Ciranda Cirandinha. O jovem na roda-viva da vida real


Seriado de sete episódios bateu um retrato perfeito da passagem da adolescência para a vida adulta no final dos anos 1970

Nada estava combinado. Era uma cena como outra qualquer. Quando o personagem Hélio — vivido por Fábio Júnior — se vê pai solteiro, e mostra uma canção a seus companheiros de república. Inadvertidamente, Fábio canta a canção Pai, que compusera recentemente, e queria mostrar. Todos no elenco se emocionaram às lágrimas em cena, e aquilo que era pra ser um trecho da canção acabou indo ao ar inteiramente. Emocionou tal e qual os telespectadores em casa, e marcou a teledramaturgia nacional para sempre.

Se você tem mais de 45 anos certamente vai lembrar com perfeição do episódio descrito acima. Era parte da série Ciranda Cirandinha, que foi ao ar em 1978 em sete episódios, do qual o descrito é o sexto, de nome Toma que o Filho é Teu. Dirigida por um já estabelecido Daniel Filho e escrita por ninguém menos que Paulo Mendes Campos, um dos maiores cronistas do país em todos os tempos.

Era uma das primeiras incursões da TV Globo em seriados, até então exclusividade  — de certa forma — dos enlatados estrangeiros. A Globo já produzia novelas havia mais de década e o resultado foi um efeito cascata que resultou em diversas outras produções. Mas Ciranda Cirandinha tinha ainda um “efeito especial”: era voltada aos jovens, com a linguagem destes e suas aspirações e realidade. Pela primeira vez através dos raios catódicos da tevê.

O roteiro foi pedido por encomenda para Paulo Mendes Campos, após a exibição de um Caso Especial homônimo escrito por ele, exibido em 1977. A trama remetia a um grupo de quatro jovens que tem diversas adversidades na vida, e precisam sair da casa dos pais.

Uma tipologia junguiana foi sugerida pelo amigo diretor Domingos Oliveira a Daniel Filho e Mendes Campos. Com cada personagem representando um caráter desta: razão (Susana), sentimento (Tatiana), sensação (Hélio) e intuição (Reinaldo).

Hélio saiu de casa aos 14 anos e é uma espécie de hippie aventureiro, músico com aspirações de seguir carreira e apresentar suas composições, montar uma banda, e namorar muito. Reinaldo (Jorge Fernando) é jornalista recém-formado, tem 21 anos e trabalha com a ainda incipiente informática da época, como programador de computadores. Tatiana (Lucélia Santos) tinha relacionamento difícil com a família e precisou sair de casa, e seus dramas familiares ainda a perseguem em sua vida. Susana (Denise Bandeira) é a mais “adulta’ do grupo. Psicóloga formada, meio que encabeça a turma, centrada e consciente. Todos têm em comum a falta de grana e a necessidade de dividir um apartamento. Era um retrato das famosas “repúblicas de estudante”, nos anos 1970.

A música assumiu um papel bastante importante nas histórias dos jovens protagonistas.  Muitas vezes, a narrativa era conduzida por uma determinada canção, ao longo dos episódios. Não raro com Hélio (o músico do grupo, afinal) tocando os temas ao vivo, como no episódio descrito. É memorável também a passagem na qual Fábio Júnior interpreta As Time Goes By, de Herman Hupfeld — aquela mesma do filme Casablanca. A própria trilha sonora contava também com símbolos do cancioneiro pop da época, como Joe Cocker e Bob Dylan.

No início das gravações, o elenco costumava se reunir na casa de Daniel Filho, em troca de ideias, leitura do roteiro, sugestões para as cenas e tocar violão, tornando tudo muito informal. O objetivo era aproximar o elenco e a produção. O resultado foi uma interpretação muito natural e um jogo de câmeras bastante cinematográfico, em closes, cortes e ângulos inusitados. Além de um estilo de interpretação de natureza orgânica, à qual o público televisivo não estava acostumado.

Em 1979, Ciranda Cirandinha recebeu o prêmio Estácio de Sá, do governo do Rio. Recebeu ainda om prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Não durou muito no ar e não foi também um grande sucesso de audiência, para os altíssimos padrões Globo. Mas marcou profundamente a vida de muita gente à época, o que incluiu adolescentes, jovens e adultos.

O seriado foi lançado em DVD em 2008, pela Som Livre. A canção Pai inspirou Janete Clair a adotar o tema musical e nomear uma de suas novelas como Pai Herói (1979). A canção era uma homenagem de Fábio Júnior a seu próprio pai, e acabou sendo o maior sucesso do cantor até os dias de hoje.

Leia. Ouça. Assista:

Ciranda Cirandinha – Episódio 01

Ciranda Cirandinha – DVD duplo

Imagens: reprodução