envolvendo o pesado objeto, que faz o expectador pensar que aquilo não vai terminar bem… quando, na verdade, é o filme “te enganando”. E como é prazeroso ser enganado propositalmente por um diretor que domina com perfeição as emoções que quer nos transmitir. Pois, quando chega a hora dos acontecimentos catárticos do terceiro ato, aí sim, as pedras rolam pra valer…

O clima de tensão que vai se estabelecendo aos poucos à medida que uma família vai tomando conta da casa da outra, em contraste com o preconceito velado dos patrões para com seus empregados, mencionando o “cheiro de pobre” e “convidando-os” para trabalharem em pleno Domingo, sob a justificativa de que ganharão horas extras por isso, ignorando completamente a possibilidade de que, talvez, eles não pudessem comparecer devido à algum desastre natural, formam um emaranhado de comportamentos dúbios dos quais ninguém se salva, escancarando o quão enorme é o abismo que separa essas duas realidades e, consequentemente, as atitudes, cometidas com tanta naturalidade, por ambas as partes, tornando muito mais difícil discernir quem é o parasita e quem é o hospedeiro ou, nos levando a concluir que, afinal, essa simbiose é mútua!

E só bons atores poderiam nos proporcionar essas sensações tão ambíguas quando olhamos para eles. O pai pobretão (Song Kang-ho, colaborador habitual do diretor, desde Memórias de Um Assassino), traz o tempo todo em sua fisionomia aquela insegurança angustiante, nos levando a achar que ele não vai conseguir manter a farsa por muito tempo. Em contrapartida, sua bela filha (Park So-dam), parece mudar completamente de personalidade quando está na casa dos patrões, assumindo uma postura totalmente firme e segura, sensação realçada também pelo seu figurino, que complementa magistralmente sua transformação.

Enquanto isso, o casal rico formado pela mãe (Cho Yeo-jeong) e o pai (Lee Sun-kyun) sempre se comunicam com seus subalternos com simpatia, e tentam não deixar transparecer o incomodo que sentem com suas presenças. Já a governanta, vivida por Lee Jung-eun… veja, e surpreenda-se! Todos magnânimos em seus papéis, e mereciam ter ganho ao menos algumas indicações ao maior prêmio do cinema nas categorias de interpretação. Somando à direção, roteiro e elenco, temos o design de produção (indicado ao Oscar), que consegue facilmente nos transmitir angústia e claustrofobia nos porões do longa, e paz e liberdade na espaçosa casa que parece estar acima de todos os problemas, e alheia às enchentes que acometem os bairros baixos da cidade, dos quais os abastados proprietários dos nobres imóveis nem sequer têm conhecimento.

Parasita, esta obra ímpar, traz uma discussão social intensa, que provoca a inevitável identificação do público com os personagens, independentemente da classe social do expectador.  Pois, como já foi dito acima, neste filme, ninguém é inocente, e ninguém é totalmente culpado, cada um tem seus argumentos que, em algum momento, vão se chocar com os da outra pessoa, e culminar no desastroso terceiro ato, em que um simples gesto de colocar a mão no nariz para não sentir o cheiro de alguém pode ser determinante para sua vida… ou morte. Atire a primeira pedra quem nunca viu na vida real atitudes, em maior ou menor proporção, similares às vistas neste longa. Por tudo isso, Parasita fez, merecidamente, tanto alarde, despertou a curiosidade de tanta gente ao redor do mundo e ganhou tantos prêmios. É o tipo de filme que TODOS NÓS deveríamos ver e, após seu cataclísmico final, refletirmos sobre os nossos próprios atos, e buscarmos ser, em vários aspectos, pessoas mais complacentes.