Uma vida de humor e arte
José Eugênio Soares era interno do Lycée Jaccard, em Lausanne, Suíça, quando adentrou junto com mais dois colegas as dependências do conceituado internato ostentando um corte de cabelo moicano. Como reprimenda, tomaram uma bronca e ainda foram obrigados a fazer as refeições em separado dos demais alunos.
Tinha 15 anos e fora enviado ao país helvético pelos pais, na clara intenção de tornar-se diplomata, um sonho que o pequeno Zé Eugênio nutria em si próprio. Mas como é possível notar, o rapaz já demonstrava outro tipo de propensão.
Era filho único do empresário paraibano Orlando Heitor Soares e de Mercedes Pereira Leal. Nasceu no Rio de janeiro em 1938, frequentou o colégio São Bento carioca e foi pra Suíça aos 12 anos. Seu pai entrou em falência, perdendo tudo, e com isso Zé Eugênio retornou ao Brasil. Contava 16 anos quando resolveu ser artista.
Era 1954. Ganha o nome artístico Jô Soares e estreia na televisão no elenco da Praça da Alegria, na Record, apresentada pelo seu criador Manoel da Nóbrega. Por essa época já desenvolve parceria com o filho de Manoel, Carlos Alberto de Nóbrega, com o qual trabalharia pelas duas décadas seguintes, fazendo fértil dupla de redatores e roteiristas de humor. No período, participou dos filmes Rei do Movimento (1954), De Pernas pro Ar (1956) e Pé na Tábua (1957). Se destacou como ator na chanchada O homem do Sputnik (1959), de Carlos Manga. Fica na Praça da Alegria até 1966.
Em 1965 protagonizou a única novela de sua carreira, a comédia Ceará Contra 007, com grande audiência na Record. Criou o sitcom humorístico Família Trapo ao lado de Carlos Alberto de Nóbrega. Fez o papel do mordomo Gordon, atrapalhado e gracioso, que conquistou a audiência e estabeleceu seu nome. No programa contracenou com gigantes do humor como Otelo Zeloni e Ronald Golias.
Com o fim da Família Trapo, Jô ingressa com força nos humorísticos de costumes, gênero no qual diversos quadros eram apresentados em esquetes rápidas num único programa. O primeiro sucesso foi em 1971 com Faça Humor Não Faça Guerra, quando estreia na TV Globo. O nome do humorístico era uma sátira à máxima hippie “faça amor não faça guerra”, em plena contracultura. Contracenou com Renato Corte Real uma dupla famosa lembrada até hoje como “a dupla dos cavalinhos”, Lélé e Da Cuca.
Evoluiu para Satiricom, onde as sátiras políticas ganharam corpo, sob direção de Augusto César Vanucci. Desenvolve parceria em textos com Max Nunes — um de seus grandes mestres — e Haroldo Barbosa. A atração satirizava o título do filme homônimo de Fellini: “uma sátira da comunicação”, rezava o slogan.
Em 1976, estreia o mais exitoso dos programas que protagonizou: O Planeta dos Homens. Criou vários tipos inesquecíveis. Em 1981 ganha seu próprio programa: Viva o Gordo. Outros tipos ganham vida como o Reizinho e o Capitão Gay. Não havia limites para Jô Soares.
Fanático por jazz, era também músico, e costumava dar canjas como percussionista num bongô pelos bares cariocas e paulistas. Participa do especial infantil Plunct Placti Zum em 1983, no qual canta o rockabilly Planeta Doce, interpretando um confeiteiro maluco. Trabalha como comentarista no Jornal da Globo até 1987, quando deixa a emissora rumo ao SBT.
Estreia na emissora de Silvio Santos com Veja o Gordo, e com liberdade total de criação apresenta ao Brasil o programa que o colocou definitivamente na memória de um país inteiro, um talk show inspirado nos similares norte-americanos: Jô Onze e Meia. O formato foi disparado o período mais duradouro da carreira. Fica no SBT até 2000, quando é trazido de volta para a Rede Globo com o Programa do Jô, em formato idêntico ao apresentado por 13 anos na concorrente. Encerra atividades na televisão em 2016, período turbulento no qual foi hostilizado por fascistas pró-golpe em frente ao seu apartamento em Higienópolis.
Jô Soares faleceu no hospital Sírio-Libanês em São Paulo, neste 5 de agosto do ano da graça de 2022, aos 84 anos. Católico, devoto de Santa Rita de Cássia e torcedor fanático do Fluminense Football Club.
Durante toda trajetória de 68 anos, Jô ainda escreveu livros, com destaque para o best-seller O Xangô de Baker Street, atuou, escreveu e dirigiu espetáculos de teatro, fez cinema, tevê, pintou quadros, dançou, “pintou e bordou”. Acima de tudo, o mais difícil: foi um humorista de destaque no país mais profícuo em artistas do gênero em todo o mundo. Uma certeza que só os brasileiros podem ostentar.
Não é pouco. Ser um artista completo e viver de sua arte durante quase sete décadas é para poucos. É muito, como seu generoso corpanzil em sobrepeso eterno, pelo qual se identificava — como sempre — com humor. Tanto que, nos últimos anos costumava se despedir da galera com o jargão inesquecível:
“Um beijo do Gordo. Daqui a pouco a gente volta”.
…
Ouça. Leia. Assista:
…
Imagens: reprodução