Coolritiba Superbacana


FESTIVAL COOLRITIBA
PEDREIRA PAULO LEMINSKI – ÓPERA DE ARAME
Curitiba/PR – Sábado, 17 de maio de 2025

Esses dias tava assistindo um podcast com a Gabriel Thomaz do Autoramas e ele lembrou que há 20 e poucos anos atrás a programação da tv e rádio brasileira tinha um cardápio musical muito amplo e diverso com muitos artistas de gêneros musicais bem diferentes, convivendo em aeroportos, programas e festivais. Ele cita inúmeros artistas do rock, forró, reggae, infantil, pop, metal, humor, pagode, samba, brega, boy bands, rap, mpb, etc. e que hoje em dia esse cardápio na mídia tradicional se resumiu a duas opções: 90% sertanejo universitário, bancado pelo agronegócio e 10% funk bancado por algo que ele não quis dizer, mas suponho que seja o crime organizado.


Partindo dessas observações, ter um festival eclético como Coolritiba é fundamental pra saúde da entidade Música Popular Brasileira. Até traz sons da moda mas não apenas de um nicho, onde as pessoas vão todas vestidas igual, pensam e sentem música igual e são preconceituosas com qualquer outro artista de outro estilo. Particularmente, gosto mais de festivais assim, onde a curadoria não fica presa ao gosto do “dono” do festival, que geralmente tem uma banda no mesmo estilo. Dos 23 artistas do line-up dessa 7ª edição, tivemos vários estilos da nova música popular brasileira (da travesti à nordestina), pop rock, indie, emocore, soul music, reggae, rap, trap e até forró. Escolhi 12 dos 23 e consegui bisbilhotar 11: Jovem Dionísio, Klüber, 5 a Seco, Baco Exu do Blues, Terra Plana, Terno Rei, João Gomes, Liniker, Bidesão, Dow Raiz e Caetano Veloso. Atravessar a cidade de sul a norte pra ficar zanzando a tarde e a noite toda do palco A, pro B e C foi bem cansativo, mas valeu a pena!


É preciso dar um tempo meu amigo: Detox

Adoro a talentosíssima versatilidade da Jovem Dionísio, mas como já tinha assistido 2 shows inteiros deles e me atrasei com uma certa marcha religiosa embaçando minha baldeação no centro, resolvi ir pro palco da Ópera de Arame conhecer o trabalho da Klübler – que ouvi no YT um pouco na véspera e gostei bastante do astral, voz, letras interessantes e a abordagem leve dela sobre seu ser travesti: “Entre safadas e sofridas, seguimos vivas!” Nas últimas músicas o teatro lotou, com a migração do show dos piás do Juvevê.


Plano A: Vem e Vai

Fiquei por ali e logo veio a rapaziada da 5 a Seco, que também só conhecia da internet, uma ou outra música e o arrepiante hit Pra Você dar o Nome – que uma ex (a mais cara de pau de todas) me apresentou em 2012 na véspera da fuga pra caretisse da validação familiar. O simpático quinteto me lembrou um tanto o Roupa Nova nas harmonias vocais e o Los Hermanos nas fofices e trocas de instrumentos. Com a Ópera de Arame lotada, foi emocionante a participação do público cantando todas, inclusive a bonita Plano A, que parece exame oftalmológico: A vida junto com você é o Plano A / Um dia junto com você é o Dia D / A hora que você chegar é a Hora H / A Hora H, do Dia D, do meu Plano A.” Na ida e vinda, já notei a fila do wc feminino enooooorme e a do masculino nem existia. Atenção: elas demoram mais, tem mais necessidades e/ou estavam em número maior no festival.

Bluesman com Autoestima

Fui comer um trem e logo começou Baco Exu do Blues que compartilhou o protagonismo com as mulheres do seu time de backing vocals, reverenciando uma a uma e dando espaço pra se apresentarem solos, como artistas principais no palco. Achei bonito e me lembrou o Criolo esse respeito.


As projeções com cor única saiam de foco e dava a impressão que a gente tava incorporando: Laroiê, Exu! A corda humana que ele sugere em Abre Caminho dá o tom: “Justiça é cega vê tudo negro / Por isso todo culpado é negro / Todo morto é negro / Vocês são cegos / Meu som é o braile do gueto / É o baile do gueto, é o funk dos preto… Abre caminho, deixa o Exu passar.”


Desaparecendo: Virou Crime

Já tinha ouvido falar bem da Terraplana, concordado com alguém que o nome era uma bosta, ouvido uma entrevista em podcast há meses atrás e alguns sons. Não me identifiquei, mas quis conferir ao vivo, porque é sempre uma prova dos nove e eu confio nos meus 40 anos de audição e presença em shows por aí… Acho pedante e cansativo esse ar blasé curitibano-caipira e só botei na minha lista porque gosto de gente e seus devaneios. Mas logo fui pro próximo da lista, porque meus pés já tavam dando sinais de sobrevida.


Próxima Parada: Programação Normal

Terno Rei é outra que não conhecia, mas tava curioso, porque me soa personal e isso me interessa. Como executavam as canções, como tratavam o público, como o público os respondia? De início me pareceu um tanto com a vibe da anterior, mas o set-list foi conectando e me deixou surpreso a fim de procurar mais sobre eles – porque acho que esse é o melhor motivo de um festival desse jeitão buffet livre assim. Lembrou um pouco o PrasBandas! Ainda eram 18h, meus pés já ardiam na sola e eu tinha mais 5 shows na lista. Aproveitei pra descansar e fiquei ali, sentadinho e quietinho, tipo um senhor entre jovens felizes com sua banda preferida. Foi aconchegante.

Reencontro: Pontes Indestrutíveis

Meu celular descarregando, ao invés de carregar na Sala de Imprensa, fui no stand da TIM que era em frente ao palco principal, onde já tava rolando o forró e piseiro do pernambucano João Gomes e área toda já estava tomada pela multidão, que cantava e saracoteava. Como o moleque de 22 anos disse por aí que tinha como referências Cartola e Belchior, resolvi dar um crédito.

“Tinha um poeta no meio do caminho. No meio do caminho tinha um poeta”: Igor Filus da minha banda preferida Charme Chulo! Ficamos observando o movimento e observando o fenômeno de popularidade fervendo a Pedreira. Um tanto sapeca, um tanto entertainment demais… Achei muito feliz pro meu termômetro. Mas, pela energia, talento, simpatia e comunicação, esse cabra da peste vai ter mais uns 120 anos de bela carreira!

Por Todos Nós: Escolhas

O melhor ainda estava por vir! Nessa de bisbilhotar o line-up, alguns eu nem tinha ouvido falar… É o caso do Bidesão, que conheci na véspera, aos 44 minutos do segundo tempo, a partir do clip de Pira Errada no YT e virei fã de pronto. Canta pacas, tem uma banda afinadíssima, um carisma monstro e um fã-clube que minutos antes e depois da apresentação ficou gritando: “Bidesão! Bidesão! Bidesão!”  E o mais foda, ele é aqui de Curitiba!

Soul music leve, divertida, desencanada… pra fazer a gente dançar e me lembrou muito a suingueira do Gueto nos shows do AeroAnta nos anos 90. Com o pouco tempo que o festival deu, ele ainda foi generoso em seu pocket-show, convidando o duo Tangerim e a cantora Carol Passos pra fazerem participações especiais.

Foi o melhor presente dessa edição e vou acompanhar a agenda para ir conferir um show completo.

Pra ele, ser feliz é a sugestão e condição!

Antes de Tudo: Vitoriosa

Liniker entregou demais porque estava muito presente, potente e empoderada. Lembro como se fosse hoje, que um amigo me mandou um clip de Zero há 10 anos atrás e fiquei impressionado. Desde 2015 a força da comunidade LGBTQIAPN+ só cresceu, e, com o tempo fomos vendo a cantora dando visibilidade cada vez mais a sua arte como transgênera e produzindo cinema e música, com posicionamento corajoso e legítimo.

Já pensaram que ela se estruturou na carreira durante esses anos medíocres em que o bolsonarismo burro, tosco, fanático, intolerante, extremista, negacionista e preconceituoso saiu do armário e esteve no poder? Em 2022 foi a primeira travesti a ganhar o Grammy Latino, tendo vencido a categoria Melhor Álbum de Música Popular Brasileira.

Caju é lindo, as percussões e o coral fizeram uma cama linda para ela esbanjar domínio de palco e provocar o público com seu carisma e emoção visíveis. Pra mim, a única forma desse planeta se tornar um lugar melhor pra se viver, é com as pessoas sendo elas mesmas e ocupando os seus lugares. Feliz por ela chegar onde está!

📷 @arthurgomesdasfotosAgradeça: Melhor que Ontem

”Adora funk mas odeia quem é favela! Adora reggae mas odeia quem é favela!
Adora rap mas odeia quem é favela! Adora rock mas odeia quem é favela! Melhore por favor.”

Dow Raiz
é de Curitiba, zona oeste, Cidade Industrial. Atento, canta há 18 anos sobre a periferia e seus desdobramentos: racismo, preconceito, crime organizado, desafios, superação, esperança. Um olhar sério e crítico com mais de 20 milhões de plays no streaming. Diferenciado, não é popinho, é direto: “Se perder é um dois…” Canta do Amor, mas com amorosidade, sem a pieguice da cornice nem cachorrice. “Me diz você: pra quem você tá dando atenção?” Tô dando atenção pro Dow Raiz, certo?

Com 5 álbuns na pista e alguns singles lançados com grandes nomes do Hip Hop, pro Dow pé no chão o rap tem raiz (Sabotage e Racionais MC’s) e troncos (Marechal e Ryncon Sapiência).  Mas essa firmeza vem do reggae e mpb também. Em 2025 lança seu novo álbum “Futuro Passado”, com boombaps de respeito, como de costume, e referências jamaicanas como Dancehall e Reggae Music.

Nesse pocket-show, a banda teve dj, flauta, trompete, baixo, guitarra, percussão e voz com capacete, óculos e mochila – pronto pra alçar vôos mais altos e longos. Que assim seja!

A foto é do @arthurgomesdasfotos

Enquanto os homens exercem seus podres poderes: Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome

Eu já tava com a sola dos pés em frangalhos, mas não ía embora sem ver Caetano Veloso, de jeito maneira. Da tríade endeusada da mpb, composta também por Chico e Gil, Caê sempre foi meu preferido. O mais atacado e contracultura, o menos sutil e educadinho, que fala na lata mesmo e flerta acolhendo as novidades da cena musical com uma naturalidade de mestre.

Revi Luigi e Moyemi que trabalhavam no som do Lab Stage. Como eu tava zanzando tentando seguir minha lista, combinei com Van, Bruna e Tarobá de nos encontrar no stand da Sanepar pra assistir, cantar e dançar Caê, Café, Caretano juntos… Tudo bem que ele já é um octogenário e em breve deve se aposentar como o Gil, mas não perderia estar perto mais uma vez do “tio dos meus irmãos mais velhos do rock nacional”
(Cazuza, Russo, Lulu, Arnaldo, Herbert, Seabra, Gessinger, Scandurra, Nasi, etc.)

Como o próprio baiano disse,
“o repertório foi bem próprio e histórico, com gosto dos tempos atuais e seus temas mais rebeldes.”

1. Branquinha (1989) composta para Paula Lavigne (sua esposa e empresária);
2. Gente (1977) uma das minhas preferidas dele;
3. Vaca Profana (1984);
4. Divino Maravilhoso (Caetano Veloso e Gilberto Gil, 1968);
5. Cajuína (1979);
6. Podres Poderes (1984) é outra que gosto muito;
7. Anjos Tronchos (2021);
8. Eclipse Oculto (1983) é tão bonitinha;
9. Sozinho (Peninha, 1996) foi “o momento água nos olhos” com Liniker (foto);
10. Um Baiana (2025);
11. Muito Romântico (1977);
12. Não Enche (1997) ele errou no começo e pediu pra banda começar de novo;
13. Queixa (1982);
14. Reconvexo (1989);
15. É hoje (Didi e Mestrinho, 1981) – samba-enredo da escola União da Ilha do Governador no Carnaval de 1982
e 16. Odara (1977) aquele hit malandrinho e minimalista de sempre!

Minha missão cu(o)mprida, fui-me embora pra Pasárgada.
Até a próxima, GG

PS: Valeu Robson Mafra pelas fotos assinadas. Lucas, Welton e Bidesão pelas demais.