Diretor do Olhar de Cinema fala dos estragos causados pelo governo anterior e comemora hoje o retorno às salas de cinema com a criação da mostra Competitiva Brasileira
Antônio Gonçalves Junior, de 39 anos, paulistano de nascimento e curitibano por adoção, criou junto com amigos em 2012 o festival Olhar de Cinema enquanto ainda cursavam a faculdade de Cinema. De lá para cá, ele tomou a frente do empreendimento e hoje conduz a mais significativa mostra brasileira do cinema independente.
Em 2023, o festival volta plenamente ao formato presencial e conta com 87 títulos, entre curtas, médias e longas-metragens, exibidos em salas do Cine Passeio, Cineplex Novo Batel e Teatro da Vila, até a próxima quarta-feira, 21, com sessões dos filmes premiados no dia 22, quinta-feira.
Nesta entrevista à Cultura 930, Antônio fala dos estragos no cinema brasileiro causados pelo governo anterior. Além da pandemia, a paralisação de políticas públicas fundamentais para o mercado cinematográfico afetou fortemente o setor. Ele prova, por A mais B, que foram no mínimo oito anos de atraso num governo de quatro.
“Mas passou!”, sentencia.
Agora, Antônio comemora o retorno do Olhar de Cinema às salas de cinema com uma grande novidade: a mostra Competitiva Brasileira, com premiações em diversas categorias, só com filmes inéditos. Os motivos para privilegiar a produção nacional, os ensinamentos da pandemia e as referências mundiais do Olhar de Cinema são outros tópicos abordados pelo diretor do festival.
Boa leitura!
Cultura 930 – Em que a experiência de duas edições online e uma em formato híbrido contribuíram para a realização da versão do retorno presencial do Olhar de Cinema em 2023? O que mudou?
O Olhar de Cinema teve duas edições 100% online, em 2020 e 2021. Em 2022, a gente voltou para uma edição presencial, mas ainda mantendo bastante coisas do online porque os casos da Covid 19 voltavam a aumentar naquele período. Então, foi uma edição meio confusa, até meio estranha. Em 2023, a gente volta plenamente para as salas de cinema. Mas, claro, os aprendizados foram vários. Primeiro, a gente manteve exibições online na edição deste ano. Estamos com uma parceria com o Itau Cultural Play que vai fazer a exibição de diversos curtas-metragens brasileiros que estão no Olhar de Cinema de 2023, de 20 de junho a 4 de julho. E temos diversas atividades que vão ser exibidas online, como o Seminário de Cinema de Curitiba (15 a 21 de junho, às 11 horas) e as conferências com a imprensa (todos os dias, às 10h15), além da cerimônia de encerramento e premiação (dia 21, às 20h15). Isso tudo vai ser transmitido através do nosso Canal do YouTube (https://www.youtube.com/@olhardecinema) e é fruto das edições online porque, antes da pandemia, a gente não fazia nenhum tipo de exibição assim.
Cultura 930 – Como os três anos de pandemia influenciaram no panorama da produção mundial e brasileira do cinema independente? E, por consequência, nas escolhas do Olhar de Cinema deste ano?
Os três anos de pandemia foram extremamente complicados para o cinema. Além de tudo, a gente teve uma complicação maior ainda por conta da paralisação da Ancine no governo anterior. Então, juntou essas duas coisas durante quatro anos muito difíceis para o cinema brasileiro. Muito difíceis para a cultura em geral. A gente está hoje realmente num momento de celebração e otimismo, com a volta das produções, dos incentivos e do financiamento ao setor. Com a volta do estímulo a essa indústria, que é tão importante para o Brasil gerando milhares de empregos e bilhões para o Produto Interno Bruto brasileiro.
Cultura 930 – Seguindo o mesmo raciocínio do “antes e depois”, como o Olhar de Cinema se reapresenta ao público após o governo de Jair Bolsonaro? Evoluímos ou involuímos?
A gente involuiu – e muito – dentro do cinema. Infelizmente. A gente vinha num momento superbom de políticas públicas importantes, de estruturação do setor, diversos players internacionais do streaming chegando e produzindo no Brasil e isso foi parado durante quatro anos de uma maneira completamente absurda, leviana e irresponsável. E isso foi uma grande perda de tempo. Porque um filme é demorado para ser feito. A gente leva anos para um filme ser feito. Então, quando a gente perde quatro anos não são só esses quatro anos que são perdidos. São quatro anos e mais três ou quatro anos que a gente fica desenvolvendo aquela obra. Muitas pessoas desistiram porque, às vezes, as obras envelhecem. O mundo hoje muda muito rápido. Então, foi um impacto de oito anos que a gente perdeu num momento em que a gente estava super bem. Até 2017, 2018, a gente vinha com crescimento, com perspectiva de melhora. O setor audiovisual crescia a 10% ao ano. Era realmente um momento muito bom. Infelizmente, a gente teve esse problema gravíssimo. Mas passou! Acredito que ainda vá demorar uns bons anos para se reestruturar. Mas pelo menos já tem um pensamento e uma vontade de que o setor volte a ser um setor importante dentro da economia do país.
Cultura 930 – Em uma frase, para que direção ou tendência o Olhar de Cinema está olhando em 2023?
O Olhar de Cinema em 2023 está olhando para as diversidades. Diversidades de olhares, de propostas, de territórios geográficos. Essa é a característica, a tendência, do Olhar de Cinema em 2023.
Cultura 930 – Neste ano, o Olhar de Cinema separou as mostras competitivas em quatro categorias: curtas nacionais e internacionais e longas nacionais e internacionais. O que motivou esta decisão?
Certamente neste ano a grande novidade é essa. A gente separou a competitiva brasileira e mantivemos a competitiva internacional só com filmes de fora. Isso veio muito no intuito de valorizar o cinema brasileiro. A competitiva brasileira vem com uma premiação muito mais ampla. Tem premiações de melhor filme, direção, roteiro, atuação, montagem, fotografia, arte e som. Isso faz com que a gente prestigie mais a indústria audiovisual e os profissionais que fazem o cinema brasileiro. Também é reflexo da quantidade de filmes brasileiros que a gente estava recebendo ultimamente. Uma quantidade imensa de filmes. Neste ano, foram 125 filmes longas brasileiros inéditos que estavam aptos a concorrer à competitiva brasileira. O Olhar de Cinema se caracteriza por privilegiar filmes inéditos. Então, veio muito nesse intuito de dar essa valorização, de realmente trazer para um espaço mais privilegiado e promover esse diálogo entre os filmes brasileiros. Com certeza, é esse o nosso objetivo principal com essa mudança e a criação da mostra competitiva brasileira.
Cultura 930 – O Festival de Curitiba se inspira no Festival Fringe de Edimburgo. O Olhar de Cinema possui alguma referência mundial de conceito ou no formato? Se sim, quais as similaridades e as diferenças?
Quando a gente criou o Olha de Cinema, a gente teve várias referências. Ao longo dos anos, a gente vai se inspirando e se reinventando também. Mas alguns festivais que a gente gosta muito – e a gente se inspira – são o Festival de Berlin, o Bafici (Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independiente) e o Festival de Cinema do Uruguai, em Montevidéu. Desde que a gente resolveu montar o Olhar de Cinema, a gente se inspirou bastante nesses festivais por diversos motivos, como questões de estrutura, questões geográficas, questões até de clima. Com certeza, estas foram as referências. Mas é um mix de referências. Não tem um festival específico que seja referência única.
Cultura 930 – O Olhar Retrospectivo presta tributo ao canadense David Cronenberg e a mostra Foco reúne filmes da produção independente de Quebec. Há um diálogo direto desta edição do Olhar de Cinema com o Canadá?
Essa questão da mostra Olhar Retrospectivo e da Foco terem a ver com o Canadá foi uma grande coincidência. A gente estava trabalhando o Olhar Retrospectivo com alguns nomes, e o Cronenberg era um deles. A parceria com Quebec vem há mais de um ano. No ano passado, a gente fez uma seleção de filmes brasileiros que foi apresentada no Festival Internacional de Documentários de Montreal, em Quebec. E, neste ano, eles estão trazendo os filmes quebequenses para Curitiba. Então, foi uma grande coincidência. Mas é claro que fica essa atenção especial ao Canadá, sabendo que o Cronenberg tem filmes canadenses e uma grande quantidade de filmes que foram feitos fora do Canadá. Foram dois caminhos que a gente vinha trilhando e que acabaram dando certo.
Cultura 930 – Além das mostras competitivas, quais mostras irão conferir premiações aos filmes selecionados?
A gente tem a mostra Competitiva brasileira e a mostra Competitiva Internacional, que têm premiações tanto de curtas, quanto de longas. A gente tem a mostra Novos Olhares, que é uma mostra de cinema mais experimental, de busca de linguagem, de inovação, que também tem uma premiação de melhor filme. Temos também os prêmios parceiros. A Avec-PR, que é a Associação de Cinema e Vídeo do Paraná, premia o melhor filme paranaense entre curtas e longas. E a gente tem também o prêmio da Abraccine, que é a Associação Brasileira de Críticos de Cinema, que vai dar o Prêmio da Crítica para os melhores filmes das mostras competitivas brasileiras de curtas e longas.
Entrevista realizada por áudios via Whatsapp
(Apoio da Assessoria de Imprensa do Olhar de Cinema)
Fotógrafo: Walter Thoms
Fotos 1 e 3: Antônio Gonçalves Junior
Foto 2: Noite de abertura do Olhar de Cinema, na Ópera de Arame
Minibio de Antônio Gonçalves Junior:
Antonio Gonçalves Junior, 39 anos de idade e 13 anos de experiência como produtor cinematográfico. Formado em Cinema e Vídeo pela Unespar (Universidade Estadual do Paraná) e em Relações Públicas pela UEL (Universidade de Londrina), com especialização em Comunicação e Cultura pela UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná). Fundador e diretor artístico do festival Olhar de Cinema – Curitiba Int’l Film Festival. Produziu os filmes: “Deserto Particular” (Giornate degli Autori Veneza), “Ferrugem” (Sundance, Melhor Filme Festival de Gramado), “Para minha amada morta” (7 prêmios Festival de Brasília, Zenith de Prata em Montreal, San Sebastian), “Circular” (Festival do Rio), “A gente” (Prêmio da ONU no Dok Leipzig), “Zona Árida” (Menção Especial no Dok Leizpig), “A mesma parte de um homem” (Prêmio Helena Ignez na Mostra de Tiradentes), “Jesus Kid” (Gramado), “Pátio” (Cannes), “O Estacionamento” (Melhor Curta Festival do Rio), “A Fábrica” (Oscar shortlist, Menção Especial Clermont Ferrand), “Ainda Ontem” (Clermont Ferrand), “Tarântula” (Veneza). Particippou do Talents Berlinale 2018. Produziu “Avó Dezenove e o Segredo do Soviético”, em coprodução Portugal-Brasil-Moçambique), e o longa “Nunca Nada Aconteceu”, em coprodução Portugal-Bélgica-Brasil. Está produzindo três novos longas e uma série para os próximos meses.