Niède Guidon (1933–2025): A Guardiã da Pré-História Brasileira e da Serra da Capivara


Por Valdir Havita Rigamonti

Niède Guidon, a mais proeminente das arqueólogas brasileiras, faleceu hoje aos 92 anos, deixando um legado indelével na ciência e na conservação do patrimônio cultural do Brasil. Sua trajetória foi marcada por descobertas pioneiras, desafios acadêmicos e uma dedicação incansável à Serra da Capivara, no Piauí, onde realizou pesquisas que reescreveram a história do povoamento das Américas.

Nascida em Jaú, São Paulo, Niède Guidon graduou-se em História Natural pela Universidade de São Paulo (USP) e obteve seu doutorado em Pré-História na Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Em 1986, criou a Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM) em São Raimundo Nonato, Piauí, instituição responsável pela preservação do Parque Nacional da Serra da Capivara, reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade. Sob sua liderança, foram identificados mais de 700 sítios pré-históricos, incluindo 426 paredes de pinturas rupestres e evidências de habitações humanas antigas.

Guidon desafiou a teoria tradicional do povoamento das Américas, conhecida como “Teoria Clóvis”, que postulava a chegada do Homo sapiens há cerca de 13 mil anos pelo Estreito de Bering. Ela apresentou evidências de ocupações humanas na Serra da Capivara datadas de até 32 mil anos, sugerindo uma chegada mais remota e possivelmente por via oceânica.
Além de suas realizações científicas, Niède Guidon desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento social da região. Ela incentivou a construção de escolas, promoveu o turismo sustentável e implementou projetos de capacitação para as comunidades locais, transformando-as em “guardiãs” do parque. Essas iniciativas não apenas preservaram o patrimônio arqueológico, mas também impulsionaram a economia local e promoveram a educação.

Mesmo após sua aposentadoria em 2020, devido a problemas de saúde, Niède Guidon continuou a ser uma referência na arqueologia e na preservação do patrimônio cultural. Sua dedicação e paixão pela Serra da Capivara inspiraram gerações de pesquisadores e ativistas ambientais. O Instituto Olho D’Água, criado para dar continuidade ao seu trabalho, segue promovendo a arqueologia colaborativa e integrando as comunidades locais às ações de preservação.
O falecimento de Niède Guidon representa a perda de uma das maiores cientistas do Brasil, mas seu legado perdurará através das gerações que ela inspirou e das instituições que ajudou a fundar. Seu trabalho não apenas ampliou o entendimento sobre a história humana, mas também destacou a importância da preservação ambiental e do envolvimento comunitário na conservação do patrimônio cultural.