Fórmula que envolve público, apresentador e atrações artísticas vem desde a Era do Rádio, atravessando um século quase inteiro sem nunca sair do gosto popular
Em 26 de fevereiro de 1926 o engenheiro escocês John Logie Baird reuniu alguns cientistas e jornalistas para fazer a primeira demonstração de uma transmissão de tevê. Em 1936, a BBC inauguraria o primeiro serviço regular de televisão no mundo, no Alexandra Palace em Londres. A televisão estava inventada.
Nos EUA, a televisão começou sua transmissão comercial em 1945. Levaria até o fim daquela década para desenvolver aquilo que passou a se chamar como “grade de programação”. O que consistiu basicamente de adaptações de antigos programas de rádio, que por sua vez eram uma adaptação do vaudeville, o teatro de variedades surgido na França no final do século 18 e que atravessara todo século 19 e aquele começo dos 1900’s ainda como entretenimento principal da classe média.
A novíssima mídia de “rádio com imagem” também adaptou peças de teatro, o que passou a se chamar teleteatro, que deram por sua vez origem aos seriados e sitcons. E pela mesma época surgiram os “TV shows”. O que chamamos no Brasil de “programas de auditório”.
Ao vivo, tais atrações levaram algumas cantoras à categoria de “rainhas” do rádio. O exemplo mais notável são as rivais Emilinha Borba e Marlene. A Rádio Nacional, implantada por Getúlio Vargas como uma forte arma política depois da Revolução de 1930, foi responsável tal e qual pela primeira transmissão de uma radionovela no país. Em 1941: Em Busca da Felicidade atingiu altos índices de audiência. Também em 1941 foi transmitida a primeira edição do Repórter Esso, de noticiário, que mudou o estilo de apresentação, tonando-se modelo que também influenciaria fortemente a televisão no futuro.
O programa de auditório na tevê trata-se basicamente do que já se fazia no rádio, desde os anos 1930. Uma claque (plateia, que fazia parte do “show”), um apresentador e as mais diversas atrações, notadamente do universo musical. Programa como os de Ary Barroso e de Aberlardo Barbosa — o Chacrinha — foram eternizados antes no rádio. E no caso do “Velho Guerreiro”, entrou com força total na televisão.
A televisão fora inaugurada no Brasil em 1950, por Assis Chateaubriand, a TV Tupi em São Paulo. Depois também no Rio. Já pela metade da década a fórmula mágica dos programas de auditório se implantou com grande força. O programa mais marcante foi ao ar na TV Rio, e chamava-se Programa de Gala (depois Noite de Gala), apresentado por Luís Jatobá e Ilka Soares, com direção de Cecil Thiré e Geraldo Casé, no qual grandes estrelas das chanchadas e da música se apresentaram. Passaram por lá na fase mais marcante do programa (1957-1962) nomes como Oscarito, Walter D’Ávila, Maysa, João Gilberto e Tom Jobim. O programa contou ainda com apresentação de Tônia Carrero, Ema D’Ávila, Flavio Cavalcanti, Rose Rondelli, Carmem Verônica e Norma Bengell, entre outros.
Outro grande nome de todos os tempos dos programas de auditório no Brasil foi Hebe Camargo, que apresentou Calouros em Desfile, Hebe Comanda o Espetáculo, Com a Mão na Massa, O Mundo é das Mulheres e Maiôs à Beira-Mar, todos ainda na década de 1950. Tudo ainda estava por vir. Hebe seria um dos maiores nomes da tevê até o fim de sua vida já no século 21.
O citado Aberlardo Barbosa, que viera do Recife atrás da fama ainda nos anos 1940, penou até consagrar seu programa no rádio. Na tevê, fez o papel de um xerife em uma produção infanto-juvenil de 1956 chamada o Rancho de Mister Chacrinha, uma paródia do programa de rádio Rancho Alegre, conduzido por Amácio Mazzaropi. Em 1957, estreia o programa que o tornaria um dos ícones da televisão nacional para todo o sempre: a Discoteca do Chacrinha, na TV Tupi. Chacrinha nunca mais parou. Mudou para Buzina do Chacrinha depois, e voltou à Discoteca outras tantas vezes.
Diferente da formalidade dos demais programas apresentados no país, seu show era anárquico, colorido e surreal, o que colou com a geração hippie ainda emergente já nos anos 1960 e acabou por torná-lo uma das inspirações e símbolo do tropicalismo e da contracultura. Gilberto Gil, exilado pela ditadura em 1969 homenageou o apresentador na canção Aquele Abraço, o que lhe legou o apelido de “Velho Guerreiro”.
Em 1963, um jovem judeu nascido na Lapa, centro do Rio, que ganhava a vida como talentoso camelô, inicia sua trajetória na televisão: Senor Abravanel rumara para São Paulo, onde estava o dinheiro. Tinha 33 anos.
Com o pseudônimo de Silvio Santos, estreia na TV Paulista comandando o programa Vamos Brincar de Forca, logo transformado em Programa Silvio Santos, que atravessou aquela década tornando-se o maior e mais bem pago nome da programação televisiva.
Não tardou, Silvio comprou do amigo apresentador Manuel de Nóbrega o Baú da Felicidade, que consistia de um sistema de capitalização no qual a pessoa pagava uma prestação mínima e concorria a prêmios (inicialmente baús repletos de presentes para crianças). Evoluiu para carnês vendidos a rodo, com sorteios via de regra de eletrodomésticos entre outros produtos fabricados pelos próprios patrocinadores do seu programa. Uma verdadeira máquina de fazer dinheiro.
Entre os apresentadores de programas de auditório, Silvio Santos foi o primeiro e único que conseguiu comprar sua própria emissora de tevê, que se tornou uma rede nacional após concessão do governo Figueiredo no início dos anos 1980’s. Surgiu aí, de um programa de auditório e uma espécie de “picaretagem legalizada”, inspirada num baú de prêmios, um dos maiores impérios da comunicação brasileira.
A história e o fascínio dos programas de auditório são difíceis de explicar. Não é incomum todo mundo achar uma porcaria. Porque são, de fato, em sua maioria. Artistas musicais se apresentando em formato playback, entrevistas de cunho sensacionalista, exploração da desgraça alheia, fofocas, jogos de azar, perguntas e repostas. Quase nada edificante, ou que de fato “preste”.
Ao longo dos anos, é claro, adotando o mesmo método plateia-apresentador-atrações, alguns oásis apareceram no deserto de mediocridades que iam de Raul Gil a Flavio Cavalcanti.
Além do próprio Chacrinha que tinha o já citado caráter anárquico e psicodélico, sendo de fato uma bagunça ao vivo, houve a Jovem Guarda (1965-67) na TV Record, onde Wanderleia, Roberto e Erasmo Carlos mudaram (ou estabeleceram) o panorama da música pop no pais; o Jovem Urgente (1969), na TV Cultura, apresentado pelo psicanalista e professor da PUC-SP Paulo Gaudêncio; Hallellujah (1975) na Tupi, com temas e música jovem do período; o inesquecível Fábrica do Som (1983-84) também na TV Cultura, apresentado por Tadeu Jungle, que mudou os rumos e a linguagem, abrindo caminho para o Perdidos na Noite (1984-88), apresentado por Fausto Silva (que viria a ser o Faustão) primeiro na Record, depois Gazeta e terminou seus dias na Bandeirantes, quando foi contratado pela Globo para fazer a mesma fórmula velha e careta em seu Domingão do Faustão; e o Matéria Prima (1990-1991) de Serginho Groisman na Cultura — este que tomou o mesmo caminho de seu gordo amigo Fausto, engordando suas contas bancárias e realizando programas ruins.
Há inúmeros. Locais e nacionais. A fórmula do TV Show surgido primeiramente em solo norte-americano é sucesso no mundo inteiro. Formatos diferentes, mas sempre fascinantes. Nunca deixaram a pequena tela do aparelho de tevê.
E já se vão 70 anos na tevê. Nossos comerciais, por favor.
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Ouça. Leia Assista:
TV no Brasil – Programa de Auditório e Shows – dir. Carlos Alberto Vizeu
História da Televisão Brasileira – pior Sérgio Mattos
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Imagens: reprodução