PAOLA LOCALIZADA!


Criada por IA

Sou advogada, política, casada, tenho uma filha adolescente. Esse combo requer de mim muito trabalho, responsabilidade, acordar cedo e dormir tarde. Como todo ser humano adulto eu não vivo num mar de rosas, vivo no mar turbulento dos conflitos familiares, dos boletos sobrevoando minha cabeça, das cobranças pela minha presença e um dia a corda esticou demais.

Peguei um carro de aplicativo e simplesmente decidi que queria um tempo só para mim. Deixei meu marido em casa com nossa filha, disse que tinha um compromisso de trabalho e dei um tempo para minha cabeça. Só uns diazinhos, afinal, quem é que morre de ficar alguns dias na vida sem saber se a esposa/mãe/filha/amiga/companheira de trabalho/colega de partido está viva ou morta, não é mesmo?

Desliguei meu telefone celular, peguei uma trouxinha de moletons confortáveis e fui viver meus momentos de ausência, que para minha surpresa (ou não) viraram momentos de fama, pois, inexplicavelmente, as pessoas da minha família, sobretudo o meu marido, aquele macho opressor, decidiu informar meu desaparecimento aos meus familiares e, em conjunto com eles, procurou a polícia, reportando meu desaparecimento.

Só porque eu não apareci no compromisso, não atendi mais o telefone, não falei mais com ninguém, não voltei para casa para dormir e simplesmente resolvi me trancar num canto, quem sabe tomando um pote de sorvete, quem sabe comendo um pacote de Doritos e bebendo a minha cerveja favorita (sem álcool, porque eu não bebo), maratonando minhas séries favoritas sem dar sinal de vida, houve um surto coletivo.

E daí que minha filha pequena estava desesperada chorando pela minha ausência? Ela não vai nem lembrar disso quando crescer! E daí que o meu marido e aquele compromisso moral que a gente assumiu de sermos parceiros estava sofrendo por não saber que se eu voltaria? Aliás, ele precisa entender uma coisa: o amor tudo suporta, foi São Paulo que disse isso na Bíblia. E o que é que eu tenho a ver se as pessoas resolveram se mobilizar correndo atrás de notícias minhas feito malucas? Me poupem! Eu não pedi nada disso.

Vocês entraram nesse surto coletivo porque vocês quiseram.

Quando dei por mim, a minha cara estava estampada em todas as redes sociais. Estava no noticiário, nos jornais, meus clientes faziam apelos comovidos, meu Conselho de Classe já tinha se manifestado e até a Polícia já andava atrás de mim. Ah, gente, qual é a de vocês? Como que minha família me expõe dessa maneira? Enfim, algum bocudo me viu e contou para outra pessoa bocuda onde eu estava e eu tive que dar sinal de vida. Mas logo saí de lá. No fim das contas, quando eu vi que tudo estava meio fora de controle, decidi voltar.

Todo mundo ficou com dó do coitado do meu marido, afinal, como que uma mulher dá um “perdido” desses? Como que ela dá um susto desses na menina! No início da adolescência? E os trauma? Como ela abandona tudo e sai assim, sem dar satisfação para ninguém? “Todo mundo pensando que ela poderia estar morta numa vala e ela sabe-se lá fazendo o quê, só poderia estar com um amante! Desnaturada! Depressão? Bipolaridade? Astenia? Bournout?Nada disso! Uma cachorra mesmo! Aliás, nem uma cachorra faz o que ela fez com o filhote!”

“Coitadinho do marido, precisou até mandar tomar banho, comida, cuidar da filha, passando por todo esse nervoso! Pôxa, agora vão pensar que ele era traído, porque uma mulher sumir assim, né?” Tá, eu já era a bandida, só por ele não aguenta ficar com a língua dentro da boca por uns 2, 3 dias, não mais que uma semana. Juro. Se ele não tivesse feito nada, quem sabe eu voltasse para casa e a gente pudesse tocar em frente como se nada tivesse acontecido.

Eu queria poder fazer piada, afinal, só queria descansar da minha rotina extenuante com jornada tripla, das cobranças. Queria um silêncio, tipo a Meredith Gray, num episódio da minha série favorita, que ia para um congresso, no entanto o voo foi cancelado e como a companhia aérea pagou um hotel, os filhos estavam seguros, ela simplesmente descansar, beber vinho e assistir televisão. Tem um outro filme, “Perfeita é a mãe” em que uma personagem, completamente esgotada, planejava um pequeno acidente que não fosse fatal, mas que ela ficasse hospitalizada por uns dias, proibida de receber visitas por três dias, só para poder ficar deitada, assistindo séries e filmes e nesse ínterim receber umas boletas para dormir o sono daqueles que não têm boleto para pagar.

Quem pode me julgar? Quem nunca teve vontade de fazer isso, homem ou mulher? Mas o problema é que eu sou mulher. Quando se é mulher, não se pode “comprar um cigarro” em paz. A gente precisa prestar contas. No fim a culpa sempre é da gente.

Se eu fosse um homem seria mais fácil. Eu poderia chamar a minha mulher de descontrolada, de tresloucada, de carente. Contar que brigamos e que por isso, decidi me recolher para refletir. Ela, arrependida, tentando me trazer de volta, ou com ódio, querendo macular minha reputação, decidiu fazer um “escândalo”, uma tempestade num copo d´água, chamando família, polícia, imprensa e os caramba. Custava mentir para a adolê e para a minha família? Não custava.

Mas, como eu sou mulher, tive que lidar com as consequências. Custou caro para mim. Ninguém me olha como se eu fosse uma “garotona” fazendo uma peraltice. Eu não sou só uma menina. Como uma mulher cansada pedindo socorro para tratar alguma questão pessoal. Se eu fosse homem teria até meme e as pessoas, inclusive mulheres, iriam me defender das chantagens da minha conja desregulada nas redes sociais.

Para mim, sabe-se lá se poderei ter meu relacionamento afetivo, familiar, a guarda da minha filha, meus contratantes, meus amigos e amigas e minha reputação de volta. Mas essa é a vida. Se eu fosse a mulher do cara que fizesse o que eu fiz, também teria os mesmos receios. Porque afinal, sendo mulheres, a culpa é sempre da gente. Para mim, não teve desculpa. Só causa e efeito mesmo.

*Chamei a personagem de Paola (porque sou fã da Bracho) e esse texto é uma obra de ficção, quaisquer semelhanças com fatos reais, são mera coincidência. Ou não.

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