Em tons azulados intensos e realismo ao extremo, filme alemão mostra os horrores da guerra e se torna grande azarão na corrida pelo Oscar 2023
Nada de Novo no Front
(All Quiet on the Western Front, 2022, Netflix)
Diretor: Edward Berger
Onde ver: salas de cinema e Netflix
O mais importante Em Nada de Novo no Front é a moral da história. Todo o filme gira em torno do fato de que, mesmo sendo repetida há décadas e décadas, pouco tem sido levada em consideração pelos líderes das potências mundiais e dos povos que historicamente se enfrentam por questões territoriais, raciais ou religiosas. A moral da história é uma só e, para que não restem dúvidas, será explicada em um parágrafo e não em uma frase, como comumente ocorre nas fábulas infantis ou para adultos:
Não há beleza possível na guerra. Nela, a vida não vale nada. A degradação humana é absoluta. O desespero alcança o mais alto grau. A razão se torna inaudível. A podridão dos esgotos eclode. E a única possibilidade de sobreviência é o convívio com o medo da morte. A guerra não é esse espetáculo que vemos nos noticiários. A guerra espalha sangue, destrói prédios e histórias, aniquila futuros. A guerra é sempre um horror. Não é diversão de videogame que se controla com joysticks. A guerra não é sonho pra ninguém.
Ocorre que Nada de Novo no Front começa exatamente mostrando a guerra como o sonho de milhares de jovens alemães, desejosos de irem para os campos de batalha defender o país em plena Primeira Guerra Mundial. Para isso, bastava a assinatura dos pais numa autorização formal ao Exército germânico. A seleção sumária ocorria até mesmo para quem fraudasse a assinatura dos responsáveis no documento, como fez o jovem Paul Bäumer para acompanhar os colegas de classe recém-formados no ensino secundarista.
O plano do garoto dá certo e, junto com os amigos, realiza o sonho de fugir de casa para marchar nas fileiras das frentes de batalha rumo à guerra. Só que, como dito na moral da história, a guerra não é sonho pra ninguém. E logo Paul cai na real. A verdade literalmente explode como bombas sobre sua cabeça, sem que haja qualquer possibilidade de recuo. Paul sofre às últimas as consequências as crueldades produzidas pela guerra em todas as suas extensões, convivendo com a morte dos companheiros o tempo todo.
Nas duas horas e meia de duração, Nada de Novo no Front mostra o massacre mental e físico sofrido por Paul durante as últimas batalhas ocorridas a oeste da Alemanha entre os Exércitos da Alemanha e da França no ano de 1918, quando ocorreu a rendição dos alemães com a assinatura do Armistício de Compiègne. A Primeira Guerra Mundial, que começou em 1914, foi especialmente cruel por ter sido o último cofronto de proporções globais com soldados lutando no corpo a corpo, com o uso de baionetas, gases letais, projéteis de curto alcance, lança-chamas, tanques e metralhadoras.
As estimativas variam entre 17 milhões e 37 milhões de mortes, entre civis e militares, em toda a Europa.
Frieza de tons azulados marca obra realista ao extremo
Nada de Novo no Front, distribuído pela Netflix como um dos carros-chefes do cardápio de lançamentos em 2022, tornou-se o grande azarão na corrida pelo Oscar de 2023, com indicações para nove categorias da premiação. O filme, de origem e língua alemãs, estava cotado para concorrer apenas na categoria de Melhor Filme Internacional. A produção, porém, foi aceita para disputar também as demais categorias, assim como havia ocorrido em anos anteriores com Roma (México) e O Parasita (Coréia do Sul).
Nada de Novo no Front, a rigor, não traz nada de novo para o front. Trata-se da terceira versão cinematográfica do romance homônimo tido como um libelo antibélico e pacifista de autoria do alemão Erich Maria Remarque lançado em 1929, onze anos após término da Primeira Guerra Mundial. A versão cinematográfica inaugural da obra venceu o Oscar de Melhor Filme e de Melhor Direção para Lewis Milestone, em 1930. Em 1979, uma releitura foi realizada com produção de baixo custo e menor repercussão.
O roteiro desta terceira versão, assim como os da primeira e da segunda, mantém o rigor literário e a linealidade do livro. Justamente porque o que nela se destaca não é o enredo, o drama ou o conflito. E, sim, a moral da história. A novidade é o esmero com que a produção é realizada, utilizando os mais modernos recursos tecnológicos, de direção de arte, de fotografia, de edição de imagens e de som e certamente empregando os melhores profissionais da Alemanha em cada área.
Nada de Novo no Front é uma obra expressionista alemã, realista ao extremo, que abusa da frieza dos tons azulados. A crueza e a crueldade das imagens são reforçadas pela edição de som que confere a intesidade e o andamento das cenas em tela. Nada em Nada de Novo no Front é por acaso. Tudo é bem pensado para provocar o incômodo e a náusea presentes numa guerra. Ao contrário do que mostra a propaganda, não há heróis numa guerra.
O mesmo ufanismo move bravos e biscoiteiros
Para quem acha desnecessária a repetição da moral dessa história, basta lembrar o bizarro episódio nos primeiros meses da Guerra da Ucrânia, em 2022, quando o instrutor de tiros paranaense Tiago Rossi, de 28 anos, bolsonarista e homofóbico declarado, passou pelo vexame mundial de se alistar nas forças voluntárias ucranianas mas, no primeiro bombardeio, ter sido visto abandonando as tropas e evadindo para a Polônia.
Perante a presença dos inimigos, a covardia biscoiteira do bolsominion jamais poderá ser comparada com a bravura instagramável de Paul Bäumer. Mas, guardadas as devidas proporções, o infame ufanismo que moveu os dois em direção à guerra tem a mesma origem e não surgiu à toa. A propaganda pró-guerra divide corações e mentes entre adolescentes e jovens com as pombas e bandeiras brancas dos pacifistas. Enquanto isso, os senhores da guerra continuam a enriquecer e a mover a economia global.
O filme tem como público-alvo essas gerações que conhecem a guerra pelos filmes da TV e do cinema, seriados de streamings, videogames, notícias de blogueiros, podcasts e telejornais. Nada de Novo no Front traz uma história contada há quase 100 anos. Só que agora exemplarmente repaginada para ser exibida em streaming nas TV do mundo todo. Nada de Novo no Front tem a competência de, mais uma vez, reafirmar: a guerra é sempre um horror, não é sonho pra ninguém e não produz heróis.
Produtor brasileiro pode levar Oscar de Melhor Filme
Nada de Novo no Front é protagonizado pelos atores Felix Kammerer (como Paul Bäumer), Albrecht Schuch (como Stanislaus “Kat” Katczinsky) e Daniel Brühl (como Matthias Erzberger). O filme estreou no Festival Internacional de Toronto, em setembro de 2022, e lançado no cinema e em plataforma digital no mês seguinte. Cercado pela mesma competência que marca toda a produção, a distribuição tem alcançado sucesso absoluto.
Nada de Novo no Front tem sido o grande azarão dos festivais da indústria mundial. No Bafta realizado em Londres neste domingo, dia 19, derrubou o favoritismo de Os Banshees de Inisherin e de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo levando sete estatuetas, incluindo os de Melhor Filme, Melhor Direção para Edward Berger e de Melhor Filme em Língua Não-Inglesa. Arrematou a noite levando ainda os prêmios de Melhor Fotografia, Melhor Som, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Trilha Sonora.
A carreira de Nada de Novo no Front parece estar apenas no começo. E promete ser brilhante tendo ainda pela frente a reta final da corrida pelo Oscar 2023, sendo capitaneada pelo brasileiro Daniel Dreifuss, ao lado do alemão Malter Gunert, com quem se associou para realizar a obra. Depois de tentar durante anos conquistar financiadores norte-americanos, deixou Los Angeles para se estabelecer em Berlim para executar o projeto.
Dreifuss, na verdade, repetiu a estratégia que havia utilizado em 2013 para a realização do filme No, quando se associou a produtores do Chile. Estrelado por Gael Garcia Bernal, a produção concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro ao retratar o referendo que demoveu o ditador Augusto Pinochet do poder em 1988. Por isso, aos 44 anos, o brasileiro é tido como um veterano na área. E pode levar a estatueta de Oscar de Melhor Filme no próximo dia 12 de março, no Dolby Theater, em Los Angeles.