Famoso escritório de investigação criminal contribuiu para a instituição dos métodos policiais e de inteligência nos EUA. Os conflitos na Pensilvânia em 1892 foram determinantes
Quem já leu os romances de policial noir escritos pelo mestre do gênero Dashiell Hammett já ouviu falar da Agência Pinkerton. Antes de se tornar escritor, Hammett foi detetive de seus escritórios em San Francisco. O que lhe conferiu profundo conhecimento de causa na solução de crimes das mais diversas naturezas.
A história da mitológica agência, entretanto, é das mais curiosas e se confunde com a história dos Estados Unidos da América, com presença determinante por trás de fatos que marcaram o desenvolvimento da nação norte-americana, direta ou indiretamente.
A Agência Nacional de Detetives Pinkerton, a princípio uma força policial independente, foi fundada em 1850 pelo imigrante escocês Allan Pinkerton (1819-1884), até então uma espécie de vice-xerife do condado de Cook, no estado de Illinois.
Nos primórdios de sua empresa, Pinkerton especializou-se em casos de roubo de ferrovias, algo muito comum na América que se expandia rumo ao oeste durante toda segunda metade do século 19, especialmente. A Pinkerton trabalhou na captura de bandidos que depois fariam fama nas telas de cinema, como Jesse James e a dupla Butch Cassidy e Sundance Kid.
Assim, protegendo trens e prendendo ladrões, ganhou fama resolvendo casos como o roubo de US$700 mil da Adams Express Corporation em 1866. Antes, em 1861 frustrou um plano de assassinato contra o presidente eleito Abraham Lincoln, entregando-o são e salvo em Washington, para sua posse. Os agentes mantiveram-se durante toda trajetória acordados. Assim surgiu o slogan da firma: we never sleep (nunca dormimos).
Mas foi nas atividades anti-sindicais que a Pinkerton Agency garantiu seu status de “defensora” dos interesses americanos. Na chamada Homestead Strike, também chamado de O Motim de Homestead, a agência deu um grande salto em importância no contexto político-social da América.
Corria em 1892 uma violenta disputa trabalhista entre a Carnegie Steel Co. e muitos de seus trabalhadores, na cidade de Homestead, Pensilvânia. Uma ruidosa greve opôs a administração da empresa — comandada pelo empresário e filantropo Andrew Carnegie e o industrial Henry Clay Frick — e os metalúrgicos.
De forma estratégica, parte do contingente operário foi substituído pelos chamados “fura-greves”, trabalhadores que haviam sido contratados pela Pinkerton, contrariando assim os interesses grevistas da Amalgamated Association of Iron & Iron — formada por operários sindicalizados que trabalhavam para a empresa. Um tiroteio resultou em vários grevistas e agentes da Pinkerton mortos, além de muitos feridos de ambos os lados do conflito.
A empresa era grande, e tinha papel significativo no estado da Pensilvânia. Nas décadas de 1880 e 1890, Andrew Carnegie transformou a Carnegie Steel Corporation em uma das maiores e mais lucrativas siderúrgicas dos Estados Unidos. A siderúrgica de Homestead, localizada a poucos quilômetros de Pittsburgh ao longo do rio Monongahela, era uma das maiores usinas da companhia. Ao longo da década de 1880, diversos sindicatos foram desfeitos em outras usinas e plantas industriais do país, mas em 1892 os trabalhadores ainda eram representados pela poderosa Amalgamated Association of Metallurgists and Steelworkers. Apesar de o sindicato ser formado por trabalhadores qualificados e artesãos, eles também eram apoiados por cerca de três mil trabalhadores não sindicalizados, que eram predominantemente imigrantes do leste e sul da Europa e seus filhos.
O contrato entre o sindicato e a Carnegie Steel estava programado para expirar em 1º de julho de 1892. Carnegie, que estava na Escócia na época, deu a seu gerente de operações, Frick, carta branca para quebrar o sindicato antes desse prazo. Frick abriu sua campanha cortando os salários dos trabalhadores.
O sindicato, compreensivelmente, rejeitou o corte salarial. No final de junho, Frick respondeu bloqueando o acesso dos trabalhadores à fábrica, construindo uma enorme cerca de arame farpado ao redor da empresa. Os trabalhadores apelidaram a fábrica de “Fort Frick”. No começo de julho, Frick demitiu todos os 3.800 trabalhadores e uma força de 300 agentes da Pinkerton — seguranças privados contratados por Frick — subiu o rio em duas barcaças cobertas para ocupar a fábrica.
Os trabalhadores entenderam que este era o prelúdio para substituí-los por trabalhadores não sindicalizados, os tais “fura-greves”. Milhares de trabalhadores e suas famílias invadiram a fábrica antes do amanhecer e correram para o cais onde os guardas tentavam atracar.
Os agentes Pinkerton e os trabalhadores trocaram tiros. A turma da Pinkerton foi rendida, e levada para fora de suas barcaças e para a prisão local, visando proteção. Muitos agentes foram brutalmente espancados pela multidão e alguns barcos foram incendiados. Foram soltos na mesma noite e enviados para longe da cidade em um trem com destino a Pittsburgh. Pelo menos três agentes e sete trabalhadores foram mortos durante a batalha.
Os trabalhadores então assumiram o controle da siderúrgica, mas isso não durou muito. Henry Clay Frick solicitou auxílio ao governador da Pensilvânia, Robert Emory Pattison. O governo enviou 8.500 soldados da guarda estadual. A usina foi entregue aos milicianos e pela metade de 1892 a usina estava novamente funcionando. Com os “fura-greves” então empregados.
A população local em princípio apoiava os grevistas. Mas — também um trabalho da agência Pinkerton — a opinião positiva foi aos poucos sendo comprometida, com a divulgação de notícias falsas e principalmente após a ocasião do tratamento brutal sofrido pelos agentes aprisionados após o conflito inicial.
A moral trabalhista ainda sofreu mais danos após uma tentativa de assassinato de Frick pelo anarquista russo Alexander Berkman, que não era ligado ao sindicato. Foram apresentadas diversas acusações contra dezenas de líderes sindicais e trabalhadores. Embora quase todos tenham sido eventualmente absolvidos, as acusações fizeram com que os líderes sindicais definhassem na prisão, sem contato com seus membros, enquanto a greve prosseguia.
No final de 1892, o conflito assumiu contornos raciais. O motivo era o fato de muitos dos “fura-greves” serem afro-americanos, a maioria trazidos do sul do país. O sindicato passou a boicotar os afro-americanos, que a bem da verdade não tinham alternativa. Deixaram precárias vidas rurais no sul em busca de melhores condições no norte industrializado, aceitando assim salários menores, “roubando” os empregos dos metalúrgicos sindicalizados.
Em novembro de 1892 outro conflito opôs negros e brancos, com muitas pessoas gravemente feridas a tiros. No entanto, em novembro, o sindicato desistiu e alguns trabalhadores se candidataram novamente a empregos na usina, concordando com jornadas de 12 horas e salários reduzidos.
A greve de Homestead acabou com a sindicalização entre os metalúrgicos nos Estados Unidos pelos próximos 26 anos, antes de ressurgir no final da Primeira Guerra Mundial.
A história ocorrida em Homestead foi contada em uma série documental produzida e exibida pelo History Channel em 2006, 10 Days That Unexpectedly Changed America, que narra em 10 episódios diversos conflitos pelos direitos humanos e trabalhistas ao longo do século 19 e início do século 20 nos EUA. O episódio dedicado aos conflitos de Homstead chama-se The Homstead Strike, dirigido por Rory Kennedy.
A Pinkerton continuou suas atividades durante quase todo século 20, até ser vendida à Securitas em 1999. Após os conflitos de 1892, e graças a seus bons serviços prestados ao patronato, e aos inovadores métodos de investigação criminal, surgiu a ideia de um escritório de inteligência federal, centralizado, visando monitorar principalmente os movimentos grevistas que cresciam a olhos vistos ao redor do país e no mundo, que resultariam na Revolução Russa em 1917, e na criação de partidos comunistas em todo o ocidente.
Assim surgiu o FBI.
…
Leia. Ouça. Assista:
How the Pinkerton Agency Laid the Foundation for the FBI and CIA – Youtube
The River Ran Red: The 1892 Homestead Steel Strike, An Uprising That Became History – Youtube