Jornalista do DCO que foi ao Donbass lançará livro sobre a guerra

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“O povo esquecido” conta a história da guerra no Donbass a partir da experiência do jornalista no lado da trincheira que ninguém quis ir

Enviado especial à Rússia e ao Donbass no ano passado, junto com o companheiro Rafael Dantas, o jornalista Eduardo Vasco, da redação do DCO e militante do PCO, acaba de escrever o livro-reportagem “O povo esquecido: uma história de genocídio e resistência no Donbass”. A obra, que está no prelo, será lançada nos próximos dias pelas Edições Causa Operária.

O evento de pré-lançamento ocorrerá na próxima segunda-feira (27) com um programa Análise Internacional especial sobre o aniversário de um ano do início da operação militar especial da Rússia na Ucrânia. O programa contará com a participação de Rui Costa Pimenta e Robinson Farinazzo, como sempre, e também de convidados Rogério Anitablian, Lejeune Mirhan e José Reinaldo de Carvalho (TV 247). Ele é transmitido pelo canal do DCO e dos parceiros, como Arte da Guerra, do Comandante Robinson. Este programa especial será retransmitido por uma rede de canais progressistas.

Nesta entrevista, no dia em que a operação russa completa seu primeiro aniversário, Vasco faz algumas observações sobre a realidade russa e a verdade que a imprensa burguesa esconde sobre o conflito, além de trazer uma prévia do que o leitor poderá encontrar em seu livro.

1. Do que você mais gostou nessa cobertura exclusiva?

Sempre foi um sonho conhecer a Rússia, a terra da Revolução e do primeiro estado operário do mundo. Pode parecer uma resposta clichê, mas eu gostei de absolutamente tudo (risos). Em particular da cultura russa, no sentido do comportamento dos cidadãos. A maioria das pessoas vê como positivo o passado soviético, apesar de todos os erros e crimes da burocracia stalinista. No Donbass, a melhor coisa foi ver com os próprios olhos aquela guerra que eles travam com os ucranianos e a construção de um governo formado por trabalhadores.

2. Qual a diferença entre o que a imprensa fala e o que realmente acontece?

Uma diferença absurda. O que a imprensa diz é o oposto da realidade. A Rússia não está quebrada economicamente, ela vai muito bem. O presidente Vladimir Putin é muito popular e os russos, em geral, entendem o motivo e apoiam a operação militar especial. A imprensa esconde o massacre que ocorre no Donbass e a realidade é que em nove anos de guerra do exército ucraniano contra aquela população, cerca de 15 mil pessoas morreram, sendo o alvo preferencial da Ucrânia a população civil.

3. Vocês participaram de um programa de televisão?

Sim, em Rostov do Don. Conhecemos um grupo de professoras da Universidade de Rostov e elas nos apresentaram a jornalistas do canal Don 24, um canal aberto e transmitido para todo o oblast (estado) de Rostov e para outras regiões da Rússia, com um público de 40 milhões de pessoas. Fomos entrevistados junto com uma ex-guerrilheira de Lugansk sobre o conflito e falamos um pouco sobre a percepção da guerra no Brasil e os reais motivos escondidos pela imprensa. Achei muito interessante que o jornalista, ao contrário dos apresentadores das TVs brasileiras, era um cara progressista e anti-imperialista. O canal também transmitiu um congresso para o qual fomos convidados, de organizações antifascistas do Donbass e do mundo todo. Algo que jamais esperaríamos de uma emissora brasileira.

4. As pessoas queriam saber o que os brasileiros pensam sobre o conflito?

Sim, essa foi uma das perguntas do repórter. Demos outras entrevistas em nossa estada tanto em Rostov como em Moscou e Lugansk, para portais de Internet, jornais impressos e canais de TV. Eles se interessam pelo que pensamos e se preocupam de sabermos a verdade.

5. Conheceram brasileiros?

Sim, em Moscou e em Rostov. Fizemos amizade com eles e todos amam viver na Rússia. Eles compartilham a visão dos russos sobre o conflito e sobre o governo Putin. Nos ajudaram muito, assim como os russos com quem fizemos amizade.

6. Mas todos os russos apoiam a ação na Ucrânia?

Conversei com pessoas aleatórias na rua e também com os amigos que fizemos por lá. A esmagadora maioria apoia. Uma garota que encontrei na rua disse que acha que é propaganda do governo o noticiário sobre mortes civis no Donbass. Vi uma pichação em um muro escrita “Morte ao ditador”. Mas vi manifestações de rua a favor da operação, no centro de Moscou. No 1º de Maio, em Rostov, havia milhares de pessoas, e muitas expressavam seu apoio ao governo.

7. Ainda existem os sovietes?

Soviete é uma palavra russa que significa “conselho”. Nesse sentido, ainda existem. Mas não com o mesmo conceito dos conselhos de operários da época da revolução. Em Lugansk eles já são mais parecidos com os sovietes tradicionais que nós conhecemos. Ainda quando pertencia à Ucrânia, antes da insurreição que respondeu ao golpe de 2014, a assembleia legislativa do oblast de Lugansk chamava-se Conselho Regional, ou Soviete do Oblast de Lugansk. Após a insurreição que deu lugar à proclamação de independência da República Popular de Lugansk, o Conselho Regional se transformou no Poder Legislativo da República e passou a se chamar Conselho Popular, ou, em outros termos, Soviete do Povo (mesmo nome da época soviética). Ele é formado majoritariamente por trabalhadores sindicalizados e membros de movimentos sociais.

8. Você teve o celular apreendido na zona de conflito. O que o soldado te disse para confiscar seu telefone?

Eu não sei, não entendi (piada, risos). Eu estava fotografando a destruição na cidade de Popasnaya, que havia acabado de ser tomada do domínio ucraniano pela milícia popular de Lugansk com apoio das forças russas. Mas não percebi que já estava em uma área proibida e, do nada, apareceu um agente da FSB (serviço de inteligência da Rússia), armado, me chamando de longe. Eu fingi que não era comigo (como se eu não fosse absolutamente a única pessoa ali – risos) e tentei sair de fininho. Mas ele insistiu e me enquadrou. Aí chegou o nosso “guia”, um sindicalista de uns dois metros de altura e outros dois de largura parecido com o “Coisa” do Quarteto Fantástico. Tive mais medo dele gritando comigo do que do soldado. “Are you crazy?”, “are you crazy?”, ele me perguntou, furioso. Pensávamos que iríamos todos em cana ou que poderia acontecer algo ainda pior, se nos confundissem com espiões ucranianos.

O jornalista Eduardo Vasco apresenta o programa Causa Operária, na Rádio Cultura de Curitiba, exibido ao vivo, toda sexta-feira, das 13h às 14h. Para acessar: www.cultura930.com.br/causaoperaria