Período do revolucionário dramaturgo alemão em seu exílio nos EUA sempre foi obscuro e muito pouco comentado
Irascível, pobre e muito longe de casa, trajando roupas que hoje diríamos ser “de brechó” que soavam exóticas até para os ares de Los Angeles, bastante puídas, sem dominar praticamente nada do inglês. Esse era o retrato de Bertolt Brecht em seus anos de exílio na América.
Brecht revolucionou as artes cênicas na Alemanha a partir dos anos 1920. Conseguiu estabelecer linguagem e conceitos próprios, atraindo a classe trabalhadora para suas peças, que ele mesmo encenava. Já consagrado, a partir da eleição de Adolf Hitler em 1933, Brecht se exila na Suíça, depois Dinamarca, Finlândia, Suécia, Inglaterra, União Soviética, até chegar aos Estados Unidos.
Hollywood
Para ganhar o pão, cada manhã
vou ao mercado onde se compram mentiras.
Cheio de esperança
ponho-me na fila dos vendedores.Bertold Brecht
Parece impressionante, mas Bertolt Brecht passou a maior parte da Segunda Guerra Mundial trabalhando em Hollywood. Tentando a dura vida de roteirista, ia todas as manhãs para os estúdios apresentar seus projetos. Escreveu coisas como As Visões de Simone Machard, Schweyk na Segunda Guerra Mundial e O Círculo de Giz Caucasiano. Conseguiu sobreviver à tormenta do exílio causado pelo domínio nazista na Alemanha graças a seu incrível talento como dramaturgo, que fora transportado para a linguagem do cinema.
Brecht, em que pese ter o grande peso de seu legado e sua obra como encenador, sendo ele o criador do conceito de “distância crítica do ator” para com seu personagem, o público e a si mesmo como pessoa, o que foi chamado depois de “distanciamento brechtiano” — uma técnica de interpretação prestigiada até os dias de hoje — era acima de tudo um grande contador de histórias.
Em Hollywood, até 1947, foram mais de 50 roteiros entregues às mãos de produtores e agentes de toda sorte. A maioria deles não foram desenvolvidos certamente devido à forma como a Academia de Cinema enxergava a sétima arte na costa oeste. Uma compreensão deturpada (na visão do dramaturgo) de como se faz um bom filme. Outra razão era óbvia: a ligação de Brecht com o comunismo era notória, e contrastava completamente com o american dream.
“Vi Brecht. Ele estava tão sujo e com a barba por fazer como sempre, mas, de alguma forma, mais simpático e menos patético”
(Kurt Weill, 1942)
Hollywood sempre foi um grande negócio. Experimentos estéticos, apesar de idealizações e “loucuras” sempre acabarem “emplacando” de alguma forma — vide Orson Welles e Hitchcock — não era exatamente o distanciamento crítico proposto por Brecht, obviamente inspirado no materialismo dialético marxista — que seria servido nas mesas diretoras. Pelo menos não com sucesso e aceitação à saída das salas dos executivos dos grandes estúdios, após uma reunião regada a uísque e os charutos que o alemão tanto adorava.
Alemães exilados ou emigrados para os EUA participaram de diversas produções, na condição de atores, produtores, roteiristas ou diretores nas produções hollywoodianas, durante a guerra. Era vasta a procura por germânicos, chegando a fazer parte de cerca de aproximadamente 30% das quase duas centenas de filmes antinazistas realizados entre 1939 e 1946. Somente um roteiro escrito por Brecht emplacou.
Brecht não tinha muitos amigos. Era quase um freak nas rodas californianas. Mas conseguiu fazer dupla e trabalhar ao lado de um roteirista bastante requisitado e experiente, John Wexley, na história de Os Carrascos Também Morrem, (1943, Fritz Lang).
Brecht não gostou do filme. Acabou sequer aparecendo nos créditos. O patronato em Hollywood nunca foi de perdoar críticas e contrapontos oriundos da classe trabalhadora a serviço das produções, fossem elas vindas de atores ou roteiristas, muito menos estrangeiros exilados e comunistas. E ainda alemão, no caso.
Muitas pessoas conhecidas, amigas ou não, mas que reconheciam em Brecht o gênio do teatro que fora na Alemanha, encontraram com Brecht durante seus anos no exílio. Praticamente todas sem exceção o acharam um sujeito de difícil convivência, quando não um babaca. Do poeta W.H. Auden que declarou Brecht ser “uma pessoa absolutamente detestável” até o crítico de teatro Eric Bentleyo que o chamou de “pilantra, enganador, sem educação ou decência”.
A relação com os alemães emigrados pelo nazismo também não era das melhores. O filósofo Theodor W. Adorno, um dos principais nomes da Escola de Frankfurt, escreveu que “Brecht gastava duas horas por dia sujando suas próprias unhas, tentando fazer com que adquirisse uma aparência proletária”. Brecht devolvia dizendo que a turma de Frankfurt era um bando de “mandarins, elitistas culturais e intelectuais prostituídos”, e que “sua tarefa mais revolucionária era a de preservar o dinheiro da instituição”.
O parceiro autor das trilhas e canções de suas peças, o compositor Kurt Weil chegou a encontrá-lo e amenizou até, em carta para a esposa, datada de 1942: “Encontrei Brecht. Ele estava tão sujo e com a barba por fazer como sempre. Mas, de alguma forma, mais simpático e menos patético”, escreveu.
Isolado e sem amigos, Brecht teve de Hollywood o que ela tinha para dar: para a ensolarada Califórnia o dramaturgo era um comunista, maltrapilho, de difícil trato e muito mal-educado. Não deu pra ele a “cidade dos anjos”, especialmente após o início das perseguições do machartismo.
Brecht voltou à Alemanha — então Alemanha Oriental — no final de 1947. Lá dirigiu a partir de 1949 o Berliner Ensemble — com muito sucesso — até sua morte, em 1954.
….
Ouça. Leia. Assista:
Brecht in Hollywood, de Jurgen Alberts
Bertolt Brecht speaks in the House Committee on Un-American Activities – Youtube
Brecht – Vida e Obra, de Fernando Peixoto
…
Imagens: reprodução