Escritora considerada pornográfica foi a primeira personalidade literária a atingir a marca de um milhão de livros vendidos no país. Teve a vida marcada pela censura, preconceito e mistério acerca de sua vida pessoal
Odete Perez Rios ainda era uma adolescente de 16 anos quando já contava dois romances escritos e concluídos. A jovem, nascida em 1932 no bairro de Perdizes em São Paulo, optou por publicar A Volúpia do Pecado (1948), que contava a história de duas adolescentes apaixonadas. Um romance lésbico.
A ansiedade juvenil levou Odete a querer procurar imediatamente uma editora para publicação. Pragmaticamente, tentou a lista telefônica. Foi de A a Z recusada uma por uma. A temática era tabu. Entretanto, a verdade é que a maioria sequer se dava ao trabalho de ler os originais. Odete arrumou um emprego e tentou a auto edição. Burguesa, a família olhou com desconfiança a necessidade de a filha trabalhar fora. A mãe, sem conhecimento do pai, acabou mediante promessa feita a Odete de “nunca ler a obra”, bancar a impressão do livro.
A necessidade de anonimato levou Odete a escolher o pseudônimo de Cassandra Rios. A inspiração veio do personagem da mitologia grega. O resultado foi uma surpreendente venda de mil exemplares em menos de um mês, o que levou ao interesse da gráfica-editora escolhida a oferecer 25 contos de réis pela exclusividade e os direitos das vendas posteriores. Nascia ali o primeiro grande nome da literatura erótica brasileira. E também seu maior mito.
O outro romance — Carne em Delírio — foi publicado no mesmo ano, e as vendas se repetiram. A partir daí, uma editora carioca lhe ofereceu 35 contos de réis mensais em contrato para publicação de todos os livros que escrevesse doravante. Um contrato impensável para a época. “Cassandra” passou a viver única e exclusivamente de seus livros. Algo até então inédito. As coisas foram muito bem até 1962, ano em que sofreu a primeira apreensão da censura. Depois de dez edições, A Volúpia do Pecado foi proibido em território nacional. A repercussão, ao invés de atrapalhar, elevou Cassandra ao posto de autora mais vendida do Brasil. Em 1970, foi a primeira mulher a atingir a marca de um milhão de livros vendidos. Apenas Jorge Amado e José Mauro de Vasconcelos lhe faziam frente.
No entanto, desde 1964, com o golpe militar, Cassandra passou a ser conduzida ao Dops a cada vez que uma obra sua era editada. Famosa, porém desconhecida, Cassandra Rios nunca deixou de ser apenas Odete, a moça de vida simples, apegada à família, que devido à venda de seus livros mantinha um padrão de bastante conforto. Era proprietária de um apartamento no centro de São Paulo, uma casa em Interlagos e uma chácara em Embu das Artes, além de uma livraria na qual vendia seus livros e diversos automóveis.
Pouco se sabia sobre sua vida pessoal. E não era pouca a boataria que aventava sobre sua real existência ou não. Dizia-se que mantinha “um harém de mulheres”, que “era um homem que escrevia em seu lugar”, “que era tudo verdade, ela fazia tudo aquilo mesmo”. “Cassandra procurada pela delegacia de costumes” foi uma das manchetes de jornal à época. Em 1968, a barra pesou de fato. O AI-5 começou a perseguir pra valer a tudo e todos que representassem ameaça ao regime. Entre 1965 e 1971 nada publicou oficialmente. Vivia a dar os dribles na censura pela liberação de suas obras anteriores. Grandes sucessos de venda por décadas a fio. Adotou pseudônimos estrangeiros – masculinos e heterossexuais – e vendeu ainda mais. Seu lesbianismo na vida pessoal a deixava mal com a censura, no entanto. Como podia o sexo ser liberado mas o sexo entre mulheres não?
Até 1976, cerca de 30 obras suas já haviam sido proibidas, e Cassandra faliu. Passou a viver de forma mais modesta, escreveu em jornais e revistas e trabalhou em rádio. Em 1978 publica A Santa Vaca, um desabafo acerca de seus problemas com a censura e a hipocrisia da sociedade. Nunca se considerou pornográfica. Dizia que o sexo em sua obra “era consequência natural do amor, não do propósito de chocar que é composta a pornografia”.
Após entrevistar Adhemar de Barros no rádio em 1986, foi convidada pelo ex-governador a candidatar-se pelo PDT, partido de Leonel Brizola. Topou, mas não se elegeu. Viveu discretamente até o fim de sua vida em 2002, quando veio a falecer, aos 69 (!) anos.
O documentário Cassandra Rios: a Safo de Perdizes (Hannah Korich, 2013) homenageou a autora relembrando uma década de sua morte. Cassandra Rios continua sendo uma das autoras mais vendidas do país, com suas marcas raramente igualadas por best sellers que vieram depois. Sua obra estabeleceu novos parâmetros para o entendimento da sexualidade da mulher. Prodigiosa, sua importância é imensurável.
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Imagens: reprodução
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Cassandra Rios: A Safo de Perdizes (2013)