Curitiba é o único lugar onde até o fracasso não se realiza.
Moacyr Scliar deu ao Brasil o centauro no jardim: uma criatura que não era inteira em nada, mas era completa na sua contradição. Pois bem, aqui, no sul do mundo, não temos centauros — temos o povo do quase. Um centauro às avessas: de segunda-feira a sexta somos humanos, mas no fim de semana viramos mito suburbano, feito de churrasco e frustração.
A Terra do Quase é a pátria invisível onde nascemos. Aqui, em Curitiba, quase faz frio, quase faz calor. Neva? Quase. Congela? Quase. A cidade é uma espécie de freezer mal fechado: sempre pinga, nunca gela direito. Os europeus que aqui chegaram pensaram que estavam fundando uma Viena tropical. Erraram por pouco — fundaram um quase-Viena, com Viena nenhuma.
E nós, habitantes, herdamos esse destino. Quase somos brancos, quase somos negros, quase somos índios. Uma árvore genealógica que mais parece a linha de ônibus Inter 2: dá a volta na cidade inteira e não chega a lugar nenhum.
No trabalho, a mesma coisa: o sujeito quase é promovido, quase fecha um contrato, quase abre a empresa. E quando abre, fecha logo em seguida. Mas ele se consola dizendo: “estamos no caminho certo”. Só não percebe que o caminho é uma rua sem saída.
A política é um espetáculo de quase-ideias. O vereador propõe um projeto que quase melhora o trânsito. O prefeito inaugura uma obra que quase termina. O país quase vira uma potência, mas quando abre os olhos descobre que ainda está discutindo a Semana de Arte Moderna de 1922 — porque a antropofagia cultural também quase aconteceu.
O humor judaico explica essa condição. É como o sujeito que vai ao alfaiate e o paletó fica largo num braço e apertado no outro. O alfaiate diz: “Anda assim, meio torto, que fica perfeito.” Na Terra do Quase a gente anda assim: torto, mas convencido de que é estilo.
Curitiba, claro, é a capital desse território. O ônibus biarticulado quase chega no horário, mas sempre aparece quando você já desistiu. O pastel da feira quase vem sem óleo, mas escorre até o cotovelo. O shopping Estação quase é chique, mas tem cara de rodoviária com vitrine. E o curitibano, esse ser lacônico, quase fala com você — mas engole as palavras junto com a coxinha da Boca Maldita.
O mundo inteiro, no fundo, está virando Terra do Quase. Quase temos democracia, quase combatemos o aquecimento global, quase somos civilizados. Quase. Vivemos a vida inteira nesse gerúndio sem ação, nesse verbo pela metade.
Mas há uma vantagem: quem já nasce no quase nunca sofre a queda do tudo. Vivemos no entremeio, na precariedade, mas sabemos rir dela. A Terra do Quase é um jardim cheio de centauros invisíveis, todos tropeçando, todos sem encaixe — mas todos convictos de que, se não chegamos lá, pelo menos chegamos perto.
E na vida, convenhamos, às vezes o quase já é vitória.