Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é uma experimentação de “viagens” por universos paralelos possibilitada com o uso da realidade virtual
Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é exatamente o que diz o título. É uma tentativa de reunir temas relevantes para as novas gerações na atualidade sob os mais diversos aspectos durante duas horas e meia, numa velocidade estonteante, apresentando uma experiência do uso da tecnologia mais moderna hoje ao alcance da humanidade: a realidade virtual proporcionando acesso ao multiverso.
O enredo abre ao espectador a possibilidade de experimentação de viagens “guiadas” por universos paralelos, conforme as opções do “navegante”, exatamente como propõe o multiverso. A narrativa original e inovadora segue, porém, a mais tradicional das escolas do cinema de artes marciais, originada na China nos anos de 1950, com muita pancadaria e cenas de kung fu fighting.
O grande pulo do gato para realizar essa miscelânea de ideias é a edição da obra, com o uso e abuso do software Adobe After Effects VFX, que, como diz o nome, executa todas as tarefas digitais de pós-produção do filme num computador. Certamente, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é o filme com a edição mais veloz de timing e efeitos especiais da história.
Os responsáveis por tanta ousadia são dois jovens talentosos de 35 anos, que se conheceram fazendo cinema na Emerson College, em Boston, Massachusetts, e que passaram a se autodenominar de The Daniels em 2011. A dupla Dan Kwan e Daniel Scheinert emplacou no mercado do entretenimento norte-americano dirigindo e produzindo videoclipes e séries para a TV.
Associação com poderosos do Universo Marvel
O grande projeto da dupla foi anunciado em 2017, quando começou a produção de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo. Junto com o antigo parceiro Jonathan Wang, os The Daniels se associaram aos veteraníssimos Russo Brothers, que são os irmãos Anthony e Joseph Russo, consagrados diretores e produtores da indústria de filmes de ação.
Os Russo Brothers são autores de quatro blockbusters da franquia Marvel Cinematic Universe (MCU), incluindo Vingadores: Ultimato, de 2019, a maior bilheteria da história, que arrecadou quase US$ 2,8 bilhões em todo o mundo. Por aí, já poderíamos imaginar o tamanho do calibre da produção que viria da união das duas duplas.
Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo foi um dos lançamentos mais impactantes de 2022, ganhando de imediato o público jovem, lotando salas de cinema nos Estados Unidos e tendo milhões de downloads no mundo inteiro. A competência da edição e a curiosa narrativa ficcional também logo chamaram a atenção da crítica e da mídia.
Produzido pela A24, o mais independente dentre os grandes estúdios, o resultado tem sido uma sequência de vitórias nas principais premiações da indústria cinematográfica neste início de 2023. Foi o principal ganhador do Critic’s Choice Award, do Screen Actors Guild Award e do Directors Guild of America Awards.
Elenco afinado com atuações vigorosas
Para o Oscar no próximo dia 12, as expectativas são as melhores possíveis. Tudo em Todo Lugar ao Mesmo tempo pode se beneficiar da tradição da Academia de Artes e Ciências de Hollywood de premiar os bons filmes de artes marciais como aconteceu em 2001 com O Tigre e o Dragão, estrelado também por Michelle Yeoh.
Além dos trunfos da narrativa absurdamente inovadora e competente uso da tecnologia, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo impressiona pelas atuações individuais vigorosas e superafinadas do elenco todo. As situações surreais e de puro nonsense são compensadas por desempenhos fantásticos que vão do pastelão ao drama sem muitos esforços.
Aqui vale o parêntese de atenção para o bife (longo texto de um só ator durante a cena) de Ke Huy Quan, ator que faz o marido da protagonista. Ele eleva o nível do filme ao fazer, perante os atos violentos e reativos de sua esposa, um longo e belo discurso em defesa da gentileza como forma de resolução dos problemas do cotidiano e de relacionamentos. Só por essa cena, merece os prêmios de Melhor Ator Coadjuvante que tem levado nos festivais competitivos.
Quanto à Michelle Yeoh, trata-se de uma veteraníssima atriz e estrela dos filmes de pancadaria e artes marciais há muito tempo. Eleita Miss Malásia aos 20 anos, em 1983, logo provou que não era apenas um rostinho bonito. Mesmo sem ser lutadora, despontou como talento nos filmes de artes marciais. Começou em produções de baixo custo em Hong Kong.
Até que, em 1997, foi convidada para estrelar 007 – O Amanhã Nunca Morre ao lado de Pierce Brosnan. A partir daí, sua carreira nos filmes de ação tem sido ascendente e chega neste ano ao reconhecimento planetário com os prêmios de Melhor Atriz que tem recebido pela sua atuação em Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo.
O poder da “rosquinha” no universo paralelo
O núcleo familiar que move o enredo é completado pela filha e pelo avô, feitos por Stephanie Hsu e James Hong, respectivamente. Os dois protagonizam as cenas mais hilárias e absurdas do filme. No universo paralelo, eles assumem os papéis de antagonistas à nossa querida e sofrida heroína, dona de uma lavanderia decadente e cheia de dívidas.
Filha e sogro tentam, lá do outro lado, acabar com a vida da nossa heroína, inclusive utilizando todo o poder inalienável e magnético da “rosquinha” – sim, aquele biscoito no formato que lembra certa parte do corpo humano. Não precisa falar mais nada para se perceber o grau das piadas e das viagens ao longo do filme.
Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é o típico filme que se ama ou se odeia. Dificilmente, há um meio termo. A velocidade com que a edição é realizada pode ser o gatilho para uma paixão imediata ou para um incômodo irresolvível. No início, é possível até a rapidez da sucessão de fatos provocar certa preguiça.
Mas o roteiro em zigue-zague é muito bem amarrado e totalmente justificado, embora apresente sequências caóticas e que aparentemente não façam sentido. Principalmente porque o advento da realidade da virtual permite a navegação em situações fantasiosas e surreais como as apresentadas em Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo.
Temas relevantes para novas gerações
Para arrematar e tornar ainda mais atraente para o público jovem e antenado, o filme aborda temas hoje no topo dos debates e preocupações das novas gerações, como a questão de gênero (a filha é lésbica e casada com uma fofa) e dificuldades de relacionamento entre pais e filhos.
O texto tangencia ainda temas como preconceito racial (discriminação em repartições públicas), multiculturalismo (a mãe fala com o marido em mandarim, com o sogro em cantonês e com a filha numa mistura do inglês com o chinês) e, claro, a eterna luta entre #maisgentileza versus #menosviolência.
Por tudo isso, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo tem feito carreira meteórica e em ascensão.