Tem coisas que imediatamente nos transportam para um outro tempo. Para uma memória, um lugar, uma sensação.
Dessa vez, foi o gosto da ostra.
Já fazia dias que estava com vontade de comer ostra fresca por aqui. Passava na frente de um restaurante ou de outro e chegava a salivar só de ler o nome. Até o dia que sentamos em um lugar novo, sem a menor ideia do menu. Logo na primera página, estava ela. A ostra.
Foi só sugá-la para dentro da boca que em um milésimo de segundo fui parar dentro do mar. Na praia do Madeiro, em Pipa, mais especificamente. Fim de tarde, céu azul, sol brilhando, brisa leve, água salgada, cabelo molhado, dedos enrrugados, o barulho do vai e vem das ondas, visão embaçada. Sorriso no rosto. Na memória e no presente.
Outro dia, foi apenas eu ver alguém comendo um burrito.
Na hora lembrei do gosto do burrito que meu amigo e colega de casa no Havaí fazia no restaurante em que trabalhava e que volta e meia trazia um de sobra pra eu comer na madrugada. Lembro de uma vez em específico, que sentamos no chão da sala, em frente ao sofá, com o burrito. Assistimos o documentário Zeitgeist e conversamos sobre tudo e nada até quase amanhecer.
Uma outra vez, foi o toque de um tecido.
Bastou um toque e senti que estava com o meu boná entre os dedos. Quanto amor eu tinha por esse pedacinho de coberta que eu não largava por nada. A sensação de esfregar a borda daquele tecido entre os dedos da mão me trazia um prazer, uma calma, uma completude, que até hoje não sei explicar ou replicar.
Quando ouço alguns sotaques isso também acontece.
Sempre fui uma esponjinha quando se trata de sotaque. Bastava um dia imersa no interior do Paraná e eu já estava com ‘poRta’, ‘poRteira’ e ‘catequinz’ (quatro e quinze, pros leigos) pra lá e pra cá. Férias curtas de final de ano em Santa Catarina e a fala já saía toda cantadinha. Em pouco tempo morando na Nova Zelândia eu já estava falando o famoso “eh?” no final das frases. Mas é o sotaque do Rio Grande do Norte que me transporta. Meu marido até ri. Depois de morar um ano por lá, basta eu dar oi pra uma grande amiga que trabalhava comigo, a Bruna, e imediatamente encorporo a fala natalense que habita minha língua. Do pronto à falta de artigo antes dos nomes próprios, está tudo lá. Incontrolável.
Incontrolável também sentir cheiro de chuva em dia quente e não voltar mentalmente pra sensação única daqueles dias e semanas que precedem o Natal.
Não faço ideia o porquê, mas me vem à mente uma imagem da Avenida Visconde de Guarapuava de Curitiba, vista de cima, lá do começo, em um início de noite, com todas as luzes dos postes acesas, semáforos e luzes dos freios dos carros vermelhas e decoração de Natal aqui e ali, luzinhas, árvores, guirlandas. Junto vem também uma lembrança da sala grande da casa da minha mãe, do sofá, do CD (sim, o CD) de capa cinza do Eminem e da música Stan. Um misto de excitação e nostalgia, uma sensação agridoce.
O mais estranho é que aqui no hemisfério norte, esses dias de chuva e calor acontecem no meio do ano – tão longe ainda do Natal. E perto do Natal só o que tem é muita neve e muito frio por tudo. Pro cérebro faz sentido, mas o coração ainda pena pra entender, quem dirá acostumar… Pleno julho e estou aqui, sentindo o Natal batendo na porta, mas sabendo que ainda tem meio ano pela frente.
É impressionante o sentido que damos àquilo que os sentidos nos dão. Mais impressionante ainda, é como quanto mais gigabytes consumimos por dia frente às telas, mais ignoramos esses (e os outros) sentidos.
Reconectar nossa atenção a esses sentidos nos permite relembrar experiências e adquirir novas, ampliar nosso repertório sensorial. Os sentidos também podem nos ajudar a processar insights, a combinar de forma inconsciente essas experiências para gerar novas soluções, novas criações, criatividade. Além de que são eles, os sentidos, que nos permitem os maiores prazeres da vida.
Como anda a sua relação com os seus sentidos?