KINO-PRAVDA O CINEMA DA PÓS-VERDADE BRASILEIRA?


A Rússia em fins do século XX, após a transição política de dissolução da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (cristo entre as nações), passou a viver uma mudança não somente na economia ou na estrutura de controle da população através da censura, aparato policial e investigativo governamental ou partidário, mas passou a vivenciar o desenvolvimento embrionário de uma sociedade de consumo que havia sido sua oposição e sustentação ao seu antagonismo pragmático nos últimos 70 anos.

Enquanto os Estados Unidos inventaram o conceito de indústria cinematográfica, para além dos filmes em si mesmos, como obras, o Kino-Pravda foi um conceito inventado por Vertov para a captação da realidade por meio do cinema.

Do ponto de vista da estética do cinema, portanto, Vertov, com este conceito de Cinema-verdade (Kino-Pravda) e um outro conceito também importante para sua contribuição à linguagem cinematográfica, o de Cine-olho (Kino-Glaz), recusa tanto a simples e mecanicista reprodução mimética da aparência imediata, quanto às sugestões simbolistas de Eisenstein.

Seus filmes eram baseados no princípio da filmagem concreta da realidade cotidiana, com mínimas interferências de quem observa esta realidade e num método de montagem em que se recusava toda forma de construção artificial da ligação entre os planos filmados que desse novos sentidos à realidade concreta filmada.

Posteriormente, na história do documentário cinematográfico, duas tendências semelhantes, mas com características novas, iriam se desdobrar destes princípios marcantes do cinema de Dziga Vertov, o Cinema direto, em sua versão yankee (gravitando em torno de Robert Drew e Richard Leacock), e o Cinema verdade, na versão francesa (gravitando em torno de Jean Rouch).

Ademais, Kulechov desenvolveu o conceito de geografia criativa, o que consiste na justaposição de imagens obtidas em espaços diferentes, mas que somadas na montagem levam o espectador a crer que ambas pertencem a um mesmo local ou objeto. Por exemplo, a imagem de um braço de uma atriz X acoplada a uma outra imagem das mãos de uma atriz Y qualquer suscita que ambas as imagens – braços e mãos – são da mesma atriz. Ainda que inovador frente ao nascente cinema soviético e frente ao limitado método griffithniano de montagem, Kulechov se ateve à questão técnica mantendo-se tradicional quanto à estilização dos cenários, figurinos ou mesmo de atuação, o que o colocou avesso ao expressionismo alemão já em destaque universal desde O gabinete do Dr. Caligari (Das Cabinet des Dr. Caligari, Robert Wiene, 1920), pois acreditava que a estilização deveria ocorrer unicamente no campo da montagem.

O conceito de “Geografia Criativa” pode ajudar a entender a pós-verdade em nosso tempo cibernético e monossilábico, cujas ferramentas de verificação científica são meras convenções impostas frente aos olhos da opinião pública, a genialidade Vertov reside em saber jogar com esse paradoxo, o real pode ser um recorte da realidade em si, logo aquilo que é real passa a ser uma apropriação do discurso da realidade. O Kino-Pravda é a vanguarda nisso, algo que um soviético pensou no século XX e simbolicamente é o arquétipo do senso comum em 2022.

Vamos adentrar na pós-verdade dentro da estética da extrema-direita, a narrativa onírica dentro dos carros de aplicativo que temem a regulamentação e falam em nome da lei, ordem e justiça do capitão. Todos aqueles vilipendiados pelo holocausto da Covid que não entenderam que a mão invisível afaga os interesses economicos enquanto estapeia as classes menos favorecidas, é própria síntese do desemprego, da injustiça e dos aplicativos lucrarem com o suor do trabalhador sem qualquer forma de liberdade desse se não a sensação de se fazer o próprio horário (time is money), e o conhecimento das cidades se dão pelo gps que também cria a impressão de não errarmos o caminho.

Uma sociedade vigiada começa a partir da sua surdez, passa pelos seus trajetos e termina desempenhando esse controle no íntimo, tementes a um deus ou a uma regra de controle militar com uma moral acima de todas as prerrogativas da liberdade ética de cada ser humano.

Quem diria que um método russo de explorar o indivíduo artisticamente, no Brasil de 2022 terminaria em reduzir os ofícios às  mídias sociais, cada qual em sua propaganda, em seu nicho, em seu gosto, em seu egoísmo, em seu youtube, em sua verdade, afinal, avenida em russo é “prospekt”, palavra muito próxima de perspectiva, nos sonhos coletivos dos comunistas se deu a brecha para o “eu” ( em russo, iá), o individualismo se inventa nos recortes de nosso tempo, pois “karandash” é lápis e “babushka” é vovó, camarada é “tovarish” e “mechta populyarna” quer dizer que o sonho é popular, a verdade diante de nossos olhos é saber que muita gente ainda tem empatia por aquilo que é tenebroso, e 30% do Brasil pensa que aquilo lá está certo!