No fim de semana do dia 31 de julho de 2022 o compositor baiano Caetano Veloso disse estar feliz em ouvir “Fora Bolsonaro” em Curitiba, diante de um Teatro Guaíra lotado, muita gente dita intelectual e progressista da cidade tomou isso como um elogio lacrador, afinal, era uma benção de um dos maiores artistas do país sobre o comportamento curitibano.
Eu observei isso de maneira hesitante, claro que o discurso do cantor mesmo parecendo elogioso vinha coberto de um estereótipos que nos acompanham há muito tempo. É inegável que nós, cidadãos do sul do Brasil, soframos de um complexo de vira-lata, cusco, guapeca ou como preferir chamar, ainda mais quando chegamos em anos de corrida eleitoral e nos lembramos daquilo que foi desejado pela maior parte de nossa população e que a esfera da “lacrolandia” coloca como ordem sobre nós, fascistas, de direita, conservadores, racistas, sem importância e etc. É fácil demais apontar o dedo para uma região brasileira e taxá-la de algo, até porque o discurso da brasilidade como ordem no “eixo Rio-SP” parece ser diferente quando falamos daqui, a opinião pública nos trata de maneira soez, como pífios na composição do imaginário, se não o estereótipo de gaúcho de botas e bombachas.
No futebol, aquela coisa que é a mais importante dentre as menos importantes podemos nos lembrar da Geral do Grêmio de Porto Alegre cantando o hino Rio-grandense em cima do hino nacional, após as crônicas esportivas diminuírem o futebol do clube que seria campeão naquele ano de 1996, ou todas as vezes em que existe um duelo entre o Atlhético Paranaense com qualquer clube do eixo, que lá vem de maneira deletéria comentários na
mídia nacional. Mas isso é futebol e isso supera em campo.
O discurso hegemônico da brasilidade vilipendia as possibilidades de brasilidades, nos impondo uma ideia de que aquilo que é retratado por aí é a mais pura verdade. Sim Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul ajudaram a eleger Bolsonaro, assim como Rondônia, Roraima e Mato Grosso, onde o candidato teve uma votação avassaladora, sem falar no Rio de Janeiro que manteve ele na vida pública por quase 30 anos. Mas não venho aqui
para apontar o dedo, nem fazer um discurso bairrista tão tacanho para nossos tempos, a proposta é entender aquilo que pode nos fortalecer enquanto sujeitos brasileiros, sul-americanos, cidadãos e cidadãs do mundo.
A música e as artes poderiam ser verdadeiros refúgios para isso, ainda mais em tempo de possibilidades tecnológicas, mas não são, mesmo aqui dentro, nas rádios e televisões todo artista precisa de um apadrinhamento ou benção de alguém que coloque essa ideia de hegemonia sobre o discurso retórico e o posicionamento do próprio artista. Na música a crise da canção se universaliza, não por falta de bons compositores, mas sim pelo excesso de necessidade em estar colado à linha evolutiva da música brasileira.
Quando Milton Nascimento disse que a música brasileira era uma “m**” ele deveria ter falado que os meios de divulgação dessa música é que são, com o “agro-pop” injetando receitas milionárias no sertanejo universitário. Por outro lado aquela que seria a MPB, de uma maneira patética se perdeu na “lacração”, não possibilitando ou propondo a ruptura revivendo outras gerações, outras canções e outros contextos, Belchior morreu para que
“Sujeito de Sorte” virasse camiseta, elemento de consumo como a Coca-cola em “Alegria Alegria” de Caetano Veloso que exalta nesse tema o folhetim “O Sol”, isso fez com que Belchior quase uma década depois escrevesse na canção “Foto 3×4” (para mim a melhor do álbum Alucinação) “Veloso o sol não é tão bonito”, porém nas versões de novos artistas da MPB muitas vezes o nome do antigo compositor baiano é suprimido, alterando todo o
sentido metafórico que Belchior impõe na letra, pois o Caetano de Belchior não entende o sertanejo que se muda para cidade grande, assim como o Caetano do Guaíra não entendeu Curitiba, porque o que chega para ele é a ideia de uma cidade modelo, que vive ainda na cadeia produtiva da ditadura, um paraíso para 100 mil e 1 milhão e 900 mil curitibanos marginalizados, uma cidade elitista, mas que pulsa humanidade nos 74 bairros que não são
o Batel.
Por isso não é obrigação de Caetano entender a nossa cidade, essa obrigação é nossa, artistas, poetas, intelectuais, sociedade civil, não tomemos o que foi dito no Guaíra como elogio, mas sim como um “acorda Pedrinho”, pois enquanto não olharmos para o lado, para nosso meio, nosso bairro, nossa gente, o “Quase” ainda vai imperar.
(Elian Woidello)
Foto: Pedreira Paulo Leminski vazia, simbolismo da arte por aqui!