A grande possibilidade de justiça social, de revolução em nossos tempos se dá nos debates de gênero e identidade, isso porque a desconstrução de uma ideia canônica de seres-humanos masculinos é necessária pois é algo introjetado em nossas mentes de homens e mulheres, sabemos, sob um ponto de vista lacaniano que temos essas duas potências bem estabelecidas em nossa essência, e o gênero sempre pareceu algo intransponível para a formalidade das coisas dentro da ordem social ocidental que governa o mundo.
A tese de David Hume em que fatos e valores se distinguem pode nos levar a um recorte da contemporaneidade, pois o fato é a ciência empírica e o valor a subjetividade no caráter da escolha, podendo gerar a perda da fundamentação daquilo que se é o fato, fazendo com o que o valor se sobreponha, nos fazendo objetos de uma razão que tende ao messianismo de uma divindade ungida, bíblica, cristã e armamentista.
Os movimentos feministas e todos os movimentos emancipatórios promoveram a possibilidade de discussão da separação entre gênero e sexo, pois a anatomia deixa de ser um fim determinado e passa a ser uma possibilidade de revolução das pessoas sobre a biologia e o cânone estabelecido nas relações de poder, a sexualidade deixa de ser uma instituição e o gênero passa a ser algo transversal ligado a uma liberdade ou possibilidade de identidade, uma intervenção da estética de si e tudo isso passa ser aberto à experimentação humana, recaindo como pedra sobre a cabeça do macho, tio do churrasco e militante de WhatsApp.
Essa discussão cai sobre a ideia de falocentrismo e também sobre o medo de perda do determinado por aquele Tio Augusto que todo mundo tem, pois isso gera um problema para o macho, que pode ser mulher, que é insolúvel e fatal, o desespero do macho em sua essência de macho, pois acuado tem o medo de que seu discurso seja endereçado à essa demanda gerando uma reação por ordem, não pela ordem positivista, mas por uma ordem radical no sentido da raiz moral e religiosa do passado, se baseando em uma falta de ontologia na construção das ideias.
O bolsonarismo endereça na política o discurso de restauração do patriarcado, do medo da perda da certeza do masculino, encenando performaticamente esse macho, um macho vulgar que não enxerga na possibilidade de uma revolução restauradora, em que os gêneros se reacomodam, a sexualidade encontra seus canais e a biologia pode se adequar ao âmago do que se vive.
A arma surge também como símbolo de virilidade, a palavra vagina é oriunda de um tipo de bainha para uma gládios (espada medieval), ou seja, a diferença entre os nomes dos órgãos sexuais é algo da modernidade, sendo praticamente excluída da academia médica as necessidades físicas da mulher, mas esse é outro assunto, o fato é que em essência o armamentismo brasileiro surge como resposta ao medo de alteração da sexualidade, como insegurança masculina, como um símbolo do machão de cozinha, do pai que tinha filhos para trabalhar na roça e que reprimia com cita a liberdade de sua prole.
O que está em jogo para extrema-direita brasileira é o medo de reacomodação do gênero como coisa mutável, o medo em não ser o que se é ou de tudo que se era não se ser, o fascismo brasileiro se apoia na ideia de virilidade, pois é a única ideia que talvez não possa ser modificada, o medo de tornar-se-á gay ou de se ter uma mulher no poder, por isso a reação para a possibilidade de revolução que todos nós queremos, para além das senhoras batendo panela e os senhores com suas camionetes em apartamentos alugados, a estética de Bolsonaro é a do macho que não precisa regozijar ninguém, um individualismo coletivo calcado no medo de Sodoma e Gomorra.