METÁFORA DA PORTA DA HEBRAICA NO BRASIL DE 2022


Vamos tratar de um dos assuntos mais perturbadores da história da humanidade, o antissemitismo está presente na atualidade mais forte do que nunca.

Diante do último conflito  Israel-Palestina, vi muitas pessoas das quais eu me relacionava cometendo injúrias contra o povo judeu, sem conhecer o assunto do que se tratava. Até hoje os estereótipos dos judeus serem histéricos, interesseiros, falsos, vaidosos são estereótipos muito similares aos da misoginia e do racismo. Devemos lembrar que Hitler matou 6 milhões de judeus, a ideia do libelo de sangue (alegações antissemitas que acusam os judeus de assassinarem crianças cristãs (ou não judias) para usarem o sangue das vítimas sacrificadas em rituais religiosos) nos pogroms da Bessarábia fizeram com que muitos antepassados vivessem parar aqui. Series de TV como Nada Ortodoxa que trata uma linha específica do chassidismo (corrente de Satner), que é uma das linhas do judaísmo, fazem com que aquilo, que na verdade é uma série seja tomada como verdade e passe a ser uma potência inicial diante aos espectadores, sendo a célula mãe de uma opinião antissemita. Me preocupa a ignorância da esquerda nesse assunto frente a truculência da direita.

 

(Charge de Carlos Latuf em 07 de Abril de 2017)

 

 

Por exemplo, a imagem de Carlos Latuf talvez seja a mais significativa acerca do antissemitismo no Brasil na última década. Adoção de um judeu imaginário, capitalista, branco, armamentista e “cristão”( sobre a perspectiva de uma redução no que diz respeito ao empoderamento cultural) sempre é usada como argumentos para a direita e da esquerda antissemita. A charge em questão, coloca como fantasmas, todos aqueles que estavam protestando na porta da Hebraica contra a candidatura de um nazista para a presidência, foi ali enquanto Bolsonaro, em 2017,  se valia da bandeira de Israel (como a esquerda antissemita faz com a bandeira Palestina), que tivemos a primeira manifestação pública contra Jair Bolsonaro e o seu nazismo, feita por judeus na hora certa, que foram abandonados pela esquerda e a opinião pública brasileira naquele momento. Carlos Latuf foi infeliz, porque nessa imagem dá a entender que os campos de concentração eram mecanismos de educação e liberdade, os campos de concentração não eram centros de refinamento cultural.

(Primeira manifestação anti-Bolsonaro em 2017 na Hebraica-RJ)

Quando o antissemitismo não é usado para entender o racismo e a exclusão no século XX, ele é reduzido apenas para uma ideia de recalque, pois não se entende os fenomenos da misoginia e da exclusão social marginalizando o debate sobre o antissemitismo, ou relegando ele apenas ao Holocausto, o holocausto não foi apenas contra judeus, mas também foi contra árabes, LGBTQI+, testemunhas de Jeová, Romanis (ciganos) e etc. Ou seja, segmentos da esquerda no Brasil preferem conversar com Auschwitz do que com o judeu que sobreviveu a Auschwitz, justamente porque aceita a ideia de judeu imaginário que a extrema-direita emana, pessoas que reproduzem charges como essa dizendo coisas do tipo, “não aprenderam nada”, “olha só que povo opressor” e etc. Está se valendo de uma concordância em comum com Bolsonaro, a concordância do judeu imaginário.

Sionismo

Para muitos é o nacionalismo judaico, e por ser um fenômeno nacionalista passa a ser nos dias atuais mais um conceito moral do que um conceito analítico, no sentido de que em alguns momentos você pode ser “xingado de sionista”, ou ser deslegitimado por ser sionista, o sionismo pode funcionar como uma forma de tirar alguém do debate, uma forma moral de legitimar o antissemitismo no campo das ideias.
A palavra sionismo é uma palavra polissêmica, ou seja, ela pode significar muitas coisas e isso se da porque o o sionismo é colocado a partir de uma lógica excepcionalista, ou seja, uma lógica sem correspondência com outros fenômenos parecidos como nacionalismo e a lógica que se impôs a partir da primeira guerra mundial do direito de autodeterminação de um povo, e os judeus já estavam nesse debate, antes mesmo do século XX quando a identidade judaica passa a ser uma questão. Pois muitos vão dizer que judaísmo é uma religião, outros vão dizer que é uma cultura e outros que é uma nacionalidade.
No final do século XIX vai haver um crescimento das pessoas que vão se definir como nacionalistas na perspectiva da construção de uma nacionalidade, que como qualquer outra é inventada e se consolida no início do século XX como muitas outras nacionalidades.
Para o professoe Michel Gherman da UFRJ e da Universidade Ben Gurion de Israel a diferença fundamental do sionismo para nacionalidades é a de que o Sionismo se inventa a partir de uma dupla invenção, a nacionalidade e um território, mas como qualquer outro nacionalismo o Sionismo é múltiplo.
Então é correto afirmar que não existe apenas um sionismo e sionismos por se tratar de um fenômeno plural, existem várias formas de sionismos que disputam uma hegemonia. Existe o sionismo religioso, de direita, de esquerda, revolucionários comunistas, liberal, socialista, sionistas com tendências fascistas, todos disputando a hegemonia dentro da Organização Sionista Mundial onde o trabalhismo vai se impor no final do século XIX ate 1945, quando o sionismo se consolida devido ao genocídio imperado sobre o povo judeu no holocausto.
O sionismo como qualquer outro nacionalismo tem uma terra e um mito fundacional para justificar a construção de uma nação, um território para onde tem-se que emigrar, mesmo que tenham havido movimentos autonomistas que defendiam a permanência do estado judeu na Europa, a maioria defendia a refundação de um estado judeu na Palestina desde os socialistas até os fascistas. O problema era que se tinha na Palestina o mesmo processo acontecendo com um grupo se levantando e buscando o mesmo vínculo com a terra, é onde se começa o conflito Israel-Palestina que acaba justificando como a forma de se entender o sionismo na opinião pública, como se o sionismo tivesse que ser visto a partir da lógica do conflito, o que não é verdade. O sionismo existe antes do conflito e se constrói apesar dele. Um fenômeno complexo que para ser discutido deve ser entendido e está além do conflito.

O Antissemitismo

O antissemitismo ainda é uma ponderância muito forte nos dias atuais, não só pelo senso comum de que todo judeu é rico opressor, todo etíope miserável e famélico, e todo árabe um terrorista em potencial, mas, pelo fato disso estar latente nas entrelinhas de nossa sociedade, seja em liturgias cristãs ou seja nos bancos das universidades.
Trotsky deu as honras da revolução a Lênin por que em 1917 seria impossível um judeu comandar a Rússia, o fato é que durante todo o período soviético e depois na Federação Russa, até os dias atuais, nenhum judeu comandou o maior país do mundo, nem os Estados Unidos, nem a Alemanha, nem a Inglaterra, nem o Brasil. Dentro dos bancos de alguns centros universitários, pessoas seduzidas pelo judeu Marx até hoje repercutem jargões antissemitas pré-revolução russa, simplesmente porque não compreenderam Karl Marx.
A gente precisa entender acima de tudo, que a única diferença entre um negro e um judeu é que o judeu pode se esconder e o negro não, a única diferença entre um negro e um judeu, é que na maioria das vezes um judeu é branco, logo quando vejo presencio ou sinto hostilidades, tenho certeza de que o mundo não superou o Levante de Lisboa e nem os outros atentados tiveram depois deste.
Existe também revisionismo histórico, uma doutrina canalha que tenta negar a responsabilidade, e eventual existência holocausto. De 6 milhões de judeus mortos um milhão eram crianças, os alemães entravam nas aldeias da Bessarábia, por exemplo, humilhavam as pessoas mais velhas colocavam os homens e as mulheres mais fortes no trem e dizimavam o restante da população, então hoje, quando eu vejo a Alemanha se valendo de Estados satélites como a Hungria, para evitar a entrada de árabes em seu território, eu começo a refletir se realmente o holocausto terminou com a Segunda Guerra Mundial, ou se ele segue existindo, seja no revisionismo proposto por algumas universidades mundo afora, seja no sentimento anti-israel propagado por muitas pessoas, seja nos Estados satélites que impedem outros semitas como os árabes de entrarem em territórios como o da Alemanha, mas principalmente o que mais me entristece é saber que tudo isso não tem cura, a não ser a luz do conhecimento.
Após Auschwitz a educação só terá tido sentido se não se repetir Auschwitz! Por isso, eu digo que a melhor forma de lutar para que o holocausto não aconteça é lutar contra o antissemitismo e lutar contra o antissemitismo é lutar contra Bolsonaro e suas práticas nazistas, e você não pode lutar contra Bolsonaro reproduzindo discursos antissemitas como o a famigerada charge. Pois judeus não são fantasmas, são milhões de pessoas diferentes e além do preconceito, talvez se aquilo que aconteceu fora e não dentro da Hebraica fosse lembrado e repercutido na hora certa, a história poderia ter sido outra.
Para todos  e todas um feliz 5783, Shanah Tovah!