Marcos Rey. O escritor de ofício


Autor atravessou cinco décadas publicando e atuando nas mais diversas áreas da escrita. A cidade de São Paulo foi seu “personagem” principal

Edmundo Donato nasceu em São Paulo, no bairro do Brás em 1925. Filho de um encadernador, desde muito novo sua vida foi cercada de livros. Publicou pela primeira vez aos 16 anos, já sob o pseudônimo que o faria famoso: Marcos Rey.

Sua infância não foi fácil. Era portador de hanseníase. Seus pais precisaram escondê-lo dos agentes do DPL (Departamento de Profilaxia da Lepra). Não demorou a ser apanhado e internado num asilo-colônia em Mogi das Cruzes. Essa passagem da vida do escritor só ficou conhecida após sua morte, através de sua viúva, a escritora Palma Bevilacqua Donato, e na biografia de Marcos Rey – Maldição e Glória (Cia. das Letras, 2004) escrita pelo jornalista Carlos Maranhão.

Ficou “preso” dos 17 aos 20 anos. Boa parte da adolescência. Conseguiu fugir do Hospital Padre Bento, em Guarulhos, em 1945, e foi viver um tempo no Rio de Janeiro. Viveu numa pensão na Lapa e trabalhou como redator. Carregou por toda vida, apesar de curado, uma sequela que deixou seus dedos tortos. Retornou a São Paulo em 1946.

O pseudônimo que adotou quando começou a escrever acabou o ajudando a se esconder do DPL no tempo em que passou no Rio de Janeiro. Parece incrível, mas em São Paulo uma ordem de captura contra ele vigorou até 1967.

Com tudo isso, Marcos Rey não teve educação formal, pós ginasial, digamos. Tornou-se por conta própria um escritor, ícone de romances e contos urbanos, sempre com a cidade de São Paulo como pano de fundo, e de muitas obras direcionadas ao público infanto-juvenil.

Em 1953, publicou seu romance Um Gato no Triângulo. Em 1960, lança Café na Cama, que acaba sendo seu primeiro sucesso de público. Tornou-se desde então aquilo que podemos chamar de “escritor de ofício”.

Praticamente nenhuma área das Letras escapou de seus dedos tortos. Exerceu a escrita em propaganda, televisão, rádio, cinema, teatro, conto, romance, tradução, crônica e reportagem. Viveu por toda vida de seu talento único: o texto.

Marcos Rey foi também redator no rádio, onde desde 1949 escrevia as peças publicitárias para a emissora Excelsior, o que o levou para o mundo das agências. Bem-sucedido na carreira de redator publicitário, trabalhou em algumas das maiores campanhas do país nos anos 1950 e 60.

Sem nunca deixar de escrever ficção, Marcos Rey “atirava” realmente para todo lado. Traduziu obras do inglês com seu irmão Mario Donato, também escritor, e somente na década de 1970, escreveu cerca de 38 roteiros para o cinema produzido na Boca do Lixo paulistana — as lendárias pornochanchadas.

Ingressou na televisão criando diversos e distintos trabalhos, como as novelas O Grande Segredo (Excelsior,1967), colaborou com Bráulio Pedroso na novela Super Plá (Tupi, 1969), adaptou A Moreninha (Globo,1975), escreveu a minissérie Memórias de um Gigolô – adaptação do seu romance (Globo,1986). E ainda fez parte da equipe de roteiristas do Sítio do Picapau Amarelo (Globo, 1978-1979).

Em 1980, Marcos Rey passou a se dedicar também à literatura infanto-juvenil, com O Mistério do Cinco Estrelas, da coleção Vaga-lume pela editora Ática. Emplacou com enorme sucesso muitos títulos para a coleção, como O Rapto do Garoto de Ouro e Um Cadáver Ouve Rádio. Colaborou ainda por sete anos com suas crônicas quinzenais para a Veja São Paulo.

Eleito para a Academia Paulista de Letras em 1986, ganhou os prêmios Jabuti de 1967, com O Enterro da Cafetina; o Jabuti de 1994, com O Último Mamífero do Martinelli; e o Juca Pato – intelectual do ano – em 1996.

De linguagem clara e sucinta por natureza, Marcos Rey retratava os personagens da São Paulo em que nasceu e viveu. Bêbados, boêmios, prostitutas, mulheres mal-amadas, bandidos, gente comum e outsiders. Um precursor do noir nacional. E paulistano acima de tudo. A noite da maior cidade do país era seu foco favorito. Mesmo no infanto-juvenil, escreveu novelas de cunho policial.

A crítica nunca foi muito com a cara de Marcos Rey. Mas o público o reverenciava da melhor maneira: lendo suas histórias e comprando seus livros. São mais de 40 títulos. Quando faleceu aos 74 anos, em abril de 1999, Marcos Rey era o único escritor brasileiro que vivia exclusivamente de literatura.

Um mestre.

Ouça. Leia. Assista:

O Filho do Encadernador – Autobiografia de Marcos Rey

O Último Mamífero do Martinelli – Livro, Marcos Rey

Maldição e Glória – Biografia de Marcos Rey, por Calos Maranhão

Memórias de um Escritor – entrevista com Marcos Rey, YouTube

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