Diretor de “A Mosca”, “Crash” e “Gêmeos” é o tema de uma das oito mostras do Olhar de Cinema 2023
O mestre do grotesco e do body horror David Cronenberg é o cineasta escolhido neste ano como o homenageado do maior festival brasileiro do cinema independente, o Olhar de Cinema – Curitiba Int’l Film Festival, que acontece em Curitiba, de 14 a 22 de junho, em salas do Cine Passeio, do Cineplex (Novo Batel) e do Teatro da Vila (CIC), com sessão de abertura na Ópera de Arame. Os ingressos começaram a ser vendidos na última quinta-feira, dia 1º.
Sete filmes celebram o melhor período da carreira de Cronenberg, entre os anos de 1980 e 1990, na extensa grade de programação do Olhar de Cinema, entre os 87 filmes que estarão em exibição. O festival engloba duas mostras competitivas, uma nacional e outra internacional, duas mostras com premiações especiais e outras quatro mostras paralelas. No total, oito mostras, além de cursos e oficinas, compõem a intensa agenda de atividades do Olhar de Cinema. Mas esta é outra pauta.
Ainda nesta semana, entrego um texto com o roteiro para acompanhar o festival, com dicas sobre as mostras, os filmes de destaque, as salas de exibição e tudo o que conseguir apurar para ser antecipado. Hoje, vamos falar sobre Cronenberg. O cineasta canadense se notabilizou ao longo dos últimos 60 anos num gênero nem sempre reconhecido pela intelectualidade e que mais se volta para explorar o lucro fácil, com filme fáceis.
Cronenberg, não. Cronenberg alcançou com seus filmes de terror um nível de sofisticação e qualidade cinematográfica tão elevado a ponto de largar as bizarrices de seres e objetos mutantes asquerosos e os roteiros de ficção premonitórios para se dedicar a um outro gênero, o drama psicológico, para onde canalizou toda a tensão nauseante que criava com os filmes que lhe renderam notoriedade. Cronenberg constrói, ao longo da carreira, um estilo próprio expondo toda a inquietação necessária a um grande artista.
Temas pertinentes com vida híbrida
No Olhar Retrospectivo, mostra do festival Olhar de Cinema que lhe prestará tributo, Cronenberg será retratado pela fase em que assumiu uma “personalidade cinematográfica” ímpar e poderosa. De “Videodrome” (1983) a “ExistenZ” (1999), Cronenberg explora a ficção científica abordando temas pertinentes até hoje. Nesses dois filmes, ele trata respectivamente das perturbações mentais e físicas causadas pela massificação da televisão e pelo vício em jogos de videogame.
Só que, no universo de Cronenberg, a relação entre máquina e homem vai além do contato físico e visual. Ela transcende os limites entre o orgânico e o inanimado abrindo a possiblidade de uma vida híbrida povoada por seres e objetos mutantes. Essa perturbadora visão da evolução humana e tecnológica em simbiose ganha as telas com criaturas assustadoras, cenas horripilantes e sensações nauseantes, extremamente incômodas.
Não por menos, era comum na época do lançamento desses filmes que pessoas se levantassem e deixassem as salas de cinema durante a exibição de seus filmes. Não foi o caso de “A Mosca” (1986) que obteve um retumbante sucesso comercial, levando inclusive o Oscar de Melhor Maquiagem. O ator Jeff Goldblum realiza um dos seus melhores desempenhos no papel do cientista Seth Brundle que, inadvertidamente, tem o DNA alterado pelo DNA de uma mosca numa experiência de teletransporte de matérias. Cronenberg conquistava, assim, fama internacional com uma assinatura marcante e ousada.
Distúrbios da mente humana
Até que realiza “Crash: Estranhos Prazeres” (1996), seu mais polêmico e provocador trabalho ao relatar as descobertas de uma mulher ao se relacionar com as pessoas de um grupo de sinforofílicos que se excitam sexualmente com acidentes de carro. Holly Hunter, mais uma vez, realiza uma atuação desconcertante. O filme ganha um Prêmio Especial do Juri no prestigiado Festival de Cannes ao tempo em que recebe uma saraivada de críticas pela sua abordagem extremamente explícita e provocadora.
Os distúrbios do comportamento humano passaram a ocupar mais espaço que os bizarros seres mutantes na cinematografia de Cronenberg a partir de “Gêmeos: Mórbida Semelhança” (1988). O ator shakespeariano Jeremy Irons tem o tapete estendido para um desempenho memorável interpretando dois gêmeos idênticos que, por causa de uma paixão, assumem uma relação de dominação e submissão impensável.
Cinco filmes representativos
Com estes cinco filmes, a mostra Olhar Retrospectivo apresenta um painel significativo do período mais inventivo e do amadurecimento da linguagem cinematográfica de Cronenberg ao longo de duas décadas. A programação é complementada pelo longa de estreia “Calafrios” (1975) e pelo curta “Ralo Acima” (1969), que já apontavam para o surgimento de um cineasta diferenciado em busca de uma linguagem própria.
Os interessados em aprofundar no tema terão a oportunidade durante o seminário “Máquina de cicatrizes: o cinema de David Cronenberg”, no dia 21, às 11 horas da manhã, na sala de cursos do Cine Passeio, que terá como palestrantes a doutora em Antropologia e professora da Universidade Católica de Petrópolis Debora Breder e o jornalista Rodolfo Stancki, da revista online A Escotilha e professor da PUCPR.
Geração de independentes
A escolha de David Cronenberg como o homenageado do Olhar de Cinema deste ano tem tudo a ver com o maior festival do cinema independente no Brasil por três motivos. Primeiro porque Cronenberg iniciou carreira no cinema independente no Canadá na década de 1970 e abriu caminho de uma forma surpreendente mesmo com produções de baixo custo. Segundo porque lançou no ano passado o filme “Crimes do Futuro” (2022), que marca o seu retorno às origens, disponível para aluguel em serviços de streaming (Apple TV e Mubi).
E terceiro porque Cronenberg faz parte de uma geração de diretores independentes surgidos na década de 1980 que renovou ares e ocupou espaços na indústria cultural planetária. Só para ficar em alguns, lembramos de Jim Jamursch, Peter Greenaway, Stephen Frears e Lars Von Triers. Nesse mesmo período, era inevitável a comparação da cinematografia de Cronenberg com a de outro David, o Lynch, já que ambos tinham como especialidade criar filmes incômodos, com situações bizarras e personagens grotescas.
Não havia, porém, uma disputa. A riqueza da arte de cada um deixou evidentes as diferenças entre eles, que levaram a caminhos distintos. Enquanto Lynch é celebrado hoje como ícone da indústria mainstream, Cronenberg mantém-se como um símbolo inabalável do cinema “cult”. Como nem todos os seus filmes estão disponíveis nos serviços de streaming, vale a pena dar uma passada nas salas do festival Olhar de Cinema e acompanhar a carreira de um dos maiores transgressores do cinema mundial.
LINKS E REFERÊNCIAS:
Site oficial do festival e link para ingressos:
https://www.olhardecinema.com.br/
Cinematografia no site Adoro Cinema:
https://www.adorocinema.com/personalidades/personalidade-1033/filmografia/
Minibio no site Rotten Tomatoes:
https://www.rottentomatoes.com/celebrity/david_cronenberg
Infos gerais em Wikipedia:
https://en.wikipedia.org/wiki/David_Cronenberg
O resto é tudo da minha cabeça!