Luz e som

WagnerRengel;FaenaRossilho,

Crédito: Faena Rossilho

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O homem martela um prego lá do outro lado da rua. Eu vejo seu movimento de força e destreza. O som do martelo se descompassa da imagem. A luz é mais rápida que o som.  Chega antes.

O homem martela um prego do lado de uma porta, lá do outro lado da rua.

Se fosse lá e perguntasse seu nome, encontraria um homem de uns quarenta anos com a pele de quase cinquenta, vermelha e queimada do sol. Seu nome é Robinson, é casado e tem duas filhas. Sua esposa se queixa constantemente com as amigas do culto que seu marido está andando com aqueles lá e todos os dias dá uma passada no bar antes de chegar em casa. E chega altinho, todo assanhado. Sua esposa, que se chama Luzia e tem uns trinta e dois anos, foi aconselhada a procurar o pastor para que ele vá conversar com seu marido sobre esta rotina que está corroendo os alicerces da família.

Robinson não conheceu seu pai que, numa aventura amorosa com sua mãe, engravidou e a abandonou sumindo embora e tendo ouvido falar que já morreu, de cirrose.  Robinson martela um prego e dá para dizer que há uma certa raiva em seu gesto.

O homem martela um prego ao lado da porta, lá do outro lado da rua. Se fosse lá, descobriria que está instalando um sino ali onde mora, um pequeno puxado quarto e sala, que seu nome é Antônio, é viúvo e tem mais de sessenta anos. Mora ali e cuida do estacionamento na parte da noite. O dono do lugar gosta muito de Antônio pois ele salvou sua vida há dez anos quando lhe fez massagens cardíacas até a chegada da ambulância. O homem martela um prego para prender um sino, pois seus netos virão visitá-lo no fim de semana e ele está muito feliz.

O homem martela um prego, lá do outro lado da rua. Se fosse lá descobriria que seu nome é Ricardo e tem menos de vinte anos. Rapaz jovem que faz pequenos serviços para ganhar uma grana. Seu sonho é ir embora do país e tentar a vida por lá. Tem um primo que está na Espanha. Ricardo quis ser jogador de futebol e não deu certo. Acabou de terminar os estudos e fará um curso de cabeleireiro pois percebe que cabelo, todo mundo que tem, um dia corta e então não faltará trabalho. Sua mãe é cabeleireira e não aconselha, mas ele vai mesmo assim. Daqui, dá pra ver que não dá para ser martelador de pregos. Meio desajeitado para isso. Só que isso não importa.

Um homem martela o prego, lá do outro lado da rua e a imagem chega antes do som, da palavra.

 

 

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