Legenda: Equipe de audiodescrição na capacitação do MIS.
Entre 30 de novembro de 2021 e 31 de maio de 2022, estava aberta para visitação a exposição “Imagens do MIS: Diálogos com o Tempo”. A mostra reunia fotografias históricas do Museu da Imagem e do Som do Paraná (MIS-PR) e estabeleceu mais um marco para o museu, já que foi a primeira exposição do espaço cultural que contou com o recurso da audiodescrição.
O trabalho de audiodescrição foi feito pela Vias Abertas Comunicação, Cultura e Inclusão. Além da audiodescrição, a organização produz legendas e tradução em libras para surdos e ensurdecidos, oferece consultoria para projetos e atua na defesa dos direitos da pessoa com deficiência.
Apesar de ser novidade para Curitiba, a audiodescrição em museus vem numa crescente desde a promulgação da Lei Brasileira de Inclusão (LBI) em 2015.
“Tenho visto a expansão de demandas por Audiodescrição em estados como Rio de janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul , Paraná, Pernambuco e Ceará… A maior demanda por Audiodescrição se mantém em São Paulo pelo fato de ter uma estrutura de gestão de bens culturais em iniciativas do setor privado”, explica Michel Cândido, audiodescritor e servidor público da Secretaria de Desenvolvimento Social do estado de Minas Gerais.
A lei 13146/2015 garante às pessoas com deficiência o acesso à programas de televisão, cinema, teatro e outras atividades culturais em formato acessível, bem como a monumentos e locais de importância cultural.
A partir da publicação da LBI, aumentou a demanda e a oferta de conteúdos com audiodescrição em diversas instituições privadas, incluindo bancos, televisões abertas e administradoras privadas de museus.
Cenário atual
Em Curitiba, durante o ano de 2022, foram apenas dois projetos de audiodescrição para exposições em museus. Além do “Imagens do Mis, diálogos com o tempo”, realizado pela Vias Abertas, a exposição “Viva! 30 anos do Festival de Curitiba” contou com audiodescrição da locutora publicitária e audiodescritora Raquel Carissimi, nos fins de semana de 16-17/04 e 23-24/04.
Também houve projetos pontuais de audiodescrição no Museu Municipal de Curitiba (MUMA) em 2019 e 2021, e no Museu Casa Alfredo Andersen (MAA) em 2018 [a obra no MAA ainda está disponível com o recurso].
Para ilustrar, enquanto em Curitiba foram duas exposições com audiodescrição durante o ano, no estado de São Paulo são quatro museus que disponibilizam o recurso: Museu Pelé, em Santos, Museu Índia Vanueri, em Tupan) museu Afro Brasil e Museu do Futebol, ambos em São Paulo.
Nacionalmente, destacam-se também o Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Recife-PE), o Museu do Doce (Pelotas-RS) e o Museu Histórico Nacional (Rio de Janeiro-RJ).
Como funciona:
Existem várias modalidades de audiodescrição, envolvendo formatos de produção e execução. A audiodescrição pode ser gravada ou ao vivo, de imagens estáticas (fotografias, esculturas, pinturas) ou imagens dinâmicas (filmes, séries, teatros, ETC.).
“Num filme você coloca audiodescrição nos intervalos de silêncio, entre as falas, e na imagem estática você tem um tempo todo pra descrever. [na imagem estática] Você não tem diálogo, mas você tem que tomar cuidado pra não ser uma descrição muito longa, porque numa exposição com 30 imagens, se ficar muito longa cada uma das descrições você acaba deixando a exposição cansativa”, explica Manoel Negraes, consultor de audiodescrição e fundador da Vias Abertas.
No caso da exposição “Imagens do MIS: Diálogos com o Tempo”, as descrições foram gravadas e disponibilizadas na internet. Para ouvir a descrição das imagens, era necessário apontar a câmera do celular para onde estava o QR code, baixando o aplicativo “leitura de código de barras e QR codes”.
Já os dois filmes que fizeram parte da exposição contaram com audiodescrição que ficou disponível a todos os usuários que entravam na sala de exibição, sem a necessidade do aparelho receptor com fone de ouvido, embora fosse possível solicitá-lo.
Além da definição do formato e da disponibilização da audiodescrição, existe um trabalho prévio de estudo para elaboração do roteiro para a narração das imagens.
“A Audiodescrição em museus é feita com uma equipe composta pelo educativo do museu, o consultor em acessibilidade (consultor com deficiência visual especializado em análises de acessibilidade) e o audiodescritor. Geralmente o museu contrata pelo serviço de uma empresa de consultoria em acessibilidade comunicacional e solicita o serviço de audiodescrição” conta Michel.
“A gente recebe o material, procura sempre solicitar na melhor resolução para poder fazer a descrição adequada. Com as obras, a gente parte pra elaboração do roteiro. Isso envolve pesquisa sobre o contexto histórico do artista, sobre a técnica […] tudo isso é inserido no início e depois a gente parte pra descrição da imagem em si”, explica Manoel.
Dificuldades
Além dos obstáculos padrão de qualquer serviço, a audiodescrição em museus ou espaços culturais precisa enfrentar diversos desafios em relação ao financiamento, planejamento e divulgação dos trabalhos.
“Conseguimos ter tratativas e mais diálogo com os gestores culturais da área privada. O que falta são políticas públicas de acessibilidade comunicacional em bens culturais públicos”, ressalta Michel.
“Existe um grande tabu de que a audiodescrição é cara. Ela não é cara. O que acontece é que falta informação de todos os lados. Audiodescrição é um recurso que envolve um trabalho de pesquisa, a gente precisa de um tempo adequado para preparar essa audiodescrição, envolvem muitos profissionais, tem a questão de hora de estúdio, produção, divulgação, capacitação de equipe […] tudo isso tem um custo”, completa Manoel.
Outra dificuldade citada é o alcance do público com deficiência para que consuma o conteúdo com audiodescrição disponível. “a gente sabe que o público com deficiência ainda é um público que na sua maioria enfrenta dificuldades de acesso à informação, cuidados de locomoção”, diz Manoel.
“Quanto mais procura, maior será o cumprimento da acessibilidade comunicacional por parte das empresas privadas, email, emissoras de televisão aberta, serviços de streaming, agências de publicidade e propaganda e órgãos públicos”, considera Michel.
Considerações
A reportagem visitou o Museu da Imagem e do Som do Paraná em 24 de maio de 2022, terça-feira, por volta de 15h. Lá foi feito o download do aplicativo “leitor de código de barras e QR codes”, pois este é o único que lê os códigos disponibilizados em papeizinhos colados em um dos cantos onde está a fotografia.
Foram feitas tentativas com um Samsung Galaxy M52 e um LG K9. Com o aparelho da LG foi possível reproduzir o áudio, mas o aparelho da Samsung não carregou as descrições após direcionar para a página da fotografia específica. Cabe considerar também que o QR code é um recurso visual, sendo necessário o auxílio de um mediador para apontar a câmera corretamente para fazer a leitura do código. \
A assessora de educação do MIS-PR, Vânia Machado, informou que funcionários do museu também tiveram dificuldades para fazer a leitura do QR code nos próprios aparelhos, pois cada celular pode ter um mecanismo de leitura dos códigos diferenciado.
Vânia também destacou a baixa presença do público com deficiência visual para a mostra. Segundo ela, foram cerca de 50 visitantes cegos ou com baixa visão que procuraram pela exposição. Também houve uma visita de alunos do Instituto Paranaense de Cegos. Em sua maioria, a audiodescrição foi utilizada para demonstrar a alunos das escolas da rede pública de ensino como funciona o recurso.
A divulgação foi feita nas páginas do Facebook do Museu da Imagem e do Som do Paraná e da Vias Abertas Comunicação, Cultura e Inclusão. A página do Vias Abertas não recebe atualizações desde 05/01/2022, e fez o último post sobre a mostra em 4 de dezembro de 2021. A página do MIS publicou a respeito da exposição em 3 de dezembro do mesmo ano.
Por isso, vale ressaltar que não se trata apenas do trabalho de descrever com precisão as imagens ou ampliar a disponibilidade de audiodescrição em museus e espaços culturais em geral. Mostra-se necessário haver recursos que tornem as exposições realmente acessíveis, antes da própria audiodescrição. Também se faz ausente um trabalho de divulgação amplo e segmentado, para atingir o público de interesse que possa utilizar desse recurso.
Bruno Leal – Trabalho de Jornalismo especializado segmentado – 8º período – Centro Universitário de Tecnologia de Curitiba (UnifatecPR)