Surgida das entranhas da contracultura, publicação foi além e tornou-se referência no universo da música e cultura popular
No começo do inverno de 1967, em Haight-Ashbury — a famosa esquina da contracultura em San Francisco — ninguém estranhou muito quando surgiu um tabloide com o rosto de John Lennon estampado na capa, usando capacete militar e seus indefectíveis óculos de aro redondo dando o ar da graça pela primeira vez, em alusão a sua participação no filme Como Ganhei a Guerra (How I Won the War, Richard Lester, 1967). Era apenas mais um entre dezenas de jornaizinhos alternativos em plena era do flower power, que acabara de viver seu “Verão do Amor”.
O periódico (novembro 1967, ano zero, número um) que custava 25 centavos de dólar trazia ainda na capa uma nota sobre as gravações do novo álbum do Jefferson Airplane, o início de uma matéria longa acerca dos custos do Monterey Pop Festival que acabara de ocorrer, outra nota sobre a demissão de Tom Rounds da KRFC — a rádio mais popular de San Francisco —, pequenas chamadas para matérias sobre o Grateful Dead, The Byrds, Ralph Gleason e uma entrevista com Donovan. Parecia de fato mais um jornal alternativo na meca do movimento hippie, para onde já se dirigiram anteriormente os beatniks, o vegetarianismo, o orientalismo, a nova consciência… e a música.
Acontece que o humilde jornal que figurava nas bancas e lojinhas hippies iniciava um reinado, um divisor de águas na imprensa mundial, sendo filho dileto do underground e da contracultura dos anos 1960: ele trazia no topo o nome “Rolling Stone”.
Os responsáveis pela publicação eram Jann Wenner e Ralph J. Gleason. A Rolling Stone rapidamente ganhou popularidade entre leitores e anunciantes. Apesar de ter sido fundada no centro hippie dos Estados Unidos, a revista não seguiu a “receita” comum àquela comunidade. Foi além. Justamente o que lhe proporcionou tanto sucesso. Trazia uma certa cobertura política, para além dos protestos ativistas de outros jornais undergound, críticas musicais ácidas, editores e escritores experientes. A soma de tais fatores impulsionou a revista a um nível de sucesso desconhecido por outras publicações do underground “franciscano”.
De uma pequena gráfica ali mesmo em Haight-Ashbury, Jann Wenner — um graduando da universidade em Berkeley que pulou fora da vida acadêmica aos 21 anos — e Ralph J. Gleason, um crítico de jazz do San Francisco Chronicle que já contava 50 (nasceu em 1917!) publicaram as primeiras impressões do que viria a ser uma revista.
Apesar da diferença de idade, os dois eram redatores determinados e fãs de rock’n roll. Ambos vieram da costa leste (Nova York). Gleason estudara na Columbia e fora precursor do beatnik em San Francisco em meados da década de 1950, testemunhando e apoiando o surgimento de grupos como Jefferson Airplane e Grateful Dead, além de perceber o talento de futuros ícones da música como Bob Dylan e Miles Davis. A dupla usou sua experiência combinada para criar uma publicação que viria a influenciar profundamente a indústria da música. O sucesso da revista viria enraizado nessa fusão de experiências (tudo a ver com a época), bem como na ascensão da contracultura na costa oeste dos EUA.
A Rolling Stone foi naturalmente inspirada pelo aumento das publicações underground na Califórnia durante a décadas de 1960. Wenner, apesar de muito novo, teve boa e bem-sucedida experiência como editor de uma filial da Ramparts, revista muito popular na época. Como publicação política, a Ramparts era conhecida por suas críticas e ataques a figurões nacionais, o que fazia com que os anunciantes desconfiassem do patrocínio devido à associação negativa. Isso significava que sua fonte predominante de receita era de assinantes e não de anunciantes.
Gleason também atuou como editor na Ramparts. Ambos passaram muito tempo na revista tentando enfatizar a importância do rock, e foram constantemente contestados pelo editor Warren Hinckle. A atitude desdenhosa de Hinckle em relação ao gênero acabou fazendo com que Gleason deixasse a revista no início de 1967. Wenner, no entanto, permaneceu com a publicação até que ela fechou no início de maio do mesmo ano.
A posição que ambos ocupavam acabou dando acesso a vários artistas musicais. Aquele verão que adentrava seria o Summer of Love em San Francisco. Toda a atmosfera serviu como um catalisador para o início daquilo que viria a ser a Rolling Stone. Com Gleason e Wenner desempregados (e rodeados por chapados de todos os lados) no final do verão, os dois começaram a reunir fundos para iniciar uma publicação que daria uma voz séria aos músicos e documentaria a cultura em torno do rock’n roll.
Juntaram 7.500 dólares. No começo, a Rolling Stone não tinha capacidade financeira para se sustentar apenas com leitores, como ocorrera com a Ramparts. Wenner orientou sua equipe a evitar tópicos e declarações políticas radicais com o fim de atrair anunciantes.
Inevitável, não teve jeito. Acabou que houve artigos cobrindo tópicos políticos, repletos de sentimento antiguerra, e uma reportagem de capa pró-maconha sobre a prisão de vários membros do Grateful Dead. Embora esses artigos dessem a ilusão de serem panfletários, eles não criticavam verdadeiramente o sistema político ou inflamavam seus leitores contra o establishment. Em vez disso, eles simplesmente relatavam os fatos. Ao repetir para o público os mesmos sentimentos contraculturais que eram populares entre os jovens de San Francisco, o jovem Jann Wenner conduziu uma publicação facilmente digerível, que era ao mesmo tempo divertida e comercial.
A cobertura política, mesmo que superficial, tornou a revista popular e permitiu que ela se enraizasse na baía de San Francisco sem assumir os perigos de ser uma revista absolutamente underground. Cereja do bolo, as críticas musicais é que tornaram a Rolling Stone popular entre os franciscanos, devido a sua cobertura de bandas locais como Country Joe and the Fish, Big Brother Holding Company e muitas mais. A revista fornecia cobertura suficiente da vida local. Mas, desde o início, Wenner nutria o desejo de que a revista fosse além das fronteiras da cidade. Antes, usou toda cena baseada em Haight-Ashbury como ponto de partida. Visível na estética e no conteúdo.
Esse sentimento é percebido na evolução dos anúncios da revista. No início, centravam-se em shows, lojas e negócios locais. Mas conforme crescia, as propagandas começaram a mudar para grandes gravadoras como ABC e outras corporações. Esses apoiadores iniciais deram à revista financiamento suficiente para publicar as primeiras edições. No entanto, acabaram sendo superados por corporações maiores. Com o aumento do interesse, o tamanho da revista aumentou de cerca de trinta páginas para mais de setenta em meados dos anos 1970. Mais espaço por página foi dedicado a anúncios e, devido ao aumento do tamanho, mais empresas puderam comprar páginas inteiras para promover seus produtos ou serviços. Inicialmente, a maioria das páginas era dedicada exclusivamente ao conteúdo. As impressões no final da década dificilmente tinham páginas espelhadas sem pelo menos um anúncio. A Rolling Stone estava a caminho da comercialização total.
Como resultado, em 1977 a revista mudou-se para Nova York, o que simbolizou o afastamento definitivo da publicação de suas origens. Esta decisão veio dois anos após a morte de Gleason (1975, aos 58), cujo papel na revista se concentrava em mantê-la sediada em San Francisco e emprestar sua experiência e nome, o que foi uma parte significativa da atração inicial dos investidores.
Nos dois anos entre a morte de Gleason e a mudança, Wenner trabalhou para nacionalizar a revista diminuindo o número de artigos que cobriam tópicos locais como as clínicas gratuitas de Haight-Ashbury e foi incorporando bandas que estavam fazendo sucesso na cultura rock, mas não foram iniciadas em San Francisco.
A exemplo de seus fundadores, a Rolling Stone foi embora de sua cidade natal — em sentido inverso, rumo à costa leste, então — e Jann Wenner alcançou seu objetivo de fazer uma revista tão grande quanto sua ambição.
Foi a partir daí que “estar na capa da Rolling Stone” começou a ser parte da cultura do showbiz. Referência em filmes e livros ao longo de décadas, com destaque para o excelente Quase Famosos (2000) no qual o diretor Cameron Crowe narra sua própria experiência como repórter em 1973.
A revista teve versão impressa em vários países fora dos EUA. No Brasil, uma primeira versão surgiu em 1972 pelas mãos de Ana Maria Bahiana e Luiz Carlos Maciel. Durou pouco. Depois ganhou edição luxuosa em 2006 como Rolling Stone Brasil, editada até 2018 quando se transformou em um site (rollingstone.uol.com.br) mantido pelo Uol.
Rolling Stone Magazine. Direto de Haight-Ashbury para o mundo.
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Ouça. Leia. Assista:
Quase Famosos – 2000 – trailer
Rolling Stone – 50 anos da História da Música – National Geographic
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Imagens: reprodução