Como uma banda britânica de blues acabou na Califórnia, se transformando em um dos baluartes do pop-rock. Brigas internas, divórcio e problemas com drogas foram pano de fundo durante toda transformação
Lá por 1965, Peter Green era considerado um dos guitarristas mais importantes do rock inglês, e tinha entre seus admiradores Jimmy Page e David Gilmour. Ele era um membro da John Mayall e The Bluesbreakers, grupo que tivera diversas alterações dentro de seus quadros.
Green entrou na banda no lugar de ninguém menos que Eric Clapton, que havia saído com Jack Bruce para formar o Cream. Em pouco tempo, Green também sairia, levando consigo o baterista Mick Fleetwood e o baixista John McVie para adentrar em uma nova empreitada.
Mesmo sendo o “líder natural” de uma banda de blues, na função de guitarrista, teve a ideia de nomear a banda combinando os sobrenomes de sua dupla de ritmistas: “Fleetwood-Mac”. Após a gravação de um álbum, veio a tecladista e cantora do Chicken Shack, Christine Perfect, que viria a ser esposa de John, Christine McVie.
Green escreveu dois dos maiores sucessos da banda, Black Magic Woman, que mais tarde foi um sucesso com Carlos Santana, e Albatross, que frequentou o topo das paradas do Reino Unido. No entanto, Green começava a sofrer com o início de uma esquizofrenia que desenvolvera, provavelmente provocada por uma experiência pesada de LSD. Ele deixa o grupo em 1970.
A banda seguiu em frente com mutações no som que contavam com os guitarristas Jeremy Spencer, Danny Kirwin e finalmente Bob Welch, que junto com Christine conseguiram levar a banda a um som mais melódico. Enfrentaram problemas com um ex-empresário que dizia ser dono do nome da banda.
Até o dia que Welch também pulou fora, mas isso abriu a porta para um casal bonito e talentoso que ajudaria a levar a banda a alturas imprevistas, Lindsey Buckingham (que apesar do nome era o homem) e Stevie Nicks (que apesar do nome era a mulher). Novíssimos ares e o estabelecimento na costa oeste dos EUA.
A dupla havia se mudado para Los Angeles um tempo antes, onde mantinham o projeto Buckingham-Nicks. Ela trabalhou como garçonete para sobreviver, uma vez que Lindsey não tocar covers para descolar um extra. Eles estavam perto de se separar, mas como ela relatou à Billboard: “quando nos juntamos ao Fleetwood Mac, eu disse: “ok, é para isso que trabalhamos desde 1968. E então Lindsey, você e eu temos que costurar essa relação. Temos muito a perder aqui. Precisamos deixar nossos problemas para trás. Talvez não tenhamos mais problemas, porque finalmente teremos algum dinheiro. E não terei que ser garçonete”. E vaticinou: “acho que podemos fazer algo por essa banda. Faremos isso por um ano, economizaremos algum dinheiro e, se não gostarmos, desistiremos”.
Em 1975, a nova formação estreou com o álbum autointitulado Fleetwood Mac, já com atmosfera completamente diferente. Algo longe do blues. Se tornou o número um dos EUA. Singles clássicos como Rhiannon, Landslide, Over My Head e Say You Love Me de Christine McVie tocaram sem parar. Era um novo pop, como se “aquela banda de blues” estivesse bronzeada pelo sol californiano.
A pressão estava agora para que seu próximo álbum fosse um enorme sucesso. O palco estava montado para a maior novela do rock.
Após oito anos de casamento, Christine e John McVie estavam se divorciando devido às constantes turnês e ao abuso de álcool de John. Os dois evitavam um ao outro e não falavam a menos que tivessem algo musical para discutir.
A esposa de Mick Fleetwood, Jenny Boyd (irmã da esposa de George Harrison, Patty) teve um caso o ex-membro do grupo Bob West, e ela queria o divórcio. E Lindsey e Stevie estavam constantemente brigando, pois seu relacionamento estava na marca do pênalti. Que novela. Já ganhava ares dos folhetins mexicanos — bem perto do sul da Califórnia, diga-se. E protagonizado por um punhado de ingleses!
Reza que boa música muitas vezes vem de maus momentos, do desgosto profundo, muita turbulência emocional e dificuldades extremas. Para sorte do universo, aquele bando de malucos desgostosos de suas próprias vidas transformou suas amargas experiências em grandes canções.
Para gravar, eles deixaram Los Angeles para fugir da gravadora, advogados, e todo aparato burocrático que pudesse pressioná-los. Foram para Sausalito, na baía de San Francisco, onde isolaram-se em um estúdio sem janelas. Seu isolamento, juntamente com as grandes quantidades de álcool e drogas não contribuíram para boas relações. E os “rumores” eram fortes. O tempo todo.
Lindsey assumiu o comando, executando arranjos e organizando a casa. Ele queria levar o som da bateria de Fleetwood adiante, e bateu de frente com John McVie, e seu purismo algo blueseiro. Mick Fleetwood foi adiante, manteve musicalmente todo o caldeirão músico-emocional, com seu ritmo forte.
A produção foi impecável. Ken Caillat e Richard Dashat começaram o projeto como engenheiros. Mas a banda estava de fato emocionalmente tensa, e feedback a todo instante. Assim, a dupla ascendeu ao status de produção.
Houve alguns problemas, dos quais o mais angustiante foi a deterioração da fita máster, que só foi através de uma espécie de backup, sobre o qual tiveram que regravar em cima, salvando o trabalho todo.
Não se sabe como, mas é fato que eles passaram por tudo isso e completaram o álbum que se tornaria Rumours. Disco de platina e, após seu lançamento em fevereiro de 1977, alcançou o topo da parada da Billboard dos EUA e da parada de álbuns do Reino Unido. A banda ganhou um Grammy pelo álbum e ainda é um dos discos mais vendidos de todos os tempos, com mais de 40 milhões de cópias em todo o mundo.
Lindsey e Stevie se separaram. Todos resolveram seus problemas, separando-se ou não, depois de Rumours. E a vida, bem como o Fleetwood Mac, seguiu ainda até 1995. Depois retornaram e seguem até hoje como uma ótima banda de bons velhinhos. Lindsey Bunckingham e Christinne McVie ainda gravaram um álbum juntos em 2017. Mas não tem a ver com uma troca de casais ou nova turbulência de relacionamentos, apenas parceria mesmo. Inclusive John McVie e Mick Fleetwood tocam no disco.
Mas nada foi tão bom (ou ruim) quanto aquele momento em 1976/77. Uma banda dividida. Um álbum único. Uma só tacada. De muita sorte.
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Ouça. Leria. Assista:
Rumours – part 1 – documentário
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Imagens: reprodução