Maior marca do gênio norte-americano foi a junção de erudição e experimentalismo. Seu primeiro registro em álbum completa 55 anos em 2021. A música nunca mais foi a mesma
Em torno de 1964, o jovem Frank Vincent Zappa, criado à base de música erudita e influenciado por Varése, Webern e Stravinski, transitava pelos arredores de Los Angeles após ter experimentado de tudo em um estúdio (o Studio Z) à beira do deserto de Mojave, ter sido preso por “gravar pornografia” e criado alguns novos conceitos junto a Captain Beefheart. Frank é apresentado a Ray Collins, um já experiente músico de covers de blues e r&b que andava precisando de um guitarrista para seu grupo The Soul Giants.
Com Zappa assinando quase todo repertório da banda que deixou as covers de lado e passou a compor, o grupo foi nomeado “The Mothers”. Logo foram ganhando atenção na efervescente cena underground do sul da Califórnia. Quando adentra 1966, The Mothers chamaram a atenção de Tom Wilson, um renomado produtor que já havia realizado trabalhos de Simon & Garfunkel e ninguém menos que Bob Dylan.
Logo um contrato foi assinado com a Verve Records. Não tardou para a gravadora encrencar com o nome da banda. The Mothers soava como incentivo a homossexualidade, ou era associado ao palavrão “motherfucker”. O grupo se autonomeou The Mothers of Invention. Ainda em 1966, entram em estúdio para o registro de um LP duplo: Freak Out!, o segundo álbum duplo da história — o primeiro havia sido Blonde on Blonde, de Bob Dylan, no mesmo ano.
O álbum pode ser ouvido por públicos de todas as tendências, e assim o é até hoje. Há referências de tudo um pouco. E de muito humor e irreverência com o american way of life, ao qual não perdoa em nenhuma faixa. Foi considerado como uma espécie de antídoto à cultura de consumo da América.
Com som primitivo em guitarras, baixos e percussões, mas arranjos sofisticados, Freak Out! contou também com orquestra de apoio do próprio estúdio em Los Angeles. Zappa mudou-se durante as gravações para uma casa em Hollywood Hills e lá estabeleceu-se uma nova onda criativa, já com a presença das groupies que marcariam a carreira do gênio em festas e orgias pelos hotéis e turnês mundo afora. Em que pese ter sido durante essa fase na residência que ele conheceu Adelaide Sloatman, que viria a ser sua esposa para o resto de seus dias, e mãe dos seus quatro filhos.
Neste período também foi que surgiu outra “lenda” acerca de Frank Zappa. Apesar do consumo desenfreado de drogas por quase todo ser vivente à época, o músico nunca foi adepto. Criticava seus companheiros de banda e amigos pelo uso de LSD, maconha e cocaína. Mesmo o álcool não era algo que Zappa costumava ingerir. Experimentou maconha algumas vezes. Fumou, tragou e não gostou.
As letras do álbum beiram o dadaísmo. A ideia era de fato “fundir cabeças”. Who are the Brain Police traduz essa intenção, em uma espécie de libelo contra a autoridade policial. Há também a sátira estética, como em Go Cry on Somebody Else’s Shoulder, na qual sacaneiam o doo wop tradicional de grupos vocais inocentes. As mentes parecem derreter mesmo em Help I’m a Rock e The Return of The Son of Monster Magnet, que tem 12 minutos de puro experimentalismo e muito barulho, com gritos e algo que lembra teatro, dança e circo.
The Mothers of Invention era mesmo um novo circo na vida da música pop que surgia naquela década. E as “mães da invenção estavam passando”, parecia ser o recado alto e claro daquela trupe toda especial, capitaneada por um gênio que mudaria a forma de fazer e ouvir música de todas as gerações futuras. Frank Zappa ainda brindaria a humanidade com algo como 55 obras acabadas e editadas (fora o que deixou escrito ou pré-gravado), entre discos de rock progressivo, jazz fusion, ópera, sátira, trilha sonora, dodecafonia, atonalismo e canções.
Você pode não ser dado a experimentos os mais diversos. Mas sem fricote, é preciso ouvir e revisitar Freak Out!. Sempre que possível. Ele fez tudo aquilo do alto da sua mais cara e absoluta sobriedade. Há 55 anos. Mais tempo do que viveu. Zappa morreu perto de completar 53, em 1993.
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Ouça. Leia. Assista:
The Mothers of Invention – Freak Out! (1966) – Spotify
Zappa (2020) – documentário
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Imagens: reprodução