Bom Fim. A história do Sul que ganhou o Brasil


Registro sobre o bairro boêmio dos anos 1960, 70 e 80 traz à tona efervescência que colocou Porto Alegre no cenário definitivo da cultura brasileira

Foi no percurso que compreende a rua Osvaldo Aranha, margeando a face norte-nordeste do parque da Redenção, que uma boemia toda especial se desenvolveu nos anos da década de 1960-70. Era o encontro universitário, em bares onde se conspirava a revolução, a redemocratização de um país sob ditadura e onde foi criada a música, o teatro e o cinema que marcariam toda uma geração. É famosa a “esquina maldita”, na Sarmento Leite com a Osvaldo. Era o “bonfa”.

Na entrada dos 1980’s, um certo ar “deu pra ti’ tomou os ares conduzidos pelo vento minuano que assola vez por outra a cidade à beira do lago Guaíba, equivocadamente chamado de rio ao longo dos séculos. A referida localidade atende pelo nome do bairro chamado Bom Fim. E o destino quis que uma ala um tanto identificável da fauna juvenil tomasse conta daquele pedaço, como sendo seu, e aberto a tudo e todos: a galera do rock’n roll. Recantos famosos como o bar Ocidente, Bar do João, Bar Fim, Lola, Lancheria do Parque e Escaler eram os pontos de encontro.

Filmes em super 8 foram feitos em profusão, com destaque para os icônicos Deu pra Ti Anos 70, Inverno e Verdes Anos. Peças como Bailei na Curva e as intervenções do grupo Vendem-se Sonhos tomaram os palcos e as ruas. A geração do Chopp Alaska finalmente invadiu o Festival de Gramado. O espírito do “faça você mesmo” ainda invadiu a televisão com o programa Pra Começo de Conversa, apresentado por Eduardo Bueno.

O rock gaúcho era até então conhecido por bandas como os progressivos Bixo da Seda, liderados pelo lendário Luiz Fughetti, e o rock rural do Almôndegas, a banda dos irmãos pelotenses Kleiton e Kledir Ramil. Nada muito além disso. Mas o período reservou o surgimento de nomes como Nei Lisboa e Julio Reny, além do visionário produtor Carlos Eduardo Miranda e a rádio Ipanema que proveu a difusão de toda ruidosa cena do Bom Fim. O resultado foi Defalla, Engenheiros, Replicantes, Cascavelettes, Expresso do Oriente, Garotos da Rua, e muito mais. O resto é história.

Essa história é contada em Filme Sobre Um Bom Fim (dir. Boca Migotto, 2015). Uma revisita documental contada por alguns dos personagens que fizeram parte daquela cena, que ajudou a colocar a cultura contemporânea do Rio Grande do Sul no mapa do mundo em definitivo. Boca Migotto empreendeu 13 anos de pesquisa e coleta de material além de dezenas de entrevistas até ver realizado o documentário, que estreou em 2015 no prestigiado festival É Tudo Verdade.

A reunião de tudo que foi possível e relevante acaba por traçar o melhor panorama possível, com excelente resgate histórico do lugar, que sofreu justamente no seu período de maior relevância uma devastação de seu patrimônio histórico pela especulação imobiliária. O registro de multidões reunidas contrasta com o vazio de quem conheceu o bairro décadas depois. Alguns dos lugares retratados ainda permanecem, como a Lancheria do Parque e o mítico bar Ocidente. Ainda é possível ver por ali quase todos os personagens ainda transitando, já um tanto grisalhos, mas com o mesmo brilho nos olhos quando relatam o cenário vivido mais de três décadas antes.

O filme apresenta, de fato, a Porto Alegre que ainda desperta saudade daquilo que foi. E a muitos, de algo que não se conheceu. O que pode melhor um documentário, sem dúvida.

Ouça. Leia. Assista:

Filme sobre um Bom Fim (completo)

Deu Pra Ti anos 70 (completo)

Verdes Anos (completo)

A História de Um Bom Fim (livro, Lucio Pedroso)

Imagens: reprodução