Antigamente, trabalhar em televisão era sinônimo de reconhecimento e status. O mundo mudou de forma radical. Confira como foi essa trajetória e como têm se saído alguns dos ícones da cultura pop do final do século passado que hoje veiculam seus próprios programas em plataformas digitais
As primeiras referências brasileiras que uniram o universo da música e o fenômeno do audiovisual datam dos primórdios da televisão no país. Em meados dos anos 1960 era possível identificar uma boa dezena de programas voltados ao público jovem, com a linguagem do iê iê iê. Mais notadamente a Jovem Guarda — o programa comandado por Roberto Carlos, Wanderléia e Erasmo Carlos, entre 1965 e 1968.
Ronnie Von, Caetano Veloso, Jair Rodrigues, Elis Regina, entre muitos outros também tiveram seus momentos na tevê, comandando atrações que iam ao ar normalmente aos fins de semana, concorrendo uns com os outros, transformando corações e mentes. Era uma briga de opiniões em audiências familiares bastante disputadas.
Para além das fronteiras de Rio-SP, diversas atrações semelhantes em afiliadas, retransmissoras ou mesmo em redes próprias locais reproduziam o mesmo espírito. Sempre com a mesma linguagem, apresentando novas bandas e diversos artistas solo. Uma verdadeira febre que culminou com os grandes festivais. Esta foi uma das formas como a cultura pop se impôs no Brasil. As outras foram a indústria fonográfica e obviamente o rádio.
Na década seguinte, com o amadurecimento da tevê e a imposição das grandes redes como Tupi, Globo, Bandeirantes e Record, surgiram programas específicos. As coisas começaram a mudar de verdade quando foi ao ar a estreia do programa Sábado Som, nada menos com o Pink Floyd ao vivo em Pompeia, pela primeira vez exibido completo no país. O programa foi conduzido por Nelson Motta desde esta tarde de 1974 até 1975, na Globo. Depois, ainda na “vênus platinada” veio o Rock Concert (1976-1978), apresentado em voz off pelo cantor Gileno, com pesquisa da lenda do rádio o DJ Big Boy. “Disk jockey” era o termo à época.
Daí até a entrada dos 1980’s com a incrível “Fábrica do Som”, apresentada na TV Cutura de SP pelo publicitário e produtor de vídeo Tadeu Jungle, mais o Boca Livre e o Matéria Prima (também na Cultura), por Kid Vinil e Serginho Groismann, respectivamente. Esse período foi fundamental para o aparecimento na mídia de alguns heróis dessa história. Bandas como Cólera, Inocentes, Devotos de Nossa Senhora, Garotos Podres e Ratos de Porão davam as caras pela primeira vez, graças a tais atrativos televisivos. Nada mais seria como antes.
Em 1990, o jovem Gastão Moreira retornava de Londres onde passara um ano após se formar em Direito na PUC-SP, quando deparou-se com breve notícia no rádio do carro. O spot dava conta de que a MTV aportava no Brasil e estava promovendo testes para futuros membros de sua equipe. Gastão resolve ficar, e enfim realizar o sonho de “viver de música”.
O advento de um canal exclusivo de música televisionada mudou completamente o panorama da veiculação de cultura pop no país. Aparecer na MTV era completar um círculo virtuoso que toda banda necessita percorrer para atingir seus objetivos. Ensaiar, tocar, formar plateia, gravar demo, gravar álbum, produzir um videoclipe e, finalmente, este vídeo ser veiculado pela MTV. Este círculo mexeu com a indústria, que passou a incluir esta nova forma de produção cinematográfica como essencial ao produto que pretendia-se vender.
Para além, surgiu uma nova “profissão” dentro do universo de comunicação: o VJ. Apresentador de videoclipes, entrevistador, e responsável pelas notícias do mundo da música.
Alguns dos ‘heróis” elencados na década anterior ganhariam fama e prestígio, graças à televisão. Desta feita como protagonistas, digamos “do outro lado do balcão”. O próprio Gastão (Ripmonsters), mais João Gordo (Ratos de Porão) e o folclórico Thunderbird (Devotos de Nossa Senhora) foram alguns destes exemplos. Sujeitos oriundos das profundezas do punk e do metal paulistano, direto à audiência massificada da tevê. Assim se passou mais uma década.
Aí veio a internet e o novo século. A MTV decaiu até sumir. Em 2005 surge o YouTube. Ninguém deu muita atenção a princípio. Novos parâmetros e paradigmas passariam a ser enfrentados. Para se ter uma ideia, o Google pagou a bagatela de 1,6 bilhão de dólares pelos direitos da plataforma.
Funciona — mais ou menos — assim: qualquer pessoa pode abrir seu próprio canal. Essa pessoa pode veicular o que quiser, e a exemplo de qualquer rede social, amealha seguidores inscritos, e audiência contada por vídeo exibido. Algumas regras semelhantes às de qualquer rede social são impostas,evitando veiculação de violência, sexo explícito, discurso de ódio, etc. A partir do número de mil inscritos em cada canal,o YouTube começa a monetizar e a destinar uma certa quantia ao dono (pessoa física ou jurídica, tanto faz) do canal. Assim nada mais foi como antes, mais uma vez.
2020. Estamos na era dos “influencers”. Gente oriunda — ou não — do ambiente estético da tevê antiga, hoje consegue ganhar a vida com um simples canal em algumas das mais populares plataformas digitais. Figuras como Felipe Neto arrecadam milhões. Seria esse fenômeno a consagração do “do it yourself” ou os tais “15 minutos de fama” de Andy Warhol?
O fato é que muitos daqueles “heróis” que apontamos no advento da MTV Brasil estão ainda firmes e fortes com seus próprios canais para além do YouTube. João Gordo mantém o seu Panelaço, onde conversa com personalidades musicais enquanto prepara receitas veganas. Gastão está há quatro anos com o Kazagastão (KZG), onde conta com a colaboração de Clemente, site respeitadíssimo de notícias e entrevistas do mundo do metal, punk e alternativo. Luiz Thunderbird tem o seu Music Thunder Vision, de variedades musicais e entrevistas, tal e qual. O ex baterista do Muzak e jurado do programa Raul Gil, Regis Tadeu também tem seu próprio canal. Para além da música, o jornalista Eduardo Bueno — ícone da contracultura e tradutor de On the Road para o Brasil nos ano 80 — dedicou-se à História como um todo. Sempre com abordagem bem humorada e de linguagem pop, vale a pena conferir o canal do “Peninha” também: o Buenas Ideias.
Todos com seguidores aos milhares conseguem, entre as mais diversas atividades que exercem, não deixar a peteca da música e da cultura cair, na base da paixão.
A “videoblogosfera” é imensa. Visando algo mais que entretenimento, o Cultura930 deu um mergulho neste universo e levantou o que há de melhor em plataformas de audiovisual na internet para assistir. Do it yourself. Divirtam-se:
– KZG (Kazagastão)
Gastão Moreira talvez seja uma das pessoas que mais conhecem música no Brasil. Direto de sua própria casa, com o auxílio técnico da esposa Beatriz, noticia a velha e boa música, com ênfase no rock pesado, entrevista grandes figuras do rock nacional, pesquisa discografias de grande bandas e artistas, junto com Clemente (no quadro Heavy Lero), e com o parceiro Nando Machado (do Wikimetal) promove a divertida escolha do melhor disco de alguma banda escolhida na semana.
– Panelaço
Talvez o punk mais conhecido do Brasil, João Gordo passou poucas e boas durante os dez anos que trabalhou na MTV, depois na TV Record. Problemas com a obesidade, má alimentação e consumo excessivo de drogas e álcool o levaram a diversos colapsos físicos, até uma cirurgia bariátrica e depois à abstinência das drogas e a adesão completa ao veganismo. Inspirado pela alimentação saudável e sempre com algum interessante entrevistado da música, O simpático roqueiro embala seu programa, cozinhando e apresentado novas receitas.
– Music Thunder Vision
Ex dentista, músico e um dos comunicadores mais populares dos “tempos românticos” da MTV, Luiz Thunderbird apresenta variedades e curiosidades do mundo da música, dando dicas preciosas sobre raridades imprescindíveis a quem se pretenda bom entendedor.
– Regis Tadeu
Também ex dentista, responsável pelas baquetas do grupo cult paulistano Muzak na década de 1980, Régis Tadeu faz as vezes de jurado maldito no programa de Raul Gil. Certamente um dos críticos musicais mais ferrenhos do país, amado e odiado pelo público. Tadeu é um ótimo contador de histórias e esclarece diversas dúvidas através de seu quadro mais famoso, o “Aposto que Você Não Sabe”, onde decifra e revela diversos mistérios do universo pop.
– Buenas Ideias
Conduzido por Eduardo Bueno, o Peninha, e produzido pela produtora do ex Casseta & Planeta Marcelo Madureira, o Buenas Ideias dá verdadeiras aulas de História sob uma ótica bem humorada e com a linguagem da juventude. Um verdadeiro sucesso de audiência.
Outros:
– CWB Live
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Fotos: digulgação