Estádio do Botafogo foi palco de quatro fins de semana com muito rock nacional, curtição, juventude e chuva, no verão de 1975
Na primeira metade dos anos 1970, Nelson Motta ainda era um jovem jornalista que assinava pequenas notas em revistas ou jornais sobre música pop. Lá por 1974, já apresentava o Sábado Som, além de manter uma coluna, respectivamente na TV e no jornal O Globo.
O país passava longe de ser um ponto lembrado em turnês de artistas internacionais, fosse pela infraestrutura precária, fosse pela conjuntura política da ditadura, que afastava os olhos do mundo de tais empreitadas. O máximo em termos de rock gringo que havia acontecido foi um show de Alice Cooper em 1974 no Anhembi em São Paulo — causou tanta confusão que não se falava mais no assunto.
Por essas e outras, todo mundo achou loucura a ideia de Nelsinho em realizar um festival de rock, apenas com nomes nacionais. Acontece que o rock brasileiro começava a dar bons frutos e render boas vendas às gravadoras. E quando o assunto é dinheiro, gravadoras não deixavam nada de lado. Se o Brasil ainda não tinha um festival pra chamar de seu, muitos grupos como Made in Brazil, Mutantes, e acima de tudo o recente fenômeno de vendas Secos & Molhados arrebatavam multidões em suas apresentações. Faltava pensar um local que abrigasse uma dezena de artistas.
O Estádio de General Severiano, zona sul do Rio — sede do Botafogo Futebol e Regatas, no bairro homônimo —, já não abrigava os jogos do clube desde que o craque Heleno de Freitas fora internado em um hospício, atormentado em delírios alucinantes. E o Maracanã já era palco maior do futebol brasileiro. Ocupado e grande demais para as incipientes pretensões da música nacional. Seu vizinho, o ginásio Maracanãzinho, pequeno para tantas atrações.
O clube alvinegro foi solícito ao simpático tricolor Nelsinho Motta e sua proposta. A companhia de cigarros Souza Cruz bancou boa parte da parada, sob a marca de seu produto mais associado à juventude, em uma época na qual as propagandas de tabaco eram permitidas sem censura de qualquer espécie. Assim, ficou marcado para janeiro de 1975, em quatro fins de semana consecutivos, o Hollywood Rock — primeiro festival comercial de rock da história do Brasil.
Turbulências com a chuva, montagem (e desmontagem) do palco e inúmeros problemas com equipamento fizeram parte da rotina diária da produção do evento. O Hollywood Rock rolou durante quatro sábados. Dentre as atrações, estiveram Celly Campelo (na cabeça de Nelson Motta, era necessário remeter às origens mais primárias do nosso rock, daí a escalação de Celly), um afinadíssimo Erasmo Carlos, já distante da Jovem Guarda e desfilando samba-rock e psicodelismo; Raul Seixas em sua performance mais lembrada em todos os tempos; e os grupos O Peso (do hit Cabeça Feita, de Guilherme Lamounier) e Vímana — este com futuros astros do rock 80 em versão progressiva: Lulu Santos, Lobão e o inglês Ritchie — que não chegou a tocar todo o repertório devido a problemas na aparelhagem.
O grande destaque, além de Raul, foi a aparição magistral de uma nova Rita Lee, pós Mutantes, com sua Tutti-Frutti em altíssimo desempenho. Tocaram ainda a versão progressiva (e sem Rita) d’Os Mutantes, o cultuado grupo O Terço, e a banda Veludo.
Segundo a organização, o HR recebeu cerca de 10 mil pessoas a cada dia. Foi produzido um LP, além de um documentário do festival, lançado no mesmo ano com o título Ritmo Alucinante, dirigido por Marcelo França.
Quando o Hollywood Rock foi produzido novamente, em 1988, repleto de atrações internacionais e no embalo do Rock in Rio de 1985, ninguém mais lembrava da aventura de Nelsinho Motta, que ainda embarcaria em tantas outras em prol da música brasileira. Coisas que foram desde investir na carreira de Tim Maia até manter uma boate de nome Dancing Days no alto do morro Pão de Açúcar, durante a era Disco, além de descobrir Marisa Monte na Itália e trazê-la ganhar o mundo no Brasil.
A qualidade do som não é legal, mas o filme Ritmo Alucinante dá uma boa ideia de como foi o resultado dessa aventura no campo do Botafogo em 1975. Vale a pena.
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Ouça. Leia. Assista:
Ritmo Alucinante – filme 1975
Noites Tropicais – livro, de Nelson Motta
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Imagens: reprodução