No dia da Consciência Negra, país ganha o MU.ITA – Museu Virtual Itamar Assumpção. O acervo reúne toda obra e memória do ícone da vanguarda paulista
No começo dos anos 1970, o jovem Itamar Assumpção, conhecido por “Bocão” era um habilidoso ponta direita nas divisões amadoras da cidade de Arapongas, onde se criara desde os 13 anos de idade — Itamar nasceu em Tietê-SP, 1949.
O “craque” rumou a São Paulo para uma peneira nas categorias de base da Portuguesa de Desportos. Seu sonho era jogar no Santos, time do qual era torcedor. No Canindé, viu que a concorrência e a vida de jogador não lhe serviam, e retornou ao norte do Paraná, onde passou a exercer sua outra verdadeira vocação: artista.
A região vivia grande efervescência econômica e cultural. Com o café e o advento da UEL – Universidade Estadual de Londrina, na cidade vizinha, milhares de jovens se reuniram em grande diversidade de grupos pensantes. Não tardou para Itamar encontrar-se em um grupo de teatro liderado pela jovem diretora Nitis Jacon, cuja maior estrela era sua irmã Denise Assumpção. Itamar exercia múltiplas funções, sendo também um dos músicos da trupe.
Em 1973, um show intitulado Na Boca do Bode reuniu diversos músicos londrinenses em uma espécie de painel da produção local, no Teatro Universitário (depois Filadélfia). Produzido pelo escritor Domingos Pellegrini, o espetáculo reuniu nomes como Edvaldo Viecelli, Chico Grillo, Robinson Borba, Valter Guimarães e, mais notadamente, Arrigo Barnabé e o próprio Itamar. A História do Na Boca do Bode foi registrada em livro pelo escritor e pesquisador Fabio Henriques Giorgio, em 2005 (Na Boca do Bode – Entidades Musicais em Trânsito, ed. do autor, 2005).
A partir dali a coisa começou a funcionar como um movimento. Arrigo já vivia em São Paulo e Itamar foi em seguida. Em 1979, integrou como baixista a banda Sabor de Veneno, que acompanhou Arrigo no festival da Tupi, revelando sua música atonal e performática ao mundo. Ainda como baixista na Sabor de Veneno, ele gravaria o revolucionário disco Clara Crocodilo (Thanx God Records, 1980). No mesmo ano, daria à luz seu primeiro rebento: Beleléu, Leléu, Eu (Lira Paulistana, 1980), com a banda Itamar Assumpção & Isca de Polícia. Esses dois álbuns colocam a pedra fundamental naquilo que veio a se chamar Vanguarda Paulista.
Com os dois pés fincados na música negra, no funk, samba, soul e reggae, Itamar conferiu assinatura totalmente própria a sua obra. Inclassificável. Algo como se James Brown encontrasse Jorge Ben em uma tarde ouvindo Bob Marley e Ismael Silva, depois Stravisnki e Ataulfo Alves. Desde o sotaque caipira das modas de viola até os batuques dos terreiros em torno das roças nas quais cresceu, até a vertical metrópole de São Paulo onde foi viver depois. Apropriadamente, alguém se referiu a Itamar como um ser “afrofuturista”.
Itamar Assumpção gravou nove álbuns em vida, deixou mais três a serem editados postumamente, e participou de uns tantos outros. É influência viva dentro de pelo menos uma centena de artistas brasileiros em atividade. Agora, o “Nego Dito Beleleú” ganha um museu. O MU.ITA – Museu Virtual Itamar Assumpção, inicia atividades neste 20 de novembro de 2020, dia da Consciência Negra.
MU.ITA
Primeira iniciativa neste âmbito com tradução em iorubá, o MU.ITA foi concebido a partir do Chamada Música em Movimento 2018, edital da Petrobras Cultural. Neste momento totalmente virtual, o museu conta com a direção-geral de Anelis Assumpção, filha do artista.
Parceiro do Itaú Cultural (IC), o MU.ITA terá uma mostra permanente sobre Itamar e exposições de curta duração que contemplarão artistas contemporâneos.
Com um acervo de mais de 2 mil itens, o museu fará um passeio pela memória preta de um dos maiores nomes da cultura brasileira, em intervenção com outras memórias pretas da diáspora. Além das mostras, a instituição dedicará um espaço a uma de suas filhas e à interseccionalidade entre pessoas que se dedicaram a produzir trabalhos acerca das religiões de matriz africana: a Sala Serena.
Com curadoria coletiva de Anelis Assumpção, Frederico Teixeira e Ana Maria Gonçalves (autora de Um Defeito de Cor), o MU.ITA pretende ser a principal fonte de pesquisa sobre o artista.
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O museu poderá ser visitado neste link a partir do dia 20 de novembro.
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Fonte: Itaú Cultural/Texto Ateliê de Redação
Fotos: divulgação/reprodução