A candidata à prefeitura de Curitiba pensa poder definir o que é a arte e o que é a cultura. (Aparentemente não temos apenas negacionistas só para urnas ou vacinas, mas também para o pensamento artístico). É grave, pois estamos falando de uma cidade referência, quando se trata de cultura, em literatura, cinema, teatro, música e artes visuais.
Independentemente de você ser de direita ou de esquerda, não podemos permitir que uma candidata negacionista do pensamento artístico, como Cristina Graeml (PMB), seja eleita.
Ao que me refiro? Me explico.
A referida candidata acusa a FCC (Fundação Cultural de Curitiba) de ser um órgão aparelhado por ideologias. Não temos certeza do que essa senhora pensa sobre o termo ‘aparelhado’, nem se ela já participou ou participa de eventos culturais da cidade, mas, dado o momento delicado, precisamos urgentemente retomar a discussão sobre o significado da palavra ‘arte’.
Cito o curador uruguaio Luis Camnitzer. “Devemos entender a relação entre a integração do que está ou deveria estar por detrás das palavras. Nos ensinaram a identificar por detrás da palavra ‘arte’ a produção de objetos artísticos, no lugar de perceber a arte como um instrumento cognoscitivo e de transformação cultural”. A produção de objetos estéticos nos submete ao mercado, enquanto a arte se propõe a compreender e aprimorar a sociedade. A arte se entrelaça com outros saberes em uma atividade rica e multifacetada, por meio da qual adquirimos criatividade e desenvolvemos a capacidade de criar. Essa integração se manifesta na busca por questionar os sistemas de ordem existentes e explorar alternativas, entendendo o mundo como um complexo de configurações em vez de meros dados isolados. É um incentivo para explorar o desconhecido, em vez de nos restringirmos ao já descoberto. Precisamos reconhecer que o que já conhecemos é apenas um pequeno trampolim que nos lança ao fascinante campo da ignorância. Mais do que produzir, devemos adotar uma abordagem mais integral e complexa, que não se restrinja ao nível quantitativo, evitando redundâncias e abraçando o absurdo e o impossível de maneira o mais anárquica possível.
O oposto disso é o que vimos no governo Bolsonaro, apoiador da candidata, por detrás de uma mensagem de reordenamento institucional fundou a sabotagem da produção artística brasileira, a tentativa de converter todos os recursos para uma pauta monotemática e a imposição de limites morais reacionários ao pensamento artístico nacional. A nova ordem imposta excluiu a diversidade e instalou o verdadeiro aparelhamento do Ministério da Cultura nacional por uma ideologia que vê a arte exclusivamente pelas lentes do mercado e do produto.
Precisamos evitar que pessoas como a candidata do PMB tenham nas mãos o poder de determinar políticas públicas, muito menos em uma cidade que é um marco do pensamento artístico. A FCC é parte importante do escasso ferramental de artistas, produtores e curadores da capital paranaense na materialização de projetos culturais e da viabilização de uma produção local.
O que a candidata faz com sua declaração é uma ameaça explícita de intervenção na arte curitibana, é uma forma fascística de se pensar políticas públicas culturais, pois é uma forma violenta que nega a pluralidade da criação artística e apaga a visibilidade das estruturas sociais, sobretudo de minorias, não permitindo que sejam transformadas. É o anúncio do desejo de imposição hierárquica que limita a criatividade e o pensamento crítico para monopolizar aquilo que é fruto de infinitas vozes, manifestadas em um polimorfismo de suportes e meios.
É também uma ofensa, pois joga a produção cultural de toda uma cidade sob suspeição, como se fosse menor, defeituosa, digna de intervenção.
Não é de hoje que a extrema-direita tenta minar à produção da cultura. Talvez essas pessoas não consigam suportar a intensidade que a arte pode proporcionar. São cafonas, e a cafonice detesta arte. Querem curar a arte de uma enfermidade. Qual seria a doença? A liberdade.
Nosso remédio está naquilo que é a matéria da sensibilidade, que não tem formatação definida. Quando estivermos diante de uma obra de arte lembremos da capacidade de expandir a vida, de fazer com nossa dança corpos para um ensaio sem restrições de uma vivência aprimorada, de assistir nossos teatros como guias para um futuro de sensibilidade, de nossa música uma conexão com o mundo em toda a sua complexidade e o mais importante, não permitamos que ninguém defina a arte e o que ela representa.