ALÉM DA MORTE, LINHA MORTAL E OS SUSTOS NO FIM DO TÚNEL


Embora tenha dirigido os dois filmes do Batman mais desprestigiados do cinema (os de 1995 e 1997), e seu nome tenha ficado muito mais associado justamente a esses longas, não há como negar que o diretor norte-americano Joel Schumacher, que nos deixou em 2020, possui, sim, em sua filmografia, algumas obras interessantes.

Linha Mortal, lançado em 1990, sem dúvida, é uma delas. Protagonizada por um jovem e promissor elenco, encabeçado por Kiefer Sutherland e Julia Roberts que, como sabemos, se deram muito bem em Hollywood nos anos posteriores, esta pequena pérola do suspense apresentava uma trama, no mínimo, ousada. Orgulhosos e presunçosos, alguns estudantes de Medicina simulavam, neles mesmos, paradas cardíacas, para serem devidamente reanimados apenas alguns minutos depois. Eles pretendiam, com esse experimento, fazer descobertas revolucionárias acerca do pós-vida e, assim, tentar responder a uma pergunta que há milênios atrai a curiosidade do ser-humano: afinal, o que há além da morte? O que eles não esperavam eram as consequências paranormais de seus atos…

Passados 27 anos, e seguindo a onda dos incontáveis remakes que tomaram conta da indústria cinematográfica nos últimos tempos, o não muito conhecido Linha Mortal ganhou uma nova chance de enxergar uma luz no fim do túnel (!) com sua releitura, Além da Morte (cujo título em inglês é exatamente o mesmo da produção original, Flatliners, que remete àquela linha vista nos monitores dos aparelhos hospitalares que, quando fica plana, indica que o coração parou de bater, ou seja, uma linha mortal) pois, independentemente de gostar ou não desta nova versão, o expectador mais interessado, se quiser, poderá também garimpar o filme do Joel, ainda mais pela curiosidade de ver aquele elenco estelar em início de carreira. Traçando um paralelo entre as duas produções, será que os jovens que vemos na tela desta vez também irão brilhar nos próximos anos? Ao menos três rostos já são bem conhecidos do público atual por seus trabalhos recentes: a suposta protagonista, Elliot Page, que quando o longa foi lançado ainda era Hellen Page, revelada em JunoNina Dobrev, de As Vantagens de Ser Invisível e a série Vampire Diaries e Diego Luna, visto em Rogue One: Uma História Star Wars e na série Narcos: México.

Contribuindo para trazer um interesse maior do público por esta produção, há até a discreta participação do próprio Kiefer Sutherland, cujo papel lembra vagamente o personagem que viveu na obra original. Se este novo longa fosse uma sequência, seria fácil supor que aquele jovem estudante de medicina se formou e, passadas quase três décadas, se tornou também um rígido e áspero professor. Mas não é o caso e, mesmo que fosse, a presença de Sutherland não desempenha nenhuma importância para a trama principal que, aliás, é quase a mesma do filme de 1990, com algumas modificações e atualizações.

O roteiro de Ben Ripley, o mesmo de Contra o Tempo, reproduz, portanto, aquelas situações além-morte vistas no longa de 1990, com o acréscimo de que, agora, a produção dispõe de melhores recursos visuais, ainda que sejam utilizados com parcimônia. O avançado e bem iluminado ambiente hospitalar em que se passa a maior parte da trama, este sim, em muito difere da atmosfera gótica do original, ambientado naquela universidade que mais parecia um monastério da era vitoriana que, por sua vez, tinha muito a ver com os temas morte, vida, escuridão, luz… Toda a sugestão de cunho religioso que lá havia também foi quase completamente suprimida aqui, salvo uma ou outra fala, que podem passar desapercebidas.

Desta vez temos uma edição moderninha que se preocupou em preencher vários momentos do filme com baladas, raves e aventuras amorosas regadas a música pop, entrecortadas com aquelas outras atividades de seus protagonistas, nas quais eles estão, literalmente, brincando com a vida… e com a morte. Este projeto, além da proposta de dar uma nova chance a uma premissa ousada, tinha gerado certa expectativa também pelo nome escalado para a direção, o dinamarquês Niels Arden Oplev que, em 2009, levou para as telas o primeiro volume da série literária Millennium, escrita por Stieg Larsson: Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, longa que se tornou um grande sucesso do cinema sueco, tendo gerado duas sequências, além de um remake hollywoodiano conduzido por David Fincher em 2011, e mais uma releitura made in USA em 2018. Oplev, contudo, desta vez não demonstrou na tela tanto exercício de estilo, preferindo mais preencher essa sua nova obra com clihês de produções adolescentes que se proponham a dar medo.

Por fim, Além da Morte se revela um filme de suspense e terror focado mais na geração smartphone, com pequenos e rápidos sustos, pitadas de romances à la Malhação e um desenvolvimento do segundo ato em diante que não explora tanto o seu suposto tema principal, que poderia render um grande thriller: o uso da ciência para tentar chegar às respostas que atravessem o fim do túnel e enxerguem uma luz do lado de lá. E quando ouvir certo personagem dizer: “Hoje é um bom dia para morrer!”, lembre-se que Kiefer Sutherland disse isso, três décadas antes, com uma carga dramática muito maior. Mas, para quem não assistiu à obra de 1990 e quiser ver um terror levinho, poderá até gostar da versão de 2017. Inclusive, fica a dica para conferir os dois! E pensar que essa releitura, mais uma para as novas gerações, não teria sido produzida se não fosse, evidentemente, pelo original, que merece ser revisitado, dirigido por… Joel Schumacher!

Além da Morte (2017) está atualmente no catálogo da Netflix.

E Linha Mortal (1990) está atualmente no catálogo da Apple TV.

Por: Roberto Silva de Oliveira
Foto:
Além da Morte – Reprodução – divulgação Sony Pictures