Milton Cunha brilha no Festival de Curitiba e faz reflexão sobre cultura popular e identidade


Milton Cunha é uma das figuras mais carismáticas e inteligentes do cenário cultural brasileiro. Na noite de abertura do Festival de Curitiba, na segunda-feira, 24, o comentarista e pesquisador, sempre extravagante, apareceu no Teatro Positivo com um conjunto cravejado de lantejoulas que o destacava como um pequeno sol na plateia de 2,4 mil lugares. Após a peça Os Mambembes, ele tomou rapidamente o palco, falando sobre comida e o desejo humano de um bom gim-tônica. Logo depois, foi visto dançando carimbó nas imediações do lago da Universidade Positivo, no encerramento da festa que selou o primeiro dia do evento.

Na manhã seguinte, trocou o traje de noite por uma roupa estampada igualmente chamativa, e um búzio gigante pendurado no pescoço. Chegou à Sala de Imprensa Ney Latorraca, do Hotel Mabu, sem sapatos, segurando uma xícara de café com a delicadeza de uma senhora inglesa, e iniciou um monólogo de alta voltagem sociológica.

Cunha, de forma irreverente, refletiu sobre a geografia urbana e o poder, destacando como o Festival de Curitiba, ao levar o teatro para as ruas, praças e bares, quebra fronteiras. “Nas cidades, os teatros servem pra você colocar os loucos. Mas no Festival de Curitiba, o teatro sai pras ruas, pras praças, pros bares. É como o que acontece na Marquês de Sapucaí, quando o morro desce pro centro e mostra que também é bonito, não é só notícia ruim. O Festival balança a roseira”, afirmou.

O comentarista também falou sobre uma de suas maiores paixões: o Festival de Parintins, ao qual dedicou anos de estudo em seu doutorado. Em tom bem-humorado, declarou: “Passei 63 anos estudando pra virar meme de carnaval”. Em seguida, disse, com seriedade, que a cultura popular, especialmente a de Parintins, é “muito sofisticada” e reflete as grandezas e desafios da população brasileira.

Cunha aproveitou a oportunidade para refletir sobre o conceito de “lugar de fala”, enfatizando que as considerações públicas de um indivíduo devem levar em conta suas experiências de vida e sua posição social. Para ilustrar, ele desafiou uma teoria popular sobre a origem da palavra “forró”, dizendo que ela não tem relação com a expressão inglesa “for all”. “O nosso forró tem 500 anos. Parece que existe um plano demoníaco pra tirar isso da gente”, afirmou, demonstrando sua veia crítica.

Em relação às influências externas na cultura brasileira, Cunha não poupou críticas. “As escolas de samba japonesas tocam e dançam muito bem, mas fazem isso por imitação. As passistas australianas, que são belíssimas, sambam pra caramba, mas também fazem isso por imitação”, disse, defendendo a autenticidade da cultura afro-brasileira e ressaltando a importância da ancestralidade no samba.

Por fim, Cunha fez uma previsão ousada sobre o futuro da sociedade. “Estamos caminhando pra um mundo que vai ser uma luta generalizada por lugar de fala. E isso está certo. Não dá mais pra um branco pintar o rosto e fazer papel de preto. Isso acabou.”

A fala de Milton Cunha no Festival de Curitiba foi, sem dúvida, uma celebração da cultura popular brasileira, mas também uma reflexão crítica sobre identidade e respeito às raízes do país.

Fotos: Lina Sumizono e Annelize Tozetto