J.B. Tanko. Das sombras do nazismo aos Trapalhões


Diretor viveu momentos marcantes no desenvolvimento da cinematografia mundial, desde a Wien Film criada por Goebbels em Viena, passando pela consolidação da Atlântida no Brasil, até os arrasta-quarteirões em parceria com Renato Aragão

É quase impossível a alguém com mais de 30 anos no Brasil não ter encarado uma fila de cinema junto com a família, para assistir a alguns dos imensos sucessos d’Os Trapalhões, que atravessaram as décadas de 1960 a 1990.

O que pouco se sabe é que um dos personagens mais importantes por trás do sucesso de Renato Aragão e sua trupe é um sujeito com uma história que por si só “dá um filme”.

Josip Bogoslaw Tanko nasceu em 1906 em Sisek, na atual Croácia. Cresceu apaixonado pela “lanterna mágica” do cinema.  Não se sabe ao certo como Tanko foi parar na Áustria. Provavelmente a família deve ter migrado para o país vizinho após a constituição da Iugoslávia, que uniu Bósnia e Herzegovina, Eslovênia, Kosovo, Macedônia do Norte, Montenegro, Sérvia, e a Croácia do jovem Josip.

O fato é que perto da maioridade, em Viena, J.B. Tanko começou a trabalhar com cinema. Em uma Áustria já anexada por Hitler, trabalhou no Sascha-Filmindustrie AG em Viena. Depois, no Tobis Filmkunst, Terra Filmkunst e UFA em Berlim. Consta que participou da equipe de filmagem de Leni Riefenstahl, durante as Olímpiadas de Berlim em 1936, que resultou no filme oficial do evento.

Em 1937 ingressa na Wien Film — que substitui a Tobis Filmkunst — estabelecida por Joseph Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler. A companhia estatal coloca um fim na iniciativa independente do cinema austríaco. O nazismo passa a dominar por completo as produções.

Com o início da guerra, J.B. Tanko retorna a Iugoslávia e trabalha para o Instituto de Cinema Documental do Exército, em Belgrado. Uma de suas façanhas documentais foi registrar o bombardeio da Alemanha sobre a capital iugoslava. Com o registro em mãos, Tanko foge para Berlim com o material. Não se sabe como, tampouco, trabalha ainda mais um tempo a serviço do ReichFilmKammer, órgão da propaganda de guerra nazista.

Com o fim da guerra, o processo de desnazificação o absolve de ligações maiores com o partido nazista e Tanko — tendo perdido toda sua família na guerra — vai para o Brasil, em 1948. A partir daí as coisas tomariam rumos bastante diferentes.

Ainda ambientando-se ao idioma, e portador de bom equipamento que conseguira trazer da Europa, Tanko trabalha como assistente na Cinelândia Filmes. Nova proeza: mesmo sem conhecer o idioma por completo, escreve o roteiro e faz assistência de direção no clássico Escrava Isaura (Eurídes Ramos, 1949), adaptado da obra de Bernardo Guimarães.

Na década de 1950, trabalha para a Atlântida Cinematográfica. Ali, com o português já em dia e fluente, sua já imensa bagagem ajuda a profissionalizar o setor, com técnica apurada e muita noção de direção, fotografia, iluminação e roteiro. Em 1955 ingressa na Herbert Richers.

Durante uma década (1955-1965) dirigiu nomes do gabarito de Ankito, Ronald Golias, Grande Otelo, Zé Trindade, entre outros, que proporcionaram bilheterias milionárias com foco nas comédias que vieram a ser chamadas chanchadas. Também trabalhou com Roberto Farias e Watson Macedo, naquilo que chamou-se “cinema sério”, é possível dizer.

Mas é quando dirige Adorável Trapalhão (1967), no qual conhece o jovem e ambicioso comediante e produtor cearense — Renato Aragão — e já dono se seu próprio estúdio, a J.B. Tanko Filmes Ltda, é que o croata radicado no Brasil começa a se tornar um dos maiores casos de sucesso do cinema brasileiro de todos os tempos.

A partir de Adorável Trapalhão, inicia uma longa parceria com Renato Aragão. Oriundo da tevê, o comediante montou a trupe de humor Os Trapalhões, que depois de idas e vindas de alguns integrantes, assumiu-se como o quarteto definitivo que faria sucesso pelas duas décadas seguintes na televisão, a partir de 1972.

Com o sucesso televisivo, as ambições de Renato Aragão com a vultuosa arrecadação dos filmes da trupe para o cinema tomaram proporções gigantescas. Das 20 maiores bilheterias do cinema nacional até hoje, pelo menos 10 podem ser creditadas a filmes d’Os Trapalhões.

J.B. Tanko dirigiu no total onze das mais de 40 produções da trupe, desde Aladim e a Lâmpada Maravilhosa (1973) até Os Fantasmas Trapalhões (1987). Os dois maiores sucessos de bilheteria foram O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão (1977) e os Os Saltimbancos Trapalhões (1981), este considerado o melhor filme do grupo.

O croata ainda realizou alguns filmes de drama, e até pornochanchada, como o “clássico” As Borboletas Também Amam (1979). Produziu algumas dezenas de outros, de diretores diversos. Dentro e fora do ambiente trapalhão comandado por Renato Aragão.

J.B. Tanko morreu em 1993, aos 87 anos. Deixou ao todo 42 obras como diretor. Sempre foi avesso à imprensa, e dono de uma seriedade que todos diziam assustadora. Nunca gostou de falar sobre o período no qual trabalhou para o regime nazista. Levou para o túmulo este roteiro ainda inacabado.

Ouça. Leia. Assista:

Massacre no Supermercado (1968) – de J.B. Tanko

Marido de Mulher Boa (1960) – de JB. Tanko

Adorável Trapalhão (1967) – de J.B. Tanko

Imagens: reprodução