George Orwell. O pai do Big Brother


O romance 1984 acabou alertando a sociedade para muito além de uma obra de ficção científica. Livro previu uma espécie de “totalitarismo consentido”, através da tecnologia, sem a qual quase ninguém vive hoje em dia

Eric Arthur Blair nasceu na Índia, em 1903. Seu pai trabalhava no Departamento de Ópio do Serviço Civil Indiano, uma agência reguladora do governo britânico na colônia. Com apenas um ano de idade, Eric foi levado pela família morar na Inglaterra.

Crescido, ingressou na Polícia Imperial Indiana na Birmânia, uma das colônias britânicas. Serviu de 1922 a 1927 e decidiu dedicar-se à literatura. Em 1928, mudou-se para Paris, onde exerceu uma série de trabalhos braçais, não obtendo em absoluto nenhum sucesso como escritor.

Ele descreveu suas experiências em seu primeiro livro, Na Pior em Paris e Londres (1933), crônicas e relatos de sua vida ruim entre as duas capitais europeias. Assumiu o nome de George Orwell pouco antes da publicação deste. Assim seguiu seu primeiro romance, Dias na Birmânia, em 1934.

Orwell fora um anarquista no final da década de 1920. Em 1930 torna-se socialista. Em 1936, ele foi contratado para escrever um relato da pobreza entre os mineiros desempregados no norte da Inglaterra, que resultou em The Road to Wigan Pier (1937).

No final de 1936, a exemplo de muitos intelectuais de sua geração, Orwell foi à Espanha para lutar pelos republicanos contra os nacionalistas de Franco. Pouco depois, foi forçado a fugir dos comunistas apoiados pelos soviéticos, que estavam reprimindo dissidentes socialistas revolucionários. A malfadada experiência o transformou em um anti-stalinista convicto. Sem nunca abandonar o ideário socialista, a bem da verdade.

De retorno à sua Inglaterra, entre 1941 e 1943 Orwell trabalhou no setor de propaganda para a BBC, durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1943, tornou-se editor literário do Tribune, uma revista semanal de esquerda. Era o chamado “chão de redação”, fazendo de tudo um pouco, especialmente artigos e resenhas. Sem nunca deixar de escrever livros.

Em 1945, A Revolução dos Bichos (The Animal Farm) foi publicada. Uma novela fantástico-política ambientada em uma fazenda, mas que metaforiza a traição de Stalin à Revolução Russa. Essa obra tornou Orwell reconhecido, e garantiu que ele estivesse financeiramente confortável pela primeira vez em sua vida. Em 1949, publica a obra que o eternizou: 1984.

Ficção científica de cunho social e político, 1984 está situado em um futuro totalitário imaginário (no ano de 1984), no qual toda sociedade é controlada por um partido único, e tem todos os seus movimentos vigiados por câmeras instaladas em telas gigantes, e pela repressão de um poderoso exército de agentes e informantes, que visa manter o status quo do regime.

Winston Smith é o protagonista. Membro de baixo escalão do partido, em Londres, num país imaginário chamado Oceania. Onde Winston, mesmo em casa, é observado através de telões. Para todo lado, nos mesmos telões, se vê o rosto do líder, o Grande Irmão.

Tudo está sob controle, mesmo a biografia e o idioma das pessoas. O Partido estava implementando uma linguagem inventada chamada “novafala”, ou “novilíngua”, que objetivava impedir a rebelião. O crime de “pensar” era considerado o mais temerário. O pior de todos os crimes.

O livro causou profunda impressão, com seu título e muitas frases — como “ o Grande Irmão está de olho em você” — que cairam no uso popular. Michel Foucault insinuou certa vez que a “característica central da sociedade moderna é o controle suave da vigilância”. Este controle acaba por disciplinar “sem força”, obrigando todos a aderir a alguma norma comportamental. Sem deslizes.

O “fantasma do comunismo” parece ter sido afastado de vez desde a queda do Muro de Berlim e o fim do regime soviético no início dos anos 90. Mas a paranoia anticomunista nunca deixou de existir, em maior ou menor grau. Principalmente em países que nunca tiveram o menor contato com experiências socialistas tradicionais e pragmáticas, mínimas que fossem.

Acontece que, em pleno 2022, já vimos pelo mundo todo o recrudescimento do fascismo de extrema direita, e vivemos tempos nos quais a NSA andou examinando telefones, o Google vasculhando nossos mecanismos de pesquisa e nossas tevês e celulares sendo capazes de nos ouvir e assistir.

E o Grande Irmão (Big Brother) deu as caras até mesmo na programação de televisão, tornando desta feita o telespectador num observador permanente. Um programa pra lá de chinfrim, mas que entra ano sai ano parece causar mais e mais, já resultando em “influencers”, novos “artistas”, ora alçados ao estrelato, ora retirados do limbo no qual se encontravam. E até políticos e ativistas.

Para muitos, o “observador” é também o maior refém. Dado que é o telespectador. A pergunta que fica é: qual o limite dessa paranoia? Até onde irá (ou já foi) essa coisa de Big Brother, já que parecemos estar online o tempo todo, a grossa maioria da população do mundo? Tente ficar uma semana longe das redes, tevês e afins. Ao retornar você parecerá ter estado congelado por um século. Esta coluna, mesmo, se você a está lendo é porque está (ou esteve) conectado em algum momento.

George Orwell era portador de diversos problemas de natureza respiratória, e com a saúde debilitada morreu de tuberculose em janeiro de 1950. Tinha 46 anos. É considerado o maior cronista da cultura inglesa do século 20. E certamente é o maior crítico do totalitarismo da literatura universal.

Cuidado. O Grande Irmão pode estar mesmo de olho em você.

Ouça. Leia. Assista:

1984, de George Orwell

A Revolução dos Bichos, de George Orwell

1984, filme, dir. Michael Anderson (1956), completo

1984, filme, dir. Michael Radford (1984), trailer

Imagens: reprodução