A Praça da Alegria


Programa de humor é dos mais brilhantes já criados. Seus esquetes inesquecíveis e bordões memoráveis ecoam até hoje

Não é preciso ir muito longe. Tente você mesmo sentar-se ao banco de uma praça qualquer de cidade razoavelmente grande para ler seu jornal, livro ou celular. Impossível escapar do assédio frequente de malucos, desvalidos ou desajustados de toda sorte.

Foi quando estava em Buenos Aires no ano de 1956 que o radialista, empresário, redator e humorista Manoel de Nóbrega surpreendeu-se com cena semelhante da janela de seu hotel. Um homem desconhecido e solitário tentava a todo custo ler o seu jornal, mas era frequentemente interrompido pelos tipos mais diversos, aos quais prestava atenção e conversava longamente.

Nóbrega não pestanejou. Viu a luz. Em cenário tão simples, estava criado um dos mais originais e brilhantes quadros humorísticos de todos os tempos. De retorno a São Paulo, sentou-se à máquina de escrever e botou pra quebrar. Nesse ambiente de simplicidade, que poderia reproduzir qualquer localidade do Brasil e do mundo, nascia a Praça da Alegria, a qual teria no papel de “homem do banco” ele próprio.

E não deu outra. Soava como Samuel Beckett, mas era só a imensa vocação para o humor e improviso pelo qual o brasileiro médio já era conhecido. Os quadros eram de fato muito engraçados e alguns geniais e até poéticos.

A televisão ingressara no país havia apenas seis anos, mas já era um tanto quanto popular, com a classe média avançando na pirâmide social a cada ano, e em 1956 o presidente já era Juscelino Kubitscheck, que faria o país dar um salto em infraestrutura e consumo até então nunca visto. A Praça da Alegria estreou no começo de 1957 na TV Paulista. Foi um sucesso.

Filho de Francisco de Nóbrega e de Maria Leonetti da Silva Nóbrega, Manoel nasceu em Niterói em 1913. Iniciou seus estudos em sua cidade, e ainda jovem foi aluno da Escola Naval no Rio de Janeiro, mas resolveu não seguir carreira militar. Ingressou na Faculdade de Economia e posteriormente cursou Engenharia. Ainda estudante, em 1931 resolveu pleitear um emprego na rádio Mayrink Veiga. Começou trabalhando no programa de Waldo Abreu. Nos estúdios da então PRA-K, conheceu grandes nomes da música popular, como as irmãs Carmen e Aurora Miranda, Lamartine Babo, Pixinguinha, Gastão Formenti, Elisinha Coelho de Andrade, entre outros.

Nóbrega foi ainda cantor da orquestra do pianista e compositor Custódio Mesquita, na qual usava o pseudônimo de “Sérgio da Paz”. Em 1934, esteve na recém-inaugurada rádio Jornal do Brasil e, em 1937, estava contratado pela rádio Ipanema, a PRH-8, que apesar do nome funcionava em Copacabana, no mesmo prédio do Cassino Atlântico, no Posto 6.

Redator e produtor, escreveu na ocasião não só para o rádio, mas também teatro. Foi compositor, com músicas gravadas por Silvio Caldas, Orlando Silva, Carlos Galhardo e Vicente Celestino.

Na Ipanema, foi locutor-chefe e diretor artístico. Lia no ar uma crônica diária escrita pelo jornalista e compositor Gomes Filho. Nóbrega também era o responsável pela apresentação do programa A Vida dos Grandes Músicos, uma série radiofônica narrando a biografia de famosos compositores e escrita por Campos Ribeiro. Às vezes também atuava na Ipanema como ator, encenando peças adaptadas para o rádio. Em fins de 1941, um texto seu chamado Corações Velhinhos foi levado ao ar na Mayrink Veiga, por Cesar Ladeira e Cordélia Ferreira, dentro do programa Cortina Sonora, da PRA-9. Em 1942, resolveu abandonar o meio radiofônico.

Mas o rádio é um vício difícil. Não demorou e já estava de volta. Em 1943, aceitou convite de Assis Chateaubriand e foi engrossar os quadros da rádio Tupi, dos Diários Associados. No ano seguinte transferiu-se para a afiliada da Tupi em São Paulo. Com Aloisio Araújo, estreou o célebre programa Cadeira de Barbeiro. Os esquetes eram baseados no diálogo entre um barbeiro e seu cliente, cujo assunto principal retratava uma situação político-social da época. Participava também sempre um engraxate que interrompia de vez em quando a conversa e perguntava: “vai graxa, doutor?”, que acabou se tornando um bordão memorável. Trabalhou ainda na rádio Record, apresentando o programa Alô, Brasil! junto com Carlos Frias.

Em 1946, aceitou outro convite, desta feita por Adhemar de Barros, para ingressar na política e elegeu-se deputado estadual, participando da Constituinte paulista de 1947. Foi o candidato mais votado do estado. Cumpriu mandato até 1950 e não mais se candidatou. Voltou ao Rio e teve algumas idas e vindas a São Paulo, onde assumiu também uma apresentação na TV Paulista, ao lado de Hebe Camargo. Corria então o mesmo ano de 1956 quando retornava de Buenos Aires com aquela ideia maluca na cabeça.

A Praça da Alegria reuniu a nata do humor naquele tempo. Ronald Golias, Rony Rios, Walter D’Ávila,  Costinha, Zilda Cardoso, Consuelo Leandro, entre muitos outros. O programa foi para a TV Rio em 1961 e depois para a Record, onde permaneceu no ar até 1970.

Os tipos eram os mais inesquecíveis: A Velha Surda (Roni Rios), Pacífico (Golias, que eternizou o bordão “ô Cride, fala pra mãe!”), o mendigo maluco interpretado por Moacyr Franco (através do qual surgiu a marchinha Me Dá um Dinheiro Aí), a Catifunda interpretada por Zilda Cardoso e o Alemão de Jô Soares foram alguns.

Também foi na Praça da Alegria que foram revelados todos os Trapalhões, ainda em separado, Zacarias, Mussum, o Sargento Pincel, e especialmente Didi e Dedé, que atuaram juntos em um esquete pela primeira vez ao banco onde sentava-se Manoel de Nóbrega.

O programa saiu do ar em 1970. Nóbrega faleceu em 1976, e em sua homenagem a Globo resolveu reviver o quadro. Convidou para a redação o filho do criador, Carlos Alberto de Nóbrega, e colocou no papel do “homem do banco” o produtor, ator, apresentador e performer Luís Carlos Miéle. Manteve quase todos os mesmos personagens que haviam feito a história do programa por quase duas décadas. Durou até 1978, quando foi substituído no início das noites de domingo por Os Trapalhões, já com sua formação clássica — toda ela revelada na Praça.

Redator antes de tudo — como o pai — Carlos Alberto de Nóbrega foi escrever Os Trapalhões, até que em 1987 retomou para si a criação familiar, que propusera a Silvio Santos — que havia comprado de seu pai a empresa Baú da Felicidade em 1961, é bom lembrar — e desde então comanda A Praça é Nossa, no SBT.

Já desde aquele tempo, o nível do humor não era mais o mesmo do período áureo de 1957-1970 e 1977-78. No entanto, já são 35 anos no ar, com total liberdade de criação conferida a Carlos Alberto por Silvio Santos. O maior período contínuo de um único programa de humor na história da tevê brasileira.

Quanto ao período áureo, eram muitos mestres do humor reunidos em um espaço tão simples, que sugeria democracia e liberdade, como é uma praça. Mesmo tendo ido ao ar durante um bom período da ditadura, instaurada em 1964.

E não há (mais) outros. A praça ou a graça já não são de fato as mesmas.

Ouça. Leia. Assista:

Velha Surda – A Praça da Alegria

A Praça da Alegria – Clayton Silva

A Praça da Alegria – Memória Globo

Imagens: reprodução