Não me lembro quando foi a última vez que parei.
Pensando para trás, a última vez que pedi as contas do trabalho, foi para finalizar uma mudança de país – mais de 50 dias “de folga”, leia-se, organizando documentos, fazendo malas, preparando os últimos detalhes e me despedindo de pessoas queridas que ficariam para trás. A última vez que tirei férias, foram dez ou 15 dias, logo depois de mudar de apartamento, ou seja, limpeza, compras e arrumação e ainda um Natal e um Ano Novo com família e amigos em casa – afinal de contas, não é pra isso que serve um apartamento tão grande?!
Assim venho vindo, vendendo as férias ou tirando menos dias, mudando de emprego, de casa, de país, inventando novos projetos paralelos, tudo ao mesmo tempo, sem pausas, sem descanso. Desde quando? Acho que não sei dizer. Acho que desde sempre. Desde a faculdade, com certeza.
Esse ritmo frenético, esse modus operandi, me fez, em muitos momentos, uma pessoa criativa. Sempre em contato com o novo – novos conhecimentos, novas experiências, novas culturas. Colocando novos projetos no mundo, produzindo, realizando.
Esse mesmo ritmo frenético, esse mesmo modus operandi, também me fez conhecer o outro lado da moeda, o contrário da criatividade e suas nuances, seus antônimos (assim, no plural mesmo). A exaustão e o estresse me levaram à esterilidade criativa, ao vazio. Também me levaram ao desinteresse, à sensação de insuficiência, incapacidade e, por consequência, à cópia. Uma dependência extrema da racionalidade, me levou direto ao lugar comum, ao mais do mesmo.
Eu não conseguia nem mesmo perceber que estava vivendo em um lugar seco, infecundo – até que comecei a sentir a chegada de uma força ainda mais profunda, a força destrutiva. O impulso era de me livrar de todas as coisas que comecei e que conquistei, que criei e que mantinha ali, pertinho, como um lembrete da minha capacidade de criar. Só queria me deitar no sofá, ligar a televisão e fazer nada para todo o sempre. Quando percebi que estava assim, repetindo esse padrão de pensamento, comportamento e atitude, decidi fazer algo que nunca tinha feito antes. Decidi parar.
Com tranquilidade, eu digo. Essa foi a decisão mais difícil que já tomei em toda a minha vida. Pensei, decidi, voltei atrás, fiz lista de prós e contras, mudei de ideia, parei de pensar sobre, busquei ajuda, me disse várias vezes que não ia conseguir, então pra que tentar?! Mas, lá no fundo, eu sabia que não tinha como continuar seguindo em frente sem essa parada. Então, parei.
Saí do meu trabalho e zerei minha agenda de compromissos. Mantive apenas uma aula que precisava fazer e alguns trabalhos pontuais (não mais que três ou quatro horas de compromissos em todo o mês). Uma parada sem prazo para acabar, sem próximos planos, sem data para voltar.
“Objetivo do mês?” perguntou o planner que já estava empoeirado num canto da prateleira e a quem resolvi dar uma nova chance. Objetivo do mês: descansar e recarregar as energias, respondi.
Só agora, pouco mais de um mês desde que apertei o stop na vida corrida e agitada, sinto que estou começando a conseguir descansar de verdade. Sem culpa, sem me julgar, sem pensar no que eu deveria estar fazendo. Dolce far niente (o ideal italiano da ociosidade despreocupada).
E só agora, depois de conseguir descansar de verdade, estou começando a voltar a sentir a faísca criativa acendendo em mim. Devagarinho estou deixando a curiosidade me levar, explorando ideias. “Opa, tem algo interessante aqui… Vamos ver o que é? Vamos ver até onde vai? Será que é pra mim?” Sem pressa e sem pressão. Apenas deixando emergir, seguindo os caminhos da curiosidade e vendo onde eles me levam.
Às vezes, ainda invento de fazer muitas coisas em um único dia. Vou pra aula e aproveito a saída para ir ao mercado e dar um passeio turístico pela cidade, depois saio caminhar com as cachorras e faço o jantar. No dia seguinte, quase toda aquela carga de exaustão me consome novamente e só o que eu consigo fazer é me deitar no sofá, ligar a televisão e esperar o dia passar. Descanso e recarrego as energias.
Hoje, tenho consciência de que o ritmo frenético que me impus foi essencial para eu ser quem eu sou e realizar o que eu realizei. Mas também, tenho consciência do mal que esse ritmo me fez. Estou descobrindo uma outra forma de ser e de criar, mais saudável, mais tranquila, mais natural.
À exaustão, ao estresse, à esterilidade criativa, ao vazio; ao desinteresse, à sensação de insuficiência e incapacidade, à cópia; à racionalidade excessiva, ao lugar comum, ao mais do mesmo. A todos os antônimos da criatividade que por tanto tempo foram rotina em minha vida, o meu muito obrigada! Graças a vocês, pude parar e, devagarinho, voltar a criar e me recriar.