Qualquer um que tenha mergulhado, por mínimo que seja, no universo psicanalítico, sabe que tirar o corpo fora da psicanálise seria recuar dela própria. Entretanto, de que corpo se trata no nosso discurso? Estaríamos autorizados a tomar o corpo ingenuamente depois de Freud e de Lacan, sobretudo nesses tempos de corpo puzzle? De corpos desmontáveis, remontáveis, sob suspeita, enigmáticos, fabricáveis, despedaçáveis…
Ao dizer que o corpo é o imaginário Lacan se referia, como sabemos, a uma dimensão que se estende para muito além da imagem. Razão pela qual, aliás, a psicanálise não faz coro à preocupação simplória, naif, comum em outros discursos nos dias atuais, com uma suposta divinização da imagem, em detrimento não se sabe de qual “essência”… que imaginam(!) desprezada.
O corpo que interessa à psicanálise é aquele determinado pela linguagem. E que interrogantes isso nos impõe, quando tanto se discute o estatuto da linguagem na contemporaneidade? Trata-de da mesma “linguagem” em todos os discursos, em todas as cartilhas?
Fala-se do real do corpo, ou do corpo do real. Mas que corpo é esse, se o único Real é aquele que não para de não se escrever? Esse Real, a ordem do impossível, que a cultura atual se esforça por abolir… Aliás, não seria esse esforço por subjugar o real o verdadeiro risco que a inocência dos críticos sociais “intuí”, difusamente, como uma “preocupante primazia da imagem” nas relações do sujeito contemporâneo com seu corpo?
“O corpo, então, o que é isso?” É a pergunta que Lacan se faz encore, ainda, em 1973, no limiar entre o longo caminho que o trouxe ao deciframenfo do enigma do gozo, e o destravamento da próxima e decisiva fase, que, a partir dali, ele literalmente encadeia. Para libertar o corpo do peso da interdição? Não. Para que ela, a interdição quisesse dizer, e dissesse, mais. Para devolver ao corpo os seus segredos. Restabelecer o mistério do corpo falante.

Angela Valore

Sobre FRIDA KHALO :
Este evento, com o qual a LETRA abre as suas atividades de 2020, marca também o início de um percurso pelo tema, O Corpo, que se estenderá ao longo do ano, culminando, ao final, com a realização do IV Colóquio Internacional de Psicanálise, “PORQUE NÃO O CORPO?”, a ser realizado entre 29/10/20 e 01/11/20. RESERVEM A DATA!
Escolhemos, para nos acompanhar neste percurso, a obra de uma artista, que representou, mais do que qualquer outra, a ideia de um corpo desmontável, de um corpo por construir, sem no entanto se furtar a sustentar, com sua dor, e sua invenção, o mistério do corpo que fala! Aqueles que se engajam na função de escutá-lo, estão convidados a vir conosco.